Por douglas.nunes

A inadimplência do crédito continua em queda, apesar da alta dos juros. A situação é, claro, muito positiva, mas também surpreendente para boa parte dos analistas que antevia um aumento dos calotes quando os juros básicos da economia voltaram a subir, um ano atrás, saindo de 7,5% e chegando a 11%. Na média, as taxas do crédito, considerando recursos livres e direcionados, para empresas e pessoas físicas, passaram de 18,5% para 20,9% ao ano de abril passado até fevereiro último. Quanto mais altos os juros, maiores as prestações, o que compromete mais a renda e pode ameaçar a capacidade de pagamento dos tomadores mais à frente.

O que se viu, porém, foi exatamente o contrário - mesmo com o ciclo de alta dos juros durando mais do que o esperado inicialmente. Os índices de atrasos acima de 90 dias, segundo o Banco Central (BC), passaram, no mesmo período, de 3,6% para 3%. “Inadimplência está ligada à situação macroeconômica, e não ao tamanho dos juros. E também ao cuidado que se toma na hora da concessão do crédito”, disse ontem o presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Érico Ferreira, em teleconferência com jornalistas.

“A situação está bem melhor neste ano do que em 2012 e 2013, e as expectativas são favoráveis”, afirmou, confirmando previsão que fez em entrevista ao Brasil Econômico em dezembro do ano passado.

A alta acentuada da inadimplência em 2012 deixou os bancos e financeiras mais cautelosos. O aumento da seletividade e a mudança do mix das carteiras de crédito surtiram efeito e compensaram o risco da alta da Selic provocar uma nova onda de calotes. A mudança do mix se deu principalmente pela saída progressiva dos financiamentos de automóveis, por exemplo, e aumento da oferta de recursos em modalidades mais seguras, como financiamento imobiliário e crédito consignado.

“As instituições desenvolveram métodos próprios para controlar melhor a concessão, mas são segredos guardados não a sete, mas a 39 chaves. Quem descobre alguma inovação ou vantagem competitiva não vai falar para o concorrente. Cada um tem seu ‘credit score’ ajustado a seus produtos e públicos”, diz Ferreira.

O economista-chefe da Acrefi, Nicola Tingas, lembra que, apesar do endividamento das famílias continuar elevado, a qualidade das carteiras melhorou. A queda da inadimplência, portanto, não teve a ver com menos endividamento, mas com endividamento melhor. Para Tingas, endividamento melhor é o consignado e o imobiliário, que fidelizam os clientes e que têm taxas menores de juros. Além disso, ele lembra que as reestruturações de dívidas estão ajudando a reduzir os atrasos acumulados, melhorando os passivos das instituições financeiras.

“Os tomadores estão mais conscientes. Os associados estão até espantados com a melhora no entendimento das modalidades de crédito por parte dos tomadores. Houve uma ‘desalavancagem’ do crédito ao consumo. As famílias estão em fase de ajuste orçamentário e saneamento financeiro”, diz. Esse saneamento, acrescenta Tingas, inclui refinanciamento de créditos atrasados, muitas vezes por meio de troca de dívidas caras, como cheque especial, por crédito pessoal consignado, que aumentou 21,3% em 12 meses, perante alta de apenas 7% nos financiamentos de carros, de 5% no cheque especial e queda de 0,4% no crédito pessoal não-consignado.

Dados divulgados ontem pela Serasa confirmam o movimento de “desalavancagem”: os consumidores reduziram a procura por crédito em 3,2% no primeiro trimestre deste ano; em março, a demanda foi 7,5% inferior à registrada no mesmo mês de 2013. Segundo a Serasa, a culpa é da alta das taxas de juros e do menor grau de confiança dos consumidores.
Segundo a Cetip, que opera o Sistema Nacional de Gravames (SNG), as concessões de crédito de veículos somaram R$ 11,8 bilhões em março, queda de 17% em comparação a março de 2013 e de 8,5% em relação a fevereiro.

Para este ano e o próximo, as perspectivas da Acrefi apontam para uma gradual recuperação do crédito de consumo. Para Ferreira, em 2014, o crédito ao consumo deve crescer mais ou crescer menos de acordo com o resultado da Copa do Mundo: “Nossa estimativa média é de 10%, mas pode crescer 7% se o Brasil perder e 13% se o Brasil ganhar. De bom humor, todo mundo consome mais”, diz.

Segundo a entidade, “um ciclo de expansão maior depende de uma economia mais robusta, mais produtiva e com presença forte de investimentos”. Ferreira lembra, ainda, que espera o aperfeiçoamento de legislação, que permitam a criação de novos produtos de crédito ao consumo, com garantias e prazos mais adequados.

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