São Paulo - Nos próximos 180 dias, cerca de 60 empresas não-financeiras que atuam no setor de pagamentos eletrônicos, sozinhas ou em associação com outras, devem pedir autorização ao Banco Central (BC) para continuar funcionando. Dessas, meia dúzia são emissoras de vale-alimentação. Além das que já atuam no negócio, outras interessadas em entrar, entre elas algumas estrangeiras, também terão que ir para a fila de pedidos.
A estimativa é de quem está acompanhando de perto as movimentações desde que as novas regras do BC para o setor foram publicadas, em novembro - e republicadas em 24 de abril. “O número era para ser maior. Antes da republicação, que tornou algumas regras mais flexíveis - ampliando o volume de faturamento das instituições obrigadas a pedir a autorização, que passou de R$ 20 milhões para R$ 500 milhões, por exemplo — o mercado estimava que entre 200 e 300 empresas precisariam pedir a autorização”, afirma Bruno Balduccini, advogado do escritório Pinheiro Neto.
A SunUp é uma dessas instituições. Igor Marchesini, diretor da filial brasileira da startup, lembra que a matriz, na Alemanha, já passou por isso e hoje é certificada como instituição de pagamento pelo Financial Council Authority do Reino Unido, válida para operação em toda União Europeia. Ela também é certificada na Europa pela Europay, MasterCard e Visa (EMV). “Já trabalhamos em conformidade com regras antilavagem de dinheiro, seguindo políticas de governança. Nossos custos são mais altos do que os da concorrência. Agora, como todos terão que cumprir as mesmas regras, ficará mais simétrico”, diz.
A SunUp é especializada em ponto de venda móvel - fabrica e distribui dispositivos para acoplar em smartphones e tablets. A empresa começou a operar aqui em novembro e hoje, com 22 mil clientes (entre pessoas físicas e pequenas empresas)— e tem um “arranjo de pagamento” com a Cielo, que é a responsável pela captura das transações com seu dispositivo. Aqui,a SumUp por enquanto aceita apenas cartões de crédito. Mas Marchesini adiantou que no segundo semestre entrar com a função débito — e anunciar parcerias para distribuição com grandes empresas e bancos.
As regras começaram a valer nesta semana - o prazo de 180 dias começou a ser contado na segunda-feira. Para obter a autorização, a empresa precisa seguir determinadas regras de governança e segurança introduzidas pela nova legislação (resoluções 4.282 e 4.283, e circulares 3.680, 3.681, 3.682 e 3.683, de novembro; e resoluções 3.074 e 3.075, de abril).
Tatiana Mello Guazzelli, colega de Balduccini no Pinheiro Neto, lembra que apesar da flexibilização, as empresas precisam entender que mesmo que seu faturamento individual seja menor do que o novo limite, se elas fazem parte de algum arranjo de pagamento com uma grande empresa com faturamento maior,como uma “bandeira” (Visa ou Mastercard) também terá que se enquadrar nas novas regras. E, progressivamente até 2019, todas as que faturam até R$ 50 milhões precisarão de autorização. Apenas as instituições financeiras estão livres - afinal, já estão debaixo do guarda-chuva da fiscalização do BC. Também cartões de loja, conhecidos como “private label” e “gift cards” — ou seja, os usados apenas no próprio estabelecimento - também estão fora pois, no entendimento do BC, não representam risco sistêmico.
“O BC tem sido muito aberto ao diálogo com o mercado. Esse mundo dos emissores não-financeiros de cartões e moedas eletrônicas era desconhecido da autoridade”, diz Plínio Shiguematsu, advogado do escritório Felsberg & Associados. Os três advogados informam que tem recebido muitas consultas por parte dessas empresas mas Shiguematsu admite que o movimento diminuiu depois da flexibilização das regras, em abril. Segundo Balduccini, porém, a maioria que ganhou mais tempo agora vai acabar precisando da autorização até 2019: “O que aconteceu é que a demanda ficará mais bem-distribuída no tempo”, diz.
De acordo com a nova legislação do BC, “arranjos de pagamento” são associações criadas por uma ou mais “instituições de pagamento” para oferecer meios eletrônicos, regidas por determinado conjunto de regras. As “instituições de pagamento” podem ser de três tipos. Um deles são os emissores de instrumentos pré-pagos, como vauchers alimentação, bilhete único, e outras moedas eletrônicas carregáveis - podem ser bancos ou empresas não financeiras, como a PagSeguro, do site UOL, e operadoras de telefonia celular. O segundo tipo são emissores de pós-pagos, como cartões de crédito clássicos, emitidos por instituições financeiras ou lojas. Credenciadores, como a Cielo e a Rede - empresas que processam as transações, seja via internet ou maquininhas físicas — também são enquadradas na categoria.
Os “instituidores de pagamento”, por sua vez, são os responsáveis pelos arranjos de pagamento. Exemplo clássico são as "bandeiras" Visa e Mastercard.
Para Igor Marchesini, o novo marco regulatório veio facilitar e dar mais segurança aos investimentos no setor. “O Brasil sempre foi um mercado interessante, pelo tamanho e quantidade de PMEs - e pelo ‘mundo do parcelado’ e da antecipação de recebíveis, forma de financiamento viável apenas com cartões”, diz.
O executivo concorda com os advogados e diz que “o BC do Brasil deu uma aula de como fazer regulamentação nesse setor começou com regulação de alto nível definindo grandes metas, depois foi fazendo camadas de regulação”.
Marchesini está bastante otimista com as perspectivas do negócio aqui. “O potencial de mercado é alto, mas não quero crescer de qualquer jeito”, diz, informando que no momento está sem disponibilidade do dispositivo.
O executivo, contudo, é cético em relação a operações de “mobile payment” clássico depois dos smartphones e das novas regras do BC que exigem a “interoperabilidade” — ou seja, um moedeiro virtual de uma operadora precisa “conversar” com o de outra. A parceria da Mastercard com a Vivo na Zuum, por exemplo, já está sendo revista e ampliada — em breve, deve oferecer conexão também com a TIM. Por essas razões, Marchesini acha que as operadoras serão só “provedoras do tubo da conexão de dados”. A SumUp tem parcerias de distribuição com operadoras na Europa. “A tendência não é passar por sistema proprietário das operadoras, como aconteceu na África”, diz. Elas vão entrar no jogo por meio da oferta do acesso ao cliente, e ao “embarcar” alguma plataforma de pagamento com algum parceiro, acredita.