Por monica.lima

Só vai voltar ao assunto daqui a 12 ou 18 meses. As outras duas grandes agências classificadoras, a americana Moody's e a inglesa Fitch, não têm a mesma ânsia em ganhar os holofotes. A sinalização já dada por elas é de que não irão se manifestar objetivamente, por meio de revisões de notas, neste ano eleitoral. O país não tem mais, pelo menos até o fim do ano, problemas com agências de rating. Essa constatação esteve na raiz das quedas sofridas ontem pelo dólar e pelos juros futuros.

O dólar fechou em queda de 0,70%, a quarta em sequência, a R$ 2,3062, menor preço desde 26 de novembro. Durante o pregão, a moeda testou seriamente o piso de R$ 2,30. Foi cotada, na mínima, a R$ 2,2989. No mercado futuro de juros da BM&F, a baixa foi generalizada. Já ajustado à expectativa de elevação da Selic de 10,75% para 11% na reunião do Copom da semana que vem, o contrato para a virada do ano recuou ligeiramente de 11,16% para 11,15%. O contrato com vencimento em janeiro de 2017, o que poderia refletir algum desconforto global com o rebaixamento do rating brasileiro, pois é nele que se abrigam os investidores estrangeiros, caiu com mais força. Baixou de 12,63% para 12,52%.

Antes de o Federal Reserve anunciar em dezembro o início dos cortes no seu programa de compra de ativos, imaginava-se no mercado que o fato iria coincidir com o rebaixamento da nota de risco soberano de crédito do Brasil. Conjugados, os dois eventos, previstos para o primeiro trimestre deste ano, provocariam estragos devastadores na economia brasileira, dignos dos causados por uma "tempestade perfeita". O "tapering" começou e nada aconteceu. A S&P rebaixou o Brasil e nada aconteceu.

Seria injusto atribuir a reação do câmbio e do juro a uma falta de credibilidade da S&P. As quedas foram movidas por uma sensação de alívio. Quando um evento supostamente traumático, aguardado longamente, se mostra na verdade anódino, o sentimento é de comemoração. Ufa, um problema a menos. Foi isso o que aconteceu ontem.

Para o que serve então a S&P? Também não é completamente verdadeira a alegação de que os mercados já tinham "precificado" a decisão, por isso a ausência de preocupações. O que estava no preço era a realidade já vista por todo o mercado. Ser surpreendido por um rebaixamento implica o elogio de que uma agência, em se tratando de risco soberano, detém informações secretas e privilegiadas sobre o andamento da economia de um país e a sua capacidade em honrar compromissos futuros. Não, os dados que dispõem são os mesmos abertos a todos os participantes do mercado.

Sua capacidade de análise da realidade e de traçar cenários futuros não é maior que a dos economistas do mercado. E, em suas reuniões com dirigentes, nenhum dado confidencial é fornecido. Muito provavelmente, em sua reunião com a S&P, o ministro Guido Mantega disse muito menos do que costuma dizer em seus frequentes encontros com banqueiros e empresários. O fato é que uma agência de rating, quando analisa um país, está sempre a reboque do mercado.

Qual o efeito prático da decisão da S&P? Como manteve o grau de investimento, e com "outlook" estável, um fundo de pensão americano que precisa estatutariamente do aval das três agências para fazer aportes em mercados emergentes se sentirá livre para continuar aplicando no Brasil e ganhando o maior juro real do mundo. Os investidores de médio prazo que dispensam a chancela do rating persistirão investindo do mesmo jeito. Os especuladores de curto prazo consideram os informes das agências relatos de uma era pré-histórica.

Tudo o que precisam está piscando instantaneamente em suas telas. Uma multinacional que quer investir produtivamente no Brasil ou comprar uma empresa brasileira considera os relatórios superficiais demais. Está cercada de estudos especializados, pareceres caríssimos de consultorias independentes e faz "due diligence" exaustiva dos vários aspectos envolvidos no negócio e das condições brasileiras de prazos longuíssimos.

Não é esse rebaixamento de rating que poderá encarecer os custos de novas captações externas do Tesouro ou de empresas estatais. O principal definidor do custo é o nível global de liquidez, ditado pela política monetária americana. É ele quem estabelece os termos da disputa pelos títulos emergentes. O segundo é a rentabilidade histórica e as condições de negociabilidade secundária. Só em terceiro lugar vem a possibilidade de calote. É aí que entra a agência de rating. A visão do default é remotíssima, dada a notória resistência brasileira a choques externos. Só na hipótese de um governo genuinamente de esquerda.

As condições gerais de abundante liquidez e reduzida aversão a risco dos mercados globais impediram ontem que o câmbio e os juros começassem a precificar uma suposta e temida consequência do desfecho do caso S&P: a percepção de que, como o xerife saiu da cidade e só volta no ano que vem, tudo agora é permitido na área fiscal. O mercado receia que, sem a pressão de curto prazo da ameaça da tempestade perfeita, o governo possa relaxar no cumprimento de sua meta de superávit fiscal. Ou, pior que isso, possa cumpri-la de novo por meios de artificialismos contábeis. Mas ontem não havia clima externo para a precificação desse temor.

Nos EUA, como consequência de uma batelada de indicadores sem direção única, os juros de longo prazo quase não saíram do lugar. A taxa do T-Note de 10 anos subiu de 2,73% para 2,74%. Enquanto a confiança do consumidor, medida pelo Instituto Conference Board, subiu de 78,3 em fevereiro para 82,3 em março, a atividade industrial calculada pelo Fed de Richmond cedeu de -6 no mês passado para -7 agora. E o setor imobiliário ainda patina. As vendas de imóveis novos caíram 3,3% e o índice de preço das residências subiu 13,2% em janeiro frente ao mesmo mês de 2013, alta menor que a relativa a dezembro, de 13,4%. São dados que não inspiram receio quanto à uma antecipação do aperto monetário americano. Sinal verde para a continuidade do ingresso de dólares de portfólio no Brasil.

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