Nada faz para evitar a queda ladeira abaixo do dólar. A moeda cedeu ontem 0,77%, vendida a R$ 2,2030. Na mínima, foi cotada a R$ 2,1937. Apenas nos três últimos pregões, o dólar desvalorizou-se 3,48%. O BC costuma agir quando a taxa de câmbio, por ser um dos preços fundamentais da economia, sofre distorções decorrentes de rearranjos globais de portfólios especulativos. Precisa moderar os efeitos das migrações vertiginosas de capitais apátridas porque, com a mesma velocidade que entram num país, saem dele deixando para trás arrasada a terra que antes era percebida como um paraíso.
Desde sexta-feira intensificou-se as correntes de capitais vindas das maiores praças financeiras em direção a países emergentes que recepcionam os invasores com colares de vistosos juros reais. O hospedeiro só precisa de dois atributos: alta remuneração e condições mínimas macroeconômicas que impossibilitem calotes no curto prazo (até o fim do ano). Os demais fundamentos, mesmo os que mostram a insustentabilidade a longo prazo de uma economia emergente, são relegados a segundo plano.
A febre compradora de moedas, títulos e ações de países emergentes resulta da percepção de que as economias da parte desenvolvida do mundo (EUA, Europa, Japão) e da mais recente locomotiva global, a China, piscam no amarelo, recomendando prudência. A cada novo mês os investidores olham para os EUA e esfregam as mãos: “Agora vai”. O inverno acabou, a montanha de neve que bloqueava a decolagem foi removida, e a economia continua perto do chão. E os investidores se conformam: “Ainda não é a hora”.
Na Europa, o pior não aconteceu — a ruptura do euro —, mas o BCE está chegando à conclusão de que sem girar a maquininha de imprimir euros a economia não vai pegar. Do Japão não se espera mesmo grande coisa. Está há mais de uma década tentando desatolar a economia, com sucessivos e espantosos fiascos. A China luta para crescer algo acima de 7%, o que, para os padrões brasileiros, equivaleria a uma recessão.
Diante desse cenário, não há a menor possibilidade de alguém do Norte do mundo aumentar a taxa de juros. E o país da parte de baixo do globo que exibe melhores fundamentos, sólida democracia, completa distensão geopolítica e ainda paga juro real acima de 5% é o Brasil.
A tentação do BC de não fazer nada contra os efeitos da alegre excursão dos dólares bárbaros é imensa porque a política monetária se mostra inepta contra a inflação. Quando o Copom iniciou o atual ciclo de alta da Selic — no dia 17 de abril de 2013, elevando a taxa de 7,25% para 7,50% — o boletim Focus (do dia 19 de abril) previa IPCA acumulado em 2014 de 5,71%.
Quase um ano e 3,75 pontos de aperto monetário depois, o Focus projeta 6,35% para o IPCA deste ano. Pode-se argumentar que o salto da Selic de 7,25% para 11% pelo menos evitou uma inflação de 7% ou 8%. Ninguém saberá ao certo. Mas é fato que o instrumento essencial da política monetária — o juro básico — não está funcionando a contento.
Há infindáveis discussões, algumas muito sérias e elevadas, outras politicamente levianas, a respeito dos motivos do fracasso retumbante da política monetária. As explicações mais aceitas vão desde a existência de crônicos obstrutores dos vasos por onde ela comunica seus efeitos à economia real, passando pela sabotagem interna promovida pela política fiscal e chegando ao esgotamento do mercado de trabalho. Por causa de tantas lombadas no caminho, quando desce no seu destino a política monetária chega tarde e esfalfada.
Já o câmbio é bem mais rápido e eficiente. As fórmulas construídas no mercado para identificar o repasse da variação cambial aos preços não mudam substancialmente. O BC tem uma bem simples, conforme confidenciou Alexandre Tombini em entrevista concedida em julho do ano passado: a cada 20% de variação cambial, a inflação sofre um impacto de um ponto percentual. Se o dólar cair este ano 10%, fechará 2014 cotado a R$ 2,12. Não falta muito para chegar lá, pois do início do ano até ontem a desvalorização já foi de 6,55%. O impacto da baixa de 10% será de 0,5 ponto no IPCA. Ao invés da taxa de 6,35% prevista pelo Focus, tudo mais constante, o IPCA recua a 5,85%. Esse é o canto da sereia que o BC está ouvindo agora.
Desde o início da derrocada do dólar o BC não alterou sua sistemática de intervenção cambial. Nem reduziu a oferta diária de novos swaps cambiais no valor de US$ 200 milhões, nem induziu nos investidores a expectativa de que a maior parte dos contratos que vencerão em maio deixará de ser renovada. Perseverou ontem na toada de rolagem dos US$ 8,73 bilhões que vencem no dia 2, o ritmo já consagrado de 10 mil contratos por dia.
Analistas começam a suspeitar que a inação do BC pode ter um forte motivo oculto: o superávit da balança cambial não seria tão bom quanto faz crer a desvalorização à vista do dólar. Este cai mais em função da expectativa de ingressos futuros do que de propriamente fluxo presente. Com a divulgação hoje dos dados relativos ao fluxo realizado na semana passada podem ser melhor esclarecidas as justificativas da autoridade.
Se o parâmetro for o mercado de títulos do Tesouro, a inferência de que o dólar efetivamente tomba por causa de fluxo é irrefutável. A procura por papéis federais favoritos dos investidores estrangeiros aumentou a ponto de derrubar as taxas longas, contaminando os contratos de DI futuro. A taxa que mais reflete a movimentação externa, a do contrato com vencimento em janeiro de 2017, caiu ontem de 12,30% para 12,17%. No pico recente, no dia 20 de março, bateu em 12,83%.