Refere-se, portanto, a um evento que já aconteceu. Quando os oito votantes decidiram no dia 2 subir a Selic para 11% e alterar o comunicado de forma a deixar implícita, mas não taxativa, a vontade de encerrar em maio o ciclo de altas não sabiam que o IPCA de março viria acima da pior expectativa do mercado.
O índice saltou 0,92%, quando o analista mais pessimista esperava 0,89%. Na média, o mercado projetava 0,84%. E agora? O redator da ata vai ter de dar um jeito de introduzir um adendo capaz de neutralizar a primeira impressão dos economistas sobre as intenções do comitê. O Copom terá de continuar subindo o juro básico. E, de quebra, precisa afastar o desconforto resultante da evidência de ter sido equivocada a decisão tomada em fevereiro de reduzir de 0,50 para 0,25 ponto o ritmo de elevação.
Inegavelmente, o IPCA de março sofreu fortíssima pressão dos alimentos. O item subiu 1,92%, sendo responsável por 0,47 ponto percentual do índice geral. E a perspectiva é de que, daqui para a frente, os alimentos percam força. Mas acontece que houve uma piora geral do indicador. Pelos cálculos do Bradesco, a média de todos os núcleos acelerou no acumulado de 12 meses de 6,08% em fevereiro para 6,37% em março. E o índice de difusão subiu de 64,34% no IPCA de fevereiro para 66,85% no IPCA-15 de março e agora para 71,05%.
Os preços dos serviços avançaram de 8,18% em fevereiro para 9,08% em março. E os preços livres, aqueles que são os mais afetados (para não dizer os únicos afetados) pela paulada de 3,75 pontos da Selic? Aceleraram de 6,30% em fevereiro para 7% em março.
Diante desses números, um economista de instituição que tivesse se mantido recluso num mosteiro nos últimos doze meses, sem acesso a internet, reagiria com indignação: “Mas esse BC precisa aplicar um choque de juros o mais rápido possível”. Talvez sua decisão fosse retornar ao claustro se em seguida fosse informado que, durante o seu retiro, o Copom puxou a Selic de 7,25% para 11%.
O Copom terá de retomar a via monetária porque a linha auxiliar do câmbio não se mostra confiável. Dados divulgados ontem pelo BC não combinam com a onda recente de apreciação cambial. Na primeira semana de abril, até o dia 4, o fluxo cambial foi negativo em US$ 1,899 bilhão, sobretudo porque, pela conta financeira, houve uma saída líquida de US$ 1,786 bilhão.
Desde o rebaixamento da nota de crédito soberano do Brasil pela Standard and Poor’s, feito no dia 24, o fluxo financeiro não se recuperou mais. Antes da decisão havia um superávit no acumulado do mês de US$ 5,47 bilhões. Depois, na semana posterior, o sinal foi trocado, e o fluxo exibiu um déficit de US$ 2,738 bilhões. E, na semana seguinte, justamente essa primeira do mês de abril, novo déficit, agora de US$ 1,9 bilhão. Ou seja, depois do rebaixamento um avião com US$ 4,64 bilhões deixou o país.
Há algo muito estranho acontecendo com o dólar. Tome-se o exemplo do que ocorreu na sexta-feira, dia 4. A moeda foi derrubada em 1,7%. Foi um tombo muito mais expressivo do que as baixas verificadas em relação a outras moedas emergentes decorrentes da frustração com o “payroll” americano. Com o dólar já cambaleando, os rumores de que a candidatura de Dilma Rousseff fraquejaria na pesquisa que seria divulgada no dia seguinte pelo Datafolha ajudaram a empurrá-lo ladeira abaixo. Mas foi uma queda no grito, porque, soube-se ontem, o fluxo cambial do dia foi pesadamente negativo, de US$ 831 milhões. As saídas financeiras foram de US$ 433 milhões.
A conclusão é que, se há capitais de fora agindo para derrubar o dólar, são da pior espécie possível. São os dólares virtuais, não físicos, das operações Non-Deliverable Forward (NDFs). São armações financeiras fechadas nos mercados de balcão internacionais que, para serem deslanchadas, não precisam envolver a posse física total do objeto em negociação nem implicar em trânsito cambial. Não dá para fazer política de desinflação baseado nisso.
O dólar pode ter entrado na espiral de queda por causa da expectativa de que em algum momento o volume que vem sendo captado externamente pelas empresas brasileiras pudesse entrar no país. Os dados de fluxo do acumulado de março até a primeira semana de abril revelam que esse ingresso foi mínimo. Em março, a balança cambial foi superavitária em US$ 2,304 bilhões, saldo que cai para US$ 404 bilhões depois de contabilizado o déficit de US$ 1,9 bilhão da primeira semana de abril. No entanto, a captação brasileira feita externamente em março foi de US$ 12 bilhões. Quando esses dólares chegarão? Ou vão ficar lá fora mesmo?
Na dúvida, o mercado de câmbio resolveu ontem reavaliar o excesso de otimismo. Se os investidores olharem friamente para o fluxo do período de 2 de janeiro a 4 de abril — um saldo positivo de apenas US$ 159 milhões — e para o fato de que as captações nem cobrem as posições “vendidas” à vista dos bancos, de US$ 18,15 bilhões, constatarão que o otimismo pode ter sido infundado.
Durante a manhã, o dólar chegou a interromper o movimento de queda e operou em alta de 0,76%, cotado a R$ 2,2198. Mas depois da divulgação da ata do último encontro do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), a onda pró-real retornou, embora sem o vigor de antes. E o dólar fechou em baixa de 0,25%, a R$ 2,1975.
A última vez que a moeda encerrou o dia abaixo de R$ 2,20 foi no pregão de 30 de outubro. Foi a quarta queda em sequência, acumulando no período desvalorização de 3,72%. O documento do Fed consolidou o entendimento de que a taxa básica americana só subirá muito tempo depois de o programa de compra de ativos ter sido encerrado. Não vale mais o prazo de seis meses sugerido por Janet Yellen em entrevista.
Detentor em primeira mão dos números sobre o entra e sai de dólares da economia brasileira, o BC não se deixou contaminar pelos exageros do mercado. Manteve firme sua política de abundante oferta de hedge cambial por meio da venda primária de swaps cambiais e rolagem dos que irão vencer em maio. Pode ter detectado o ardil destinado a derrubar o dólar à vista para induzi-lo a cortar o hedge futuro, magnificando o rebote da cotação.
Sem fluxo concreto, não há sustentação no declínio do dólar. O BC vai ter de se fiar mesmo em sua política monetária. O raciocínio empurrou toda a curva de juros para cima. A taxa para a virada do ano avançou de 11,06% para 11,10%. E o contrato para janeiro de 2017 subiu de 12,17% para 12,25%.