Depois da desaceleração registrada pelo IPCA em abril (de 0,92% para 0,67%), as cem instituições pesquisadas pelo Banco Central para a confecção do boletim Focus reduziram de 6,50% para 6,39% a projeção mediana do índice acumulado em 2014. É óbvio que, coerente com essa revisão, também baixaram sua expectativa para a Selic? Que nada. Ela permaneceu em 11,25%. O mercado acredita que o Copom do dia 28 irá suspender o ciclo de alta da taxa nos 11% atuais. Mas será uma interrupção temporária. No fim do ano, voltará a subir o juro para 11,25%. Mesmo errando no curto prazo, quando teoricamente é mais fácil acertar previsões de inflação, as instituições mantêm-se céticas acerca do sucesso de longo prazo da política monetária.
Por que o BC sobe a Selic? Só há um objetivo confesso, o de desinflacionar a economia. O seu subproduto — atrair capital estrangeiro especulativo e derrubar o dólar, com efeitos desinflacionários frequentemente até mais importantes do que os oriundos diretamente do aperto monetário — jamais é admitido publicamente. Se é assim, e se inflação está em queda — o Focus projeta uma escadinha de baixa para o IPCA: depois de 0,92% em março e 0,67% em abril, o índice recuaria para 0,47% em maio e 0,34% em junho — por que o BC deveria continuar subindo o juro? Essa correlação simples não entra na cabeça do mercado, pelo simples fato de que acredita que as coisas irão piorar no futuro. Pessimismo profissional ou má vontade com um governo visto ainda, apesar do vigoroso arrocho monetário dos últimos 12 meses, como antimercado?
As instituições não se convencem mesmo ciente de que tudo o que o BC prometeu está sendo entregue. O prognóstico de IPCA acumulado este ano das cinco instituições do Focus que mais acertam palpites tombou, na edição veiculada ontem, de 6,62% para 6,24%, já muito próximo da previsão de 6,1% formulada pelo próprio BC em seu último Relatório Trimestral de Inflação. E, nesta previsão, não se levava em conta ainda a Selic de 11% e a queda sofrida pelo dólar de março para cá. Mesmo assim, o Focus acredita que o Copom irá elevar a Selic para 11,25% no fim do ano e para 12,25% ao longo de 2015, apesar de esperar, para o ano que vem, um recuo do IPCA para a faixa de 6%.
O pregão de juros futuros da BM&F acredita estar sempre à frente do Focus. Ele consigna antecipadamente o que o Focus vai ratificar no futuro. Nem sempre é assim porque o DI absorve, conforme o jogo de comprados e vendidos, influências contraditórias que vão além dos limites da política monetária. Depois de um rali de baixa nas últimas semanas, os juros subiram levemente ontem, ignorando o Focus, para acompanhar movimentos externos. A taxa para a virada do ano avançou de 10,97% para 11%. E o contrato com vencimento em janeiro de 2017 passou de 12,11% para 12,16%.
Os seus dois segmentos de referência — o mercado secundário de títulos do Tesouro americano e o câmbio internacional — agiram ontem para puxar os juros domésticos para cima. Mas as influências não foram pesadas. A valorização global do dólar e a alta das treasuries foram pequenas. Na expectativa de divulgação esta semana de indicadores positivos sobre o estágio de recuperação da economia americana, o rendimento da T-Note de 10 anos avançou de 2,62% para 2,66%. Os juros longos americanos estão contidos numa camisa-de-força técnica: o mercado não acredita que a inflação dos EUA, mesmo atingindo em 2015 a meta de 2% do Federal Reserve (Fed), irá requerer a prática de um juro real superior a 1% para manter-se no alvo. Ou seja, o trabalho monetário que será solicitado ao Fed muito tempo depois de ter encerrado o seu programa de afrouxamento quantitativo não será nem um pouco estafante.
A alta do dólar não deveria, por isso, fazer preço no DI futuro. Tanto as previsões de IPCA do Focus quanto as taxas do DI já embutem a expectativa de que a moeda americana deverá estar cotada a R$ 2,45 no fim do ano. O prognóstico cambial do Focus não muda há cinco semanas. Ou seja, tanto as considerações inflacionárias das cem instituições quanto as taxas futuras embutem a certeza de que o dólar irá subir 10,4% daqui até dezembro. E se o mercado também estiver equivocado a respeito disso?
O preço do dólar depende hoje muito mais das mudanças que o BC está fazendo agora — e das que fará a partir de 30 de junho, quando acaba formalmente o atual programa de fornecimento de hedge — em seus mecanismos de intervenção no mercado do que das reviravoltas de humor dos investidores internacionais. Se não fosse pela decisão tomada por ele há pouco mais de uma semana, de retirar este mês hedge cambial equivalente a US$ 4,65 bilhões, o dólar já estaria cotado abaixo de R$ 2,20. Fechou ontem a R$ 2,2156, com variação positiva registrada apenas na quarta casa depois da vírgula em relação aos R$ 2,2154 de sexta-feira.
E se o BC sentir que, apesar da restrição na oferta de proteção, a moeda vier de novo a ameaçar o piso de R$ 2,20 poderá diminuir ainda mais nominalmente o volume a ser rolado no mês que vem, já visando o vencimento dos US$ 10,06 bilhões que serão resgatados no dia 1° de julho. Esse vencimento acontecerá após o prazo de vigência do atual sistema de intervenção, que consiste no leilão semanal de US$ 1 bilhão em swaps novos e na colocação esporádica e eventual, de acordo com a necessidade, de linhas de crédito em dólar com compromisso de recompra. Mesmo que a situação permaneça tranquila nos mercados globais, a tendência é de o BC não correr risco e prolongar o programa de intervenção para evitar contratempos derivados de turbulências eleitorais.