Por bruno.dutra

Diante dos fatos, trata-se de acontecimento natural e autoevidente. Não é por certo com uma Selic de 11% que o Banco Central conseguirá trazer a inflação para os 4,5% do centro da meta de inflação, mas a política monetária foi esticada ao seu limite. Não depende mais dela. Dada a debilidade da economia, o IPCA deve fechar o ano abaixo do teto de 6,5%. Está mais do que bom para um fim de mandato. Altas adicionais do juro básico depois das eleições só agravariam o quadro de desaceleração econômica, além de aumentar o gasto com o pagamento dos juros da dívida.

O arrocho monetário amplia o déficit nominal das contas públicas, exigindo mais malabarismos fiscais para a obtenção de um superávit primário capaz de estabilizar o endividamento bruto. E, de resto, para fins de reconquista da “simpatia” da finança global, o Brasil não precisa mais subir a Selic, pois já paga o maior juro real do mundo. Se for prioritário ao governo conduzir o IPCA aos 4,5%, terá de tentar outros caminhos, que imponham sacrifícios menores.

Mas o comunicado da reunião de ontem do Copom não encerra de forma cabal o ciclo iniciado em abril. A nota — “avaliando a evolução do cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, neste momento, manter a taxa Selic em 11,00% a.a., sem viés” —, até mais lacônica que a habitual, transmite a impressão de que o movimento ascendente pode ser retomado mais para o final do ano. O “neste momento” passa de novo a sensação de o Comitê está “dependente” dos indicadores da hora. Com isso, difunde não ter certeza do que vai acontecer com a economia. Isso é péssimo para quem tem a missão de coordenar expectativas.

O juro longo, negociado na BM&F para o início de 2017, não esperou o resultado do Copom para cair ontem de 11,89% para 11,78%. Cedeu não só para manter a similitude com o movimento das taxas de longo prazo americanas. Mas também porque o IBGE divulgou uma deflação de 0,38% para o seu Índice de Preços ao Produtor (IPP) de abril, piorando a baixa de 0,21% já constatada em março. Trata-se de um índice atacadista industrial. Mede variação de preços na porta da fábrica, expurgados de impostos e fretes. O DI longo também não pôde ficar imune à retração de 5,1% sofrida pela confiança do setor industrial em abril, segundo a FGV.

Na véspera, a confiança do comércio já havia registrado retrocesso de 4,4% no trimestre encerrado em maio. Na mesma terça-feira, verificou-se, para idêntico trimestre, desabamento de 8,7% no índice de confiança do setor de construção. Diante desses informes, fosse o Brasil um outro país, o Copom teria iniciado ontem um ciclo de queda da taxa básica.

O dólar fechou ontem em queda de 0,23%, cotado a R$ 2,2355. O mercado de câmbio não tem força para transformar o déficit de US$ 1,48 bilhão registrado pelo fluxo cambial no acumulado de maio até o dia 23 em movimento efetivo de alta do dólar. Está saindo mais dólar do que entrando este mês, mas quem precisa da moeda pode comprá-la a um preço razoável, desprovido de ingredientes especulativos. No mês até ontem a valorização do dólar foi de 0,25%. Quem comprou dólar ao invés de aplicar na Selic está perdendo um bom dinheiro, já que no mesmo período a taxa básica rendeu 0,76%. A razão, como sempre, vem de fora: a dormência do maior pregão do mundo, o secundário de títulos do Tesouro americano. Os rendimentos da T-Note de 10 anos chegaram a cair ontem para até 2,44%, o menor degrau em quase um ano, ante 2,52% no fechamento da véspera.

Quando mais baixo o juro longo americano, mais atrativa fica a arbitragem com as taxas brasileiras, justamente as que pagam o maior ganho real do mundo e, ainda por cima, livre da ameaça de calote. Embora os mais recentes indicadores sobre o estado da economia americana não tenham decepcionado, o sentimento geral é de que falta alguma coisa. O motor anda engasgado, sem um som puro e confiável. O presidente da regional de Atlanta do Federal Reserve, Dennis Lockhart, pediu que o mercado fosse devagar com o andor do juro pois a recuperação da economia ainda passa a sensação de ser moldada em barro. Vê como precipitada uma alta da taxa básica de juros apenas seis meses depois de encerrado, possivelmente em outubro, o programa de afrouxamento quantitativo.

Tal defasagem de um semestre seria, na sua visão, o tempo mínimo para se começar a “pensar” no descongelamento do juro, já que há muito a ser debatido relativamente aos mecanismos que serão utilizados na normalização da política monetária. Cautela pouca é bobagem para um país que há cinco anos e meio esteve à beira do precipício da depressão.

O câmbio está sossegado porque o torpor das treasuries dissuade apostas especulativas radicais nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Frequentemente, é do mercado futuro que procedem as maiores pressões de alta sobre o preço à vista do dólar. Em épocas de corridas contra ativos de emergentes, mesmo que o fluxo permaneça positivo por causa das operações comerciais o dólar sobe à vista devido às armações futuras.

Não há hoje nem vestígio disso. A dois dias do encerramento de maio e, portanto, do vencimento dos contratos futuros, os participantes que têm potencial para desencadear movimentos desestabilizadores — os fundos estrangeiros — permanecem quietos, apenas recorrendo aos pregões para costurar operações de hedge.

Na posição referente à terça-feira, a última publicada no site da BM&F, carregavam uma posição “comprada” (aposta de alta do dólar) bem inofensiva em relação aos “vendidos”. O capital externo mantinha contratos líquidos de US$ 26,82 bilhões em cupom cambial e dólar futuro, enquanto na ponta oposta os bancos nacionais e os fundos de investimentos domésticos carregavam posicionamento líquido “vendido” de US$ 29,55 bilhões. Ou seja, há um cacife de US$ 2,73 bilhões a favor do real contra o dólar.

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