Por douglas.nunes

O mercado de câmbio reagiu nesta segunda-feira de forma exagerada a alguns fatores que, se de fato exerciam pressão de alta sobre o dólar, não eram para tanto. A moeda fechou cotada a R$ 2,2755, em valorização de 1,55%. Está certo que os juros americanos para 10 anos subiram de 2,48% na sexta-feira para 2,53%. E que o Banco Central vai este mês ampliar um pouco mais a retirada de hedge cambial. Mesmo assim, o comportamento foi desproporcional aos fatos geradores, denunciando especulação na largada de junho dos contratos futuros de câmbio. Os juros futuros subiram na BM&F apenas para tecnicamente acompanhar o avanço do dólar, mas sem nenhuma convicção, já que os analistas se mostram muito assustados com a fraqueza da economia.

As razões para a arrancada da moeda americana foram frágeis. A primeira, o esticão das treasuries, foi controversa. Derivou menos do resultado de um indicador importante, o índice ISM de atividade industrial, do que da trapalhada feita pela instituição que o calcula, o Instituto para Gestão da Oferta. Logo cedo, veiculou a informação de que o indicador havia caído de 54,9 em abril para 53,2 em maio. O mercado levou um susto, pois esperava um avanço. Mas, logo em seguida, o ISM corrigiu o dado para 56. Um erro grosseiro. Resolvida a questão? Nada disso. O instituto veio a público novamente para retificar a revisão. Mudou o indicador para 55,4. Diante da confusão, os investidores resolveram vender títulos do Tesouro americano, provocando a alta das taxas. O dólar foi na onda de uma ascensão resultante de um equívoco. Enquanto isso, não se sabe direito como está realmente a economia americana.

A segunda razão foi um fato já largamente esperado. Sabia-se que o BC iria insistir em sua estratégia de redução da oferta de swaps cambiais destinados a rolar contratos antigos em processo de vencimento. Está fazendo isso há três meses. Em março e abril, levou ao vencimento cerca de 25% do volume de contratos velhos. Em maio, aumentou a fatia para quase 50%. E agora sinaliza que não vai rolar o equivalente a um pouco mais de 53% do lote de US$ 10,06 bilhões que vence no dia 1° de julho. Iniciou ontem a maratona de micros leilões (cinco mil contratos diários) que, se mantida até o fim do mês, irá assegurar a renovação de apenas US$ 4,69 bilhões. Ou seja, serão resgatados US$ 5,37 bilhões, ou 53,4% do total. Não há nessa sinalização nenhuma surpresa.

E a ampliação, apenas modesta, da estratégia de retirada de hedge só se torna possível diante do fato de que o mercado (empresas e investidores estrangeiros) já não precisa mais de proteção cambial como antigamente. Se precisasse, o BC não teria diminuído a oferta. Ou seja, não há fundamento técnico na alta. Se empresas e investidores não demandam os instrumentos oficiais de proteção, não irão buscar os privados e, ainda por cima, pagando custos mais elevados. O BC não está sonegando hedge porque tem um mau coração, ou porque quer puxar o dólar para cima para favorecer a indústria e o setor externo ou porque os swaps cambiais estão dando prejuízo ou comprometendo as reservas internacionais. Nada disso. Ao contrário, os swaps deram lucro de R$ 17 bilhões de fevereiro a abril.

Em maio, houve lucro também, já que a variação da Selic, de 0,87%, superou a alta da taxa de câmbio, de 0,48%. A relação que se faz entre os instrumentos de intervenção cambial e as reservas não passa de curiosidade estatística. O volume perto de US$ 90 bilhões em swaps refere-se a um estoque de operações em reais, e não em dólar, liquidadas pela diferença entre Selic e câmbio mais um juro. Não tem dólar algum na jogada. E o BC sabe que, do ponto de vista da necessidade de correção dos desequilíbrios externos, tanto faz um dólar a R$ 2,20 ou a R$ 2,30. A moeda teria de estar pelo menos acima de R$ 2,50 — idealmente perto de R$ 3,00 — para que houvesse o equilíbrio automático do balanço de pagamentos. O problema são os efeitos colaterais dessa taxa sobre a inflação.

Embora o mercado esteja deslocando da inflação para a atividade os holofotes de suas preocupações prioritárias, o BC não pode autorizar uma valorização da taxa de câmbio sob pena de comprometer o seu plano de manter a Selic congelada em 11% por um longo período. A guinada dada ontem pelo boletim Focus do BC mostra um reposicionamento dos vários itens macroeconômicos dentro da lista de inquietações. O baixo crescimento do PIB assumiu a ponta. Enquanto as projeções de IPCA se estabilizaram — perto de 6,5% este ano e de 6% no próximo — as expectativas para o PIB despencaram. Contrariando a tradicional lerdeza com a qual as instituições pesquisadas pelo Focus procedem a mudanças em suas previsões — lentidão derivada sobretudo do entrechoque de expectativas divergentes —, desta vez a expansão do produto vista este ano tombou de uma só vez (e, portanto, monoliticamente) de 1,63% para 1,5%. Ou seja, estabeleceu-se rapidamente o consenso, a partir da divulgação de uma alta do PIB de apenas 0,2% no primeiro trimestre, de que a coisa está feia.
Note-se que esse 1,5% é a “mediana”: há muita gente boa no mercado já acreditando que a economia não cresce em 2014 nem 1%. Coerente com essa visão, o prognóstico de Selic para o fim do ano caiu de 11,25% para 11%. Ou seja, o BC não mexe mais em juro este ano. Mas se a mediana se encaminhar para o 1%, a coerência com o juro será estabelecida quando o mercado passar a prever uma queda da Selic. O câmbio, para o Focus, não atrapalha: a estimativa para o final de dezembro cedeu de R$ 2,45 para R$ 2,40.

O ingrediente especulativo incorporado à elevação do dólar foi desmascarado pela presteza com que foi relativizada a influência de baixa exercida pela divulgação de um dado positivo sobre a China. O indicador oficial que apura o desempenho industrial subiu de 50,4 em abril para 50,8 em maio, superando as expectativas de um avanço para 50,6. Foi a expansão industrial mais robusta dos últimos cinco meses. “O resultado favorável do índice PMI em maio sugere que as medidas de suporte à economia, adotadas desde meados de março, começam a surtir efeito, interrompendo a desaceleração acumulada nos últimos meses”, comentou o Bradesco em relatório. Mas a notícia, embora tenha ajudado a impulsionar a Bovespa, não afetou o câmbio.

No mercado futuro de juros da BM&F, os deslocamentos foram hesitantes. Enquanto a taxa para a virada do ano cedeu de 10,85% para 10,84%, refletindo a manutenção da Selic, o contrato para janeiro de 2017, espelhando a alta das T-Notes, avançou de 11,59% para 11,70%.

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