Para este BC, em se tratando de política monetária, não vai ter ajuste algum. O Relatório Trimestral de Inflação (RTI) foi uma surpresa completa para os mercados. O RTI é peça escrita pelo Copom, parte essencial dos documentos oficiais que legitimam o sistema de metas de inflação. O divulgado ontem, relativo ao segundo trimestre do ano, sepulta a hesitação transmitida em várias atas do Comitê por meio da expressão “neste momento”. O BC não pisca mais: sinalizou ontem que pretende manter a taxa Selic nos atuais 11% até o fim de 2015. Como ele descartou novas altas mas, ao mesmo tempo, desencorajou apostas de declínio, o pregão de juros futuros da BM&F não se sentiu estimulado a se mexer. E as taxas pouco oscilaram.
O contrato com vencimento em janeiro de 2016, o que tem justamente a ingrata missão de refletir as expectativas para a política monetária do ano que vem, subiu para 11,12%, de 11,09% na véspera. E a taxa longa favorita dos investidores estrangeiros, para janeiro de 2017, avançou de 11,40% para 11,41%.
Se Dilma Rousseff for reeleita em outubro, a Selic não sobe em 2015. Para que a taxa suba, será necessário um outro presidente. Mas poderá cair? O RTI é menos enfático quanto a isso, mas a sugestão é de que cair também não vai. Depois do frenético sobe-e-desce da Selic desde que a atual gestão assumiu o BC, em janeiro de 2011, ela revela indícios de certo cansaço em seu ativismo. Considera o trabalho concluído. Este RTI foi notável não somente pela supressão do “neste momento”.
O Copom precisa estar convencido do acerto do ciclo monetário já empreendido para escrever o seguinte trecho: “O Comitê antecipa cenário que contempla inflação resistente nos próximos trimestres, mas, que, mantidas as condições monetárias, tende a entrar em trajetória de convergência para a meta nos trimestres finais do horizonte de projeção.” O que ele quis dizer com isso? Que no horizonte de projeção (fim de 2015), mantida a Selic em 11%, a inflação convergirá para o centro de 4,5% da meta de inflação.
A frase desmancha diversos cenários catastrofistas traçados por economistas. E certamente irá suscitar acusações de leniência monetária ao BC. Foi por isso que, ao longo do RTI, procurou cercar-se do melhor aparato técnico para sustentar a sua confiança. Embora tenha, no seu cenário de referência, revisto para cima a projeção de inflação para este ano, de 6,1% para 6,4%, diz que a atividade econômica fraca e a baixa confiança de consumidores e empresários trará a inflação para baixo. Na linguagem técnica do RTI, ficou assim: o “hiato do produto tem se deslocado no sentido desinflacionário”. Ou seja, como a economia está crescendo (a alta do PIB, chamado de “produto” no RTI, foi rebaixada de 2% para 1,6%) aquém do seu potencial, não há inflação que prospere no curto prazo. E no longo?
Quando trata de 2015, o tom muda. O Copom passa a ver indicações de uma recuperação econômica, o que poderia afastar a possibilidade de redução da Selic no ano que vem. Apesar de o consumo se manter moderado, haverá impulso tanto nos investimentos quanto nas exportações, favorecidos por um maior crescimento global e um real menos apreciado. Enxerga igualmente condições melhores para a indústria e agropecuária, em detrimento de um setor de serviços menos exuberante que em anos anteriores. Em resumo, a economia está ruim agora, o que dispensa alta da Selic, mas estará melhor no futuro, o que dispensa queda, com a inflação encaminhando-se para o 4,5%. É claro, se o dólar deixar, leia-se, se os EUA deixarem.
O cenário de referência está muito justo: a inflação não irá além de 6,4% este ano se, mantida a Selic em 11%, o dólar resignar-se em R$ 2,25. Se a moeda americana avançar para os R$ 2,40 previstos pelo Boletim Focus (outra pela fundamental do sistema de metas, ao lado do RTI e das atas do Copom), o IPCA pode ser outro. A necessidade de manter a taxa de câmbio na faixa confortável atual — R$ 2,20 no piso e R$ 2,25 no teto — explica a guarda preservada alta na frente cambial, como mostrou a extensão sem mudanças do programa de intervenções cambiais.
A manutenção da Selic em 11% por tempo prolongado não parece ser fator de desestímulo às aplicações financeiras externas. Fluxo positivo derrubou o dólar na sessão vespertina de ontem. A moeda tentou ao longo da maior parte do dia sustentar-se acima do piso de R$ 2,20. À tarde, jogou a toalha. Entradas financeiras desencadearam operações de interrupção automática de perdas, magnificando o tombo. O dólar fechou em queda de 0,44%, vendido a R$ 2,1963, menor cotação desde 30 de outubro.
Os EUA não parecem constituir, por enquanto, ameaça ao cenário de estabilidade da Selic até o fim de 2015. Os juros longos americanos caíram mais um pouco (os de 10 anos, de 2,56% para 2,53%) depois de divulgada mais uma rodada de indicadores tépidos e de discursos de dirigentes do Fed que reembaralham as cartas entre “falcões” e “pombas”. O índice de atividade manufatureira do Fed de Kansas recuou de 10 em maio para 6 em junho, quando se previa estabilidade.
A renda pessoal dos americanos cresceu 0,4% em maio, mas os seus gastos aumentaram apenas 0,2%, ou seja, resolveram poupar algum dinheiro para o futuro, o que revela um pé atrás com a recuperação. E os pedidos de auxílio-desemprego caíram menos do que o previsto. Baixaram na semana passada de 314 mil para 312 mil, quando a projeção era de queda para 310 mil.
Dois presidentes regionais do Fed atenuaram as suas tendências naturais, invertendo os seus papéis tradicionais. O “dove” James Bullard, de St. Louis, considera a hipótese de uma alta da taxa básica ainda no primeiro trimestre de 2015, pois teme uma inflação perto de 2% já no início do próximo ano. Já o “hawk” Jeffrey Lacker, de Richmond, bateu na tecla de que os juros perto de zero, adequados ao atual patamar da atividade, só subirão depois de analisada uma variada gama de indicadores de desempenho. Se os textos dos discursos não foram trocados por assessores trapalhões, o sinal para o mercado é de que o Fed na verdade não sabe bem o que vai fazer, nem quando.