Por bruno.dutra

Contra o real, o dólar avançou ontem 0,9810%, vendido a R$ 2,2959, já encostado no limite de R$ 2,30 que deve desencadear novas intervenções do Banco Central. A causa é a mesma, um pouco mais séria ontem: o retraimento dos grandes investidores globais em face do agravamento das tensões entre Rússia e Ucrânia e da escala de sanções e contrassanções entre Rússia e o Ocidente. Os contratos de juros futuros foram na cola do dólar e subiram na BM&F. A taxa para janeiro de 2016 avançou de 11,42% para 11,50%. E o contrato para janeiro de 2017 subiu de 11,71% para 11,79%.

Uma sequência de notícias negativas alimentou a inquietação dos investidores ao longo do dia. Primeiro vieram as contrapartidas russas, sob a forma de embargo à compra de alimentos dos EUA, Europa, Canadá, Noruega e Austrália. Depois, alerta do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, de que a tensão geopolítica já está afetando negativamente a economia da zona do euro. Por fim, informes de agências internacionais segundo os quais um jato ucraniano tinha sido derrubado por separatistas pró-Moscou.

A alta dos juros futuros só não foi maior graças a declarações do diretor de Política Econômica do Banco Central, Carlos Hamilton Araújo. Considerado pelos mercados o mais “hawkish” dos membros do Copom, Araújo surpreendeu no sentido oposto. Durante e depois da apresentação do Boletim Regional Trimestral, o diretor usou um tom nada alarmista: a inflação perdeu a sua natureza “resistente”, a alta do dólar já está contemplada nos cenários oficiais que apontam para o contínuo declínio do IPCA e a deflação do atacado está chegando ao varejo. A parte da fala que combinou com o perfil traçado dele pelo mercado não foi nenhuma novidade: se a Selic sair do estacionamento dos 11% onde está, será para cima, não para baixo.

O mercado de juros ansiava por declarações menos convencionais como forma de conferir legitimidade a um movimento de alta dos DIs necessário para valorizar as propostas das instituições ao leilão primário de títulos públicos realizado pelo Tesouro. Isolada do contexto, a frase de Araújo segundo a qual “a inflação mensal aos consumidores recuou, mas em 12 meses permaneceu elevada” até poderia servir de pretexto para a puxada dos contratos futuros. Seria muita desfaçatez, pois trata-se de uma tautologia estatística: a inflação corrente está em queda, mas o acumulado de 12 meses roça o teto da banda inflacionária.

Nada que já não se sabia. E pior: refere-se ao passado, e a política monetária não age sobre o passado. Ela atua sobre o futuro, mais propriamente sobre as “expectativas” de como será esse futuro. Nisso também Araújo não inovou. A inflação continuará, a despeito da depreciação cambial, cedendo ao longo do tempo e deve chegar a 5% no segundo trimestre de 2016.

Se o mercado quisesse buscar elementos justificadores de uma alta teria de se debruçar sobre o próprio Boletim Regional. Nele se lê que “as evidências indicam ainda que os ganhos salariais superaram os ganhos estimados de produtividade, em especial no Sul e Nordeste”. Salários acima da produtividade sancionam repasses de preço e impedem o declínio da inflação mais resistente, a dos serviços. Mas a frase não é bombástica, nem autoexplicativa.

O jeito, para validar o pleito de taxas mais altas ao Tesouro, foi se escorar na alta do dólar. Ainda bem que a moeda estava subindo pela mesma razão — a fuga dos ativos de risco — que justificou a baixa dos títulos de 10 anos do Tesouro americano. O impacto de elevação sobre as “treasuries” que poderia ter o relatório semanal de seguro-desemprego dissipou-se frente ao aumento da aversão global a risco. As solicitações de auxílio desemprego caíram de 303 mil para 289 mil, quando os analistas projetavam alta para 304 mil.

Por diferença, a queda das “treasuries” amplia a rentabilidade dos papéis brasileiros, dispensando o uso de expedientes artificiais. O mercado estava particularmente interessado em melhorar as propostas porque os lotes leiloados foram bem fornidos. Além de 5,14 milhões de LTNs, o Tesouro ofereceu 3,25 milhões de NTN-Fs, títulos de especial agrado dos estrangeiros.

A terceira deflação seguida do IGP-DI não serviu como freio à alta dos DIs. Após cair 0,45% em maio e 0,63% em junho, o índice desceu 0,55% em julho. O mercado ignorou a taxa por duas razões. A primeira decorreu do fato de a queda ter-se alinhado com as previsões. A segunda, também já antecipada, foi a diminuição deste movimento deflacionista. Os preços industriais e agrícolas estão caindo no atacado menos do que nos meses anteriores. O IPA industrial passou de -0,52% em junho para -0,34% em julho. O agrícola, de -2,97% para -2,81%. Os efeitos de baixa exercidos pelo câmbio e pelos alimentos estão se esgotando, e logo o IGP-DI voltará a exibir sinal positivo.

Só por muita maldade, alguém poderia considerar as declarações de Araújo sobre câmbio como motivo para a alta do dólar. Quando não foi vago, o diretor agiu de maneira a tranquilizar. Como exemplo do primeiro caso, pode-se tomar a frase “é provável que se observe nova rodada de pressão nos mercados de moedas globais”. Note-se que não previu quando isso poderá acontecer, nem em qual direção, se pressão de alta ou pressão de baixa. Quando foi mais explícito, a declaração jogou água fria na fervura: "Num dos cenários em que trabalhamos para fazer projeções, está contemplada alguma depreciação e, ainda assim, teríamos um recuo da projeção de inflação ao longo do tempo. A depreciação cambial certamente tem impacto sobre a inflação. De 2011 a 2012, a depreciação foi de 16,7%, média contra média. Neste ano, até agora, na faixa de 6%". Ou seja, o câmbio já exerceu pressão de alta sobre a inflação mais do que atualmente.

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