Por bruno.dutra

A fuga internacional dos ativos de maior risco não foi capaz de interromper o deslumbramento do mercado interno com a candidatura economicamente conservadora de Marina Silva. Mesmo após impressionante desvalorização de 1,96% nos dois pregões anteriores, em comemoração a não menos impressionante escalada da pessebista nas pesquisas, o dólar desceu um pouco mais ontem. Fechou cotado a R$ 2,2393, em desvalorização de 0,28%. Os juros futuros aprofundaram o declínio na BM&F.

Até mesmo a taxa para o contrato de DI futuro que vence na virada do ano conseguiu cair ontem apesar de mantido o consenso de que o Copom do Banco Central preservará a Selic em 11% até o fim do ano. O contrato recuou de 10,82% para 10,78%. As baixas dos contratos com vencimento mais distante foram ainda mais expressivas. A taxa para janeiro de 2016 recuou de 11,29% para 11,24% e o contrato para janeiro de 2017 cedeu de 11,30% para 11,26%. A inclinação da curva de juros é agora apenas levemente positiva. A explicação é singela: derrotada Dilma Rousseff por um candidato que reimplante o tripé econômico em toda a sua pureza ortodoxa, a confiança nos rumos da política econômica será restabelecida a ponto de desafogar a política monetária. Os juros de médio e longo prazo poderiam cair já que a inflação seria domada pelo controle dos gastos públicos.

A continuidade da lua de mel do mercado com Marina se tornou possível graças a rumores segundo os quais a pesquisa Datafolha que será divulgada hoje irá ampliar a preferência por ela em relação às duas outras consultas divulgadas esta semana. Pelo Ibope, a ambientalista tem 29% dos votos e, pelo MDA, 28,2%. O Datafolha, segundo o boato, já mostraria um empate técnico com Dilma no primeiro turno. Se não fosse por isso, as trajetórias do dólar e dos juros futuros poderiam ter sido opostas, face as turbulências externas.

Para os players globais, foi uma lástima que as notícias sobre a suposta invasão da Ucrânia – segundo autoridades do país, três mil soldados russos estariam combatendo ao lado de separatistas, relato negado por Moscou – tenham coincidido com a divulgação nos EUA da segunda estimativa de expansão do PIB no segundo trimestre do ano. A primeira prévia – um salto de 4% ante retração de 2,1% nos primeiros três meses de 2014 – já havia assustado os analistas, tanto é que apostavam em uma moderação na segunda prévia, uma redução do crescimento para 3,9%. Mas o PIB surpreendeu de novo, com o Departamento de Comércio informando ontem uma segunda estimativa de 4,2%.

A onda de expansão é forte e se espalha por praticamente todos os itens pesquisados. Com um detalhe para lá de significativo: o crescimento acima do imaginado está, sim, provocando inflação. O deflator do PIB – o PCE —, acelerou de 1,4% no primeiro trimestre para 2,3% no segundo, O core do indicador – a medida de inflação mais observada pelo Federal Reserve (Fed) – avançou de 1,2% para 2%. Traduzindo: a inflação bateu na meta do Fed. E o mercado se lembrou do alerta contido na ata da reunião do comitê de política monetária de 30 de julho, o de que a taxa básica de juros poderia subir antes do esperado.

São números capazes de afiar as garras dos falcões do Fed. E de desencadear um ciclo de alta da rentabilidade dos títulos do Tesouro americano. Aconteceu o contrário ontem: as taxas da T-Note de 10 anos cederam de já baixíssimos 2,36% para 2,34%. Não há como evitar tecnicamente a queda porque a demanda por treasuries persiste elevada. Antes do agravamento dos conflitos na Ucrânia, a procura estava aquecida pela antecipação do movimento de expansão global da liquidez que será comandado pela Europa e pelo Japão. Esse deslocamento foi intensificado ontem pelo temor de que a guerra afunde ainda mais a zona do euro na recessão.

Em contraste com os EUA, a expectativa é de que o IBGE divulgue hoje uma queda do PIB brasileiro no segundo trimestre ao redor de 0,4%. Por questões estatísticas, esse resultado ruim pode contaminar negativamente a alta de 0,2% registrada pela economia no primeiro trimestre. Se o dado exigir uma revisão do ajuste sazonal, ao invés do crescimento de 0,2%, o primeiro trimestre pode também ter contabilizado uma queda do PIB. Isso configura a chamada “recessão técnica”. Pior do que esse nome feio, tal revisão mudará a herança estatística para o ano de 2014 como um todo.

Embora a contração do segundo trimestre tenha refletido o impacto passageiro e previsível da diminuição do número de dias úteis imposta pela Copa do Mundo, não só a “recessão técnica” como também o fato de que a recuperação esperada para este terceiro trimestre estar acontecendo num ritmo moroso, aquém das expectativas, são um prato cheio para propagandas eleitorais da oposição.

Os dados do IBGE devem mostrar a inutilidade da política fiscal expansionista. A economia se abate por causa da falta de confiança de empresas e consumidores. As injeções de capital feitas pela Fazenda e pelo Banco Central – neste caso, via remanejamento dos compulsórios bancários – não irrigam a economia produtiva, pois acabam esterilizadas nas aplicações financeiras que rendem juro real de 5%. É o caso de o BC se perguntar se a inflação corrente muito baixa não decorre mais da atividade anorética do que do seu choque monetário. Este teve o mérito de amplificar a derrubada do dólar em um contexto externo já favorável à apreciação da taxa de câmbio.

Quando a economia estava razoavelmente aquecida, o tema que o mercado mais discutia eram as razões de o ciclo de alta da Selic estar miseravelmente fracassando em manter o IPCA dentro do intervalo mais largo da banda inflacionária. Era um mistério a ineficácia do arrocho monetário. Quando a economia submergiu, apenas em parte por culpa do aperto e muito em função da retração dos investimentos e do consumo, a inflação veio abaixo.

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