Por douglas.nunes

Pelo menos nesse setembro, o mercado está livre da tensão pré-Copom, a síndrome que a cada 45 dias enlouquece os executivos. As mesas irão acompanhar por mera e enfadonha formalidade profissional a reunião desta tarde do Comitê de Política Monetária do Banco Central. O foco do interesse dos pregões estará mesmo direcionado para as pesquisas de intenção de voto que o Ibope e o Datafolha prometem divulgar hoje. Mesmo que o Copom opte por uma decisão mais ousada – a de, após manter a Selic em 11%, sinalizar a possibilidade de início de um ciclo de queda a partir de outubro – não conseguirá inverter a atual curva negativa dos juros futuros, nem neutralizar o viés primário de queda do dólar.

A curva desenhada pelos contratos futuros de DI da BM&F assume uma inclinação negativa a partir de 2016 pela suposição de que, vitoriosa, Marina Silva irá cumprir seu compromisso de campanha e restaurar em toda a sua magnificência original os três pilares da política econômica conservadora, danificados e pichados no segundo mandato de Lula e no primeiro de Dilma. O retorno da credibilidade, sobretudo a fiscal, tornará desnecessária uma política monetária muito rígida em 2016, embora possa requerer doses adicionais de aperto no ano que vem.

A curva do DI sobe até 2016 e depois cai. O DI avança dos 10,80% (10,78% na véspera) com que fechou ontem para o contrato com vencimento em janeiro de 2015 até 11,27% (a mesma do dia anterior) em janeiro de 2016 e depois desce a 11,10% (11,22% na segunda-feira) em janeiro de 2017 e escorrega a 10,82% (11%) em janeiro de 2021. Ou seja, a inclinação de 2016 para 2017 passou de -0,05 ponto na segunda para -0,17 ponto na ontem. A correlação negativa entre 2017 e 2012 acentuou-se de 0,22 ponto para 0,28 ponto. Os relatos são de que tem muito dinheiro de fora entrando no pregão para celebrar o fim da era PT.

Se o Copom indicar hoje, na nota emitida após a reunião, o desejo de reduzir a Selic já este ano, em ocasiões normais o pregão tenderia a interpretar tal decisão como sinal de leniência capaz de produzir o efeito contrário: a elevação dos juros de longo prazo. Mas se as novas pesquisas referendarem hoje os boatos que corriam soltos ontem — a decolagem de Marina persistiu, desempatando o placar de 34% no primeiro turno tanto para ela quanto para Dilma —, os mercados nem vão querer saber o que o Copom estará sinalizando ou deixando de sinalizar.

Os mercados querem o PT fora do poder. Não incomoda o fato de Marina não ser uma liberal de berço, testada e aprovada em governos pró-mercado, como os dois de FHC e o primeiro de Lula. Nem esfria a euforia o fato de os seus dois expoentes na área econômica não terem exatamente o perfil acima de qualquer suspeita de um operador como Armínio Fraga. Eduardo Gianetti da Fonseca já declarou que, num eventual governo Marina Silva, prefere manter-se como consultor, recusando cargos executivos. O economista emite opiniões condizentes com o pensamento novo-clássico (o nome menos pejorativo pelo qual é conhecida a política econômica neoliberal), mas sem o arrebatamento e o convencimento do pessoal da linha-dura mercadista. Sua paixão são os livros de autoajuda sofisticada.

André Lara Resende, nos anos 80 e 90 um dedicado e circunspecto heterodoxo, hoje enriquecido e retirado da liça dos terminais luminosos de operação de ativos, corteja a ideia de que o crescimento econômico é incompatível com a preservação do planeta. Gianetti e Resende têm ambos muito daquela condição sonhática (neologismo cunhado pela própria Marina Silva) com a qual a candidata pretende se distinguir do mundo pragmático da política de alianças. Dada a facilidade com a qual transita de um partido a outro, das rápidas mudanças de opinião, ela não inspira confiança aos detentores do capital. Pouco importa: por faltar-lhe aquilo que sobra em Dilma — convicções desenvolvimentistas — será muito mais fácil de submeter-se a chantagens.

Ao contrário do que se imagina — a falácia de que o mercado não vota —, na verdade o mercado vota em tempo real a todo instante. Cada ordem de compra ou venda que pisca na tela representa um voto. Se na questão do casamento gay e da criminalização da homofobia bastaram quatro tuítes para a ambientalista mudar de ideia, uma disparada de uns 5% do dólar já pode ser suficiente para o cumprimento de promessa econômica de campanha posta em dúvida por alguma outra contingência do momento.

E se a “roleta bíblica” indicar a necessidade de favorecer os pobres, tornando impraticável o megassuperávit primário prometido? E se a independência legal do BC não tiver sido mais do que um “erro de processo”? Rapidamente, os algoritmos dos modelos econométricos escreverão novos versículos capazes de desencadear uma tangível fuga de capital. O que importa é tirar o PT do poder. Mas e se houver uma grave crise de governabilidade ou uma instabilidade institucional? Também pouco importa. Prevalecerá a lei segundo a qual quem sair por último apaga a luz, pois os terminais eletrônicos desconhecem fronteiras entre países.
Mesmo diante de pressões externas surgidas ontem em favor da alta dos DIs futuros, a curva negativamente inclinada aprofundou-se. Nos EUA, três indicadores positivos puxaram fortemente os rendimentos dos títulos de 10 anos do Tesouro americano. A T-Note avançou de 2,34% para 2,41%. O PMI do setor de manufatura subiu de 55,8 pontos em julho para 57,9 em agosto e o ISM industrial avançou de 57,1 para 59, quando o mercado previa queda para 57 pontos. E os gastos com construção subiram 1,8% em julho, para uma alta esperada pelos analistas de 1%.

A alta da “treasury” de 10 anos forçou valorização do dólar mundo afora. Aqui, não. Ao trazer investidores de fora, os rumores pró-Marina impediram o câmbio de acompanhar a tendência externa. O dólar fechou cotado a R$ 2,2405, em baixa de 0,19%.

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