Apesar da escalada do dólar, o BC vem relutando em ampliar a oferta de swaps cambiais. A intenção pode ser evitar que o estoque desses papéis bata em US$ 100 bilhões às vésperas do segundo turno das eleições. Tecnicamente, não há muita diferença entre um estoque de US$ 97 bilhões ou de US$ 105 bilhões, mas o número redondo de US$ 100 bilhões, fácil de gravar e de incutir nas consciências, poderia ser usado eleitoralmente como mais um símbolo da fragilidade nacional. O BC não quer fornecer munição (embora de festim) para o inimigo. A última posição oficial em contratos de swaps, hoje os únicos instrumentos utilizados para acalmar investidores sequiosos por dólares, referente ao dia 17, relata um estoque de US$ 95,686 bilhões. Se o BC renovar todos os títulos que estão vencendo e mantiver a venda primária de US$ 1 bilhão por semana, em cinco semanas alcançará os US$ 100 bilhões, ou seja, bem perto do dia 26 de outubro.
Esses US$ 100 bilhões são o limite teórico autoimposto pelo BC quando baixou o programa de intervenções cambiais, no dia 22 de agosto do ano passado. Na verdade, são apenas um ponto de referência. Nada impede que o BC vá além. E terá de ir. Mas como não quer chegar logo lá, pelo menos não antes de 26 de outubro, está economizando a rolagem dos swaps velhos. Este mês manifesta o interesse de não renovar US$ 1,88 bilhões dos US$ 6,677 bilhões que vencerão no dia 1° de outubro. Essa economia não é pequena, pois equivale a colocação de novos papéis prevista para quase duas semanas.
O mercado de câmbio não quer que o BC faça economia alguma. Vem forçando a cotação para cima visando a convencer a autoridade da necessidade de ampliar a oferta. Mesmo com o mercado de “treasuries” mais sossegado ontem — a taxa da T-Note de 10 anos oscilou perto do fechamento anterior, a 2,63% —, o dólar chegou a subir até R$ 2,3775. Mas fechou a R$ 2,3650, com valorização de 0,31%.
O momento é delicado para o BC. Não é hora de baixar as defesas cambiais. Os mercados globais estão muito saudosos de maio de 2013. Naquela época, o então presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, anunciou a intenção de começar um “afunilamento” da política monetária americana. O “tapering” iria reduzir até a sua extinção as compras de títulos e hipotecas, então em US$ 85 bilhões mensais. O “tapering” desencadeou uma abrupta e extravagante realocação de portfólios e as taxas de 10 anos dos títulos do Tesouro americano dispararam de 1,6% em maio para até 3% em agosto. O bicho-papão não era tão feio assim. Em dezembro, o Fed iniciou os cortes ao ritmo de US$ 10 bilhões por mês. Nada aconteceu. E os juros se acomodaram no patamar médio de 2,6%. Em outubro, o afrouxamento quantitativo acaba. O mercado não pode deixar que, de novo, nada aconteça. E busca pretextos, a maior parte dos quais imaginários, para desencadear arrancadas.
Os players mais agressivos estavam com o dedo no gatilho, prontos para desfechar uma onda global de aversão a ativos de risco após o término da reunião de quarta-feira do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc). Domesticamente, todos os investidores já megacomprados em dólares, no aguardo de um evento capaz de rentabilizar suas posições, até agora levando surras colossais da Selic, esfregaram as mãos. A revisão para cima das previsões de taxa básica feitas pelos votantes do Fomc poderia fornecer o mote perfeito para a revanche negada pela manutenção da expressão “tempo considerável” (o longo período, dependente dos dados concretos sobre a solidez da retomada econômica, entre o fim do “tapering”, em outubro, e o descongelamento da “fed funds rate”). Mas mesmo que a “fed funds” encerre 2015 entre 1,25% e 1,50%, como agora esperam os diretores do Fed, a chave de ignição só seria acionada em junho, ou seja, no mesmo mês onde já se concentravam as expectativas dos analistas. Ou seja, não há nada de novo no front.
O Fed anunciou que em outubro irá comprar US$ 15 bilhões em títulos e hipotecas, encerrando a fase da hiperabundância de liquidez. A partir de novembro, o mercado não terá mais nenhum dólar novo. Parte dos players acredita que este fato, já amplamente conhecido, poderá provocar turbulências em novembro. Esse medo interesseiro faz questão de esquecer que o mundo parece exausto de liquidez improdutiva. O crédito barato e irrestrito mostra-se incapaz de fomentar o crescimento de economias enjauladas em presídios fiscais de máxima segurança. Basta ver o que aconteceu ontem com o primeiro leilão de T-LTRO (Targeted Long Term Refinancing Operations) feito pelo Banco Central Europeu (BCE).
A estratégia da autoridade de despejar nas economias dos países da zona do euro gordos malotes de dinheiro praticamente de graça (juro anual de 0,15%) foi frustrante. A primeira operação de refinanciamento direcionado de longo prazo somou 82,6 bilhões de euros, configurando uma demanda acanhada frente à expectativa de que alcançaria entre 100 bilhões e 200 bilhões. O valor efetivamente colocado por meio dessas linhas em 255 bancos da região está bem distante do seu potencial de 400 bilhões divididos em duas tranches (a de ontem e outra em dezembro). A falta de apetite dos tomadores poderá solapar a intenção do BCE de expandir o seu balanço em até 1 trilhão de euros.
No mês que vem, ainda com o objetivo de ampliar o crédito e, com isso, dar impulso à vacilante recuperação da atividade, o BCE irá iniciar um programa de compra de títulos. Se este também fracassar, só restará à autoridade instituir um vasto programa de aquisição de títulos públicos soberanos. É isso o que o mercado quer: desovar para ele todos os papéis de menor liquidez emitidos, por exemplo, por Portugal e Grécia. Como os euros das T-LTRO são carimbados para investimentos produtivos de pequenas e médias empresas, seu potencial de vazamento para especulação com ativos fica comprometido.
Mais do que ninguém, é o Fed quem mais torce para que a economia americana seja capaz de pedir uma alta de juro de 0,25% para 0,50% no último mês do primeiro semestre de 2015. Mas, ao contrário do que anseia o mercado, não vai forçar. Em primeiro lugar porque os indicadores conjunturais não inspiram confiança e, segundo, os EUA são, como o Brasil, vulneráveis ao baixo crescimento mundial. Globalizada, a economia não permite surtos localizados de prosperidade. Ontem foi o dia de divulgação de dados de “housing” nas duas maiores economias do mundo. Estão bem ruins. Nos EUA, as construções residenciais caíram 14,4% em agosto. O mercado sabia que haveria uma queda, mas previa uma retração de apenas 5,2%. E as licenças para construir cederam 5,6%, ante a expectativa de uma baixa de 1,6%. Na China, os preços dos imóveis caíram em agosto em 68 das 70 cidades pesquisadas. A retração acumulada de janeiro a agosto já chega a 10%. O Banco do Povo segue a mesma linha do BCE: liberou esta semana US$ 81 bilhões para cinco instituições e reduziu ontem a taxa-over de 3,8% para 3,7%. Não é hora de o Fed, como quer o mercado, falar em aperto monetário. É por isso que ele não fala, mas isso não impede os operadores de ouvirem vozes em suas cabeças.