Amanhã a partida recomeça com agenda cheia: publicação das primeiras pesquisas de intenção de voto, volta do horário eleitoral obrigatório e decisão oficial da candidata derrotada Marina Silva sobre a manutenção da neutralidade de 2010 ou apoio a um dos dois postulantes à Presidência da República ainda em disputa. Nos dois primeiros dias da suspensão temporária de hostilidades, a barulhenta torcida organizada do mercado entoou seus hinos de guerra para festejar a reação do candidato Aécio Neves no final do primeiro tempo e a perspectiva de que mude o placar adverso já nos primeiros minutos do segundo. O comportamento dos pregões de hoje não tende a ser muito diferente dos dois anteriores: Bovespa em alta, dólar e juros futuros em queda, independentemente da tendência ditada pelo mercado global.
Embalado pelo rumor de que secretamente Marina Silva já teria formalizado em conversa com Aécio Neves o seu apoio pessoal, mesmo que os partidos de sua coligação venham a seguir por outro caminho, o mercado de câmbio persistiu ontem vendedor de dólar, em frontal assimetria com o desempenho dos mercados globais, assustados com más notícias sobre crescimento global chanceladas pelo FMI e por péssimo indicador sobre a economia da Alemanha.
O índice DXY, que mede a variação do dólar perante a cesta das moedas mais relevantes, caiu 0,38%, enquanto a taxa do título de 10 anos do Tesouro americano, ao afundar de 2,42% para 2,35%, denunciou o aumento na busca por refúgio no único país do mundo, os EUA, que exibe alguma recuperação mais sólida. Extasiado pela performance de Aécio, o dólar persistiu em baixa frente ao real. Fechou ontem cotado a R$ 2,4023, em desvalorização de 1%. Apenas nas três últimas sessões, a moeda tombou 3,59%, vinda dos R$ 2,4918 do desalento pré-primeiro turno.
Em pesada queda, os contratos futuros de juros da BM&F iniciaram uma curva declinante já a partir de julho de 2016, mês que exibe a maior taxa da estrutura a termo, de 11,86%. No pregão da véspera, os vértices formados por janeiro de 2016 e janeiro de 2017 ainda desenhavam uma trajetória ascendente, de 11,84% e 11,94%. Ontem, já se inverteram, com taxa de 11,78% e 11,77%, respectivamente. A mudança de inclinação, de positiva para negativa, ocorre quando uma política monetária goza de credibilidade. Eficiente para conter a inflação no curto prazo, não precisará praticar juros muito elevados no longo. Qual política monetária? O pregão se movimenta já em função do que será a política de juros do Banco Central que se reportará (uma vez que o PSDB é contra a tese do BC independente) ao ministro da Fazenda Armínio Fraga.
O documento do FMI — o relatório Panorama Econômico Mundial (WEO, em inglês) — que tanto mexeu com os mercados de fora deveria ter sensibilizado também os daqui porque trouxe boas dicas para os brasileiros. Menos pelas projeções de crescimento econômico que faz dos países economicamente relevantes — na verdade, são estimativas que consolidam, com uma certa defasagem, o consenso da visão prospectiva dos agentes privados — e muito mais pelas recomendações para que o planeta supere o baixo crescimento.
Causou certo frisson a revisão para baixo do prognóstico de expansão do PIB brasileiro este ano, de 1,3% em julho para 0,3% agora. Nada mais tedioso: o Focus, após diminuir sua expectativa por 19 semanas seguidas, projeta em sua última edição taxa de 0,24%. O FMI pode estar atrasado também em relação à Alemanha. O WEO divulgado ontem reduziu de 1,9% para 1,4% o crescimento que a maior economia europeia poderá obter este ano. A previsão ainda pode estar otimista demais. O azar foi ter saído ontem mesmo um dado fresquinho sobre a indústria germânica: a produção industrial desabou 4% em agosto, quando os especialistas esperavam um declínio de 1,5%. O país sofre com a estagnação dos seus parceiros de euro, para os quais já não consegue exportar como antes.
Não há do que se queixar: a Alemanha sofre por causa do seu conservadorismo, seja em relação à questão russa, seja pela oposição movida pelo Bundesbank a providências mais arrojadas por parte do Banco Central Europeu (BCE). A Alemanha é o membro que impõe ao conjunto da comunidade do euro as rígidas regras da austeridade fiscal, da contenção do gasto público e do equacionamento das dívidas soberanas ao custo do desemprego aberto. Mais ou menos aquilo que o vento da mudança de Aécio Neves e a “nova política” da aliada velada Marina Silva querem implantar no Brasil. O receituário longamente fracassado na Europa ameaça migrar para o Brasil.
Das nações analisadas pelo FMI, a única que exibe uma excelente revisão de seu crescimento foram os EUA. Passou de 1,7% em julho para 2,2% agora em outubro. E lá, apesar de todo o recorrente imbróglio orçamentário, não há a obsessão fiscalista vigente na Europa, a mesma que se quer transportar para cá.
Mas é no capítulo das recomendações que o FMI transcende o mero referendo do consenso de mercado. Para superar a letargia produtiva, os seus economistas sugerem aumentar o investimento público, sobretudo na área de infraestrutura. É o Estado quem tem condições de capitanear a retomada, primeiro via aquecimento de demanda, depois por meio do alargamento da oferta formadora de novo capital a ser reinvestido produtivamente. É o que o governo Dilma Rousseff está tentando fazer aqui. Não consegue porque este ano foi erguida uma muralha de “desconfiança”, na verdade o adiamento de investimentos por parte de empresários congraçados com os mercados na grande empreitada destinada a tirar o PT do poder.
Nos EUA, há dirigente do Federal Reserve (Fed) que quer tornar otimista demais a projeção do FMI para o PIB americano. A linha-dura Esther George, presidente da regional de Kansas, defendeu ontem que se comece a discutir para valer e sem demora a data de início da elevação da taxa básica de juros. Para ela, a normalização da política monetária já deveria ter se iniciado. Os riscos serão piores se o Fed resolver agir só depois que a inflação tiver ultrapassado a meta de 2% e a economia já estiver em pleno emprego. O avião mal iniciou a decolagem e a piloto quer estabilizá-lo por medo de uma tempestade imaginária. Contrapondo-se a “hawk” de Kansas, o “dove” Narayana Kocherlakota, presidente do Fed de Mineápolis, disse que subir o juro em 2015 será um “grande erro”.