Os mercados brasileiros estavam usando o escudo da esperança na vitória de Aécio Neves para amortecer o impacto da crise internacional. A blindagem sofreu ontem uma rachadura funda, aberta pela decepção com o desempenho do tucano no debate da Band e por rumores de que as pesquisas que seriam divulgadas no início da noite seriam desfavoráveis a ele. Pela fenda penetrou a lança global da recessão, agora envenenada pelo vírus do Ebola. O quadro global é grave. O maior mercado do mundo — o secundário de títulos do Tesouro americano, o termômetro mais sensível da volubilidade do grande capital — acusou a febre: a taxa da T-Note de 10 anos despencou de 2,20% do fechamento de terça-feira para até 1,86%, recuperando-se depois para encerrar o dia em 2,14%, quando no final de julho, auge do otimismo com a recuperação da economia americana, rondava 2,60%.
As “treasuries” não desmoronam apenas por causa da piora da Europa e da Ásia. Nos EUA, a situação também não é das melhores. Péssimas notícias vieram ontem das três maiores economias do mundo. Da maior, três dados ruins: as vendas varejistas caíram 0,3% em agosto, mais do que o previsto pelos analistas. O índice Empire State de atividade da manufatura calculado pelo Fed de Nova York tombou de 27,54 em setembro para 6,17 em outubro. O mercado previa uma queda, mas bem menor, para 20,25. E o índice de preços ao produtor (o PPI, a inflação no atacado) registrou deflação de 0,1% em setembro quando se esperava uma inflação de 0,1%. Em 12 meses, o PPI recuou de 1,8% em agosto para 1,6% em setembro, longe da meta de 2% do Fed.
As taxas de inflação também estão preocupantemente baixas na China e na Alemanha. A inflação anual chinesa caiu de 2% em agosto para 1,6% em setembro. E o índice de preços ao consumidor alemão ficou estável no mês passado, informando em 12 meses taxa de 0,8%.
Os investidores globais se assustaram com o acúmulo de dados negativos, venderam ações e ativos de risco mundo afora e foram se refugiar no bunker das “treasuries” e em moedas seguras como iene e franco suíço. Foi uma carnificina nas bolsas europeias: o índice pan-europeu Stoxx 600 ruiu 3,16%; a bolsa de Milão tombou 4,44%; Londres, -2,83%; Paris, -3,63%; Frankfurt, - 2,87%; Madri, -3,59%; e Lisboa, -3,21%. Nos EUA, houve no final do dia uma tentativa de retomar a serenidade, com base no tom de tranquilidade empregado pelo Fed na redação do seu Livro Bege, um sumário das condições econômicas. Mas o documento exalou um ranço de anacronismo alienado.
A epidemia do Ebola complica seriamente o quadro clínico da economia mundial. Foi confirmado ontem o segundo caso de contágio no Texas, um dia depois da morte de funcionário da ONU que era tratado na Alemanha. Na África Ocidental, os mortos chegam a 4,5 mil. Mas a coisa é tão grave assim, já a ponto de afetar decisões de investimentos? Pode se tornar. Um dos maiores economistas brasileiros, Paulo Rabello de Castro, alertou ontem os clientes de sua consultoria: “Se o surto da doença se confirmar nas economias centrais, deflagrará uma gravíssima reação em cadeia pelos governos e pessoas, em particular nos ainda não afetados, com vistas a tentar bloquear a transmissão internacional do vírus”. Trata-se, na visão do economista, de uma verdadeira corrente recessiva, uma “economia do medo”. O problema não é custo direto de uma epidemia de Ebola, estimado em US$ 32 bilhões, apenas 0,05% do PIB mundial de US$ 70 trilhões. A “economia do medo” traria enormes custos indiretos decorrentes do bloqueio à livre circulação de pessoas. As companhias aéreas seriam as primeiras a ser atingidas, depois a indústria do turismo como um todo, passando por centros de compras, restaurantes, locais de trabalho. O grande capital global já começou a se apavorar com as estimativas de contágio futuro, sobretudo pelas brutais diferenças entre elas. Variam, conforme a fonte, entre 10 mil a 200 mil novos casos semanais até dezembro (leia-se, daqui a dois meses e meio).
Se a economia americana inspira cuidados, com alguns membros mais “dovish” do Fed já arrependidos por terem votado no fim do afrouxamento quantitativo, a sua moeda não é indicada como ativo de proteção, sobretudo se houver um surto de Ebola. Foi por isso que o dólar caiu em todo mundo, menos aqui. No pregão local, a moeda subiu 2,37%, cotada a R$ 2,4575. Aqui predomina o medo do vírus Dilma 2.0. Mas, às vezes, há um efeito de alta vindo do Aécio 1.0. O vaivém do dólar ao longo do dia foi frenético. Depois do alívio trazido pelo Livro Bege, o câmbio foi sacudido por uma bomba peessedebista. O futuro ministro da Fazenda do eventual governo Aécio, Armínio Fraga, disse à Reuters que o programa de intervenção cambial diária do BC será imediatamente interrompido caso o tucano vença. O mercado foi avisado: nada de derrubar o dólar se Aécio tomar a ponta das pesquisas.
Aparentemente, o preocupante resultado negativo exibido pelo fluxo cambial da semana passada, de US$ 2,575 bilhões, tem vagos ecos da campanha eleitoral. A saída de capital financeiro no montante de US$ 2,752 bilhões não sinaliza nenhum “medo do PT”, aquele conjunto de maus presságios associados a um segundo mandato de Dilma: inflação persistentemente acima do teto da banda, ajuste fiscal insuficiente, persistência da letargia econômica, política monetária acomodatícia, controle cambial, ampliação do déficit externo, rebaixamento de rating e fuga de capital. Nada disso: a saída ocorreu entre 6 e 10 deste mês, uma semana em que a candidatura tucana parecia imbatível.
Analistas e investidores ficaram desapontados com a performance, de costume cinematográfica, de Aécio no primeiro debate televisivo do segundo turno. A arma letal contra PT — as denúncias de corrupção na Petrobras — foi pela culatra. O candidato terá receio em utilizá-la novamente porque o seu telhado, mostrou Dilma com farta munição, é de cristal. E, com sua pergunta sobre a Lei Maria da Penha, a petista insinuou que tem uma bala de prata pronta para disparar se o senador insistir na questão da petroleira. Pela lógica intrínseca às operações financeiras, no jogo de mercado o placar jamais registra empate. Se alguém não venceu é porque perdeu. E o consenso foi de que Aécio não venceu o debate na Band. Hoje acontece o do SBT. O tucano sobe ao octógono perdendo por pontos, com o seu golpe favorito já previamente neutralizado.
Os juros fecharam com fortes quedas no mercado futuro da BM&F, embora distantes das máximas do dia. Nos momentos mais críticos, o mundo e a candidatura Aécio pareciam perdidos. E a curva futura chegou até a perder a sua inclinação negativa considerando-se os vértices formados pelos contratos relativos a janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O primeiro chegou a subir de 11,85% para 11,97%, e fechou mais contido em 11,93%. E o segundo avançou de 11,76% para até 12,02%, encerrando a 11,87%. Pelo menos no fechamento, a curva se sustentou invertida. A queda das taxas em relação às máximas do dia ocorreu em função da confiança demonstrada pelo Fed na retomada americana. Em nenhum instante pesou nas operações a informação de que a zeragem do atraso do preço doméstico da gasolina em relação ao internacional pode suavizar as expectativas inflacionárias.