Para que Levy assumisse a Fazenda, Dilma não fechou olhos para as novas medidas. Levy aceitou porque a sua receita para consertar a economia já era testada na 'cozinha' do Planalto
Por diana.dantas
Os mercados de câmbio e juros futuros abandonaram ontem as suas reservas e operaram na certeza de que nada impedirá a apresentação hoje de Joaquim Levy como novo ministro da Fazenda e de Nelson Barbosa como novo chefe do Planejamento. Economistas respeitados pelas instituições, irão assumir com a missão de aparar os exageros desenvolvimentistas da atual gestão.
O dólar trabalhou em baixa durante todo o dia e fechou em pesada queda de 1,17%, cotado a R$ 2,5070, encostando no novo piso informal de R$ 2,50 (o teto de R$ 2,60 foi estabelecido pelo Banco Central há duas semanas quando aumentou a dose da intervenção cambial). O mercado futuro de juros da BM&F comportou-se em conformidade à visão de que a política econômica do segundo mandato de Dilma Rousseff terá um início mais conservador.
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O pregão de DI futuro supõe que a política monetária seguirá o mesmo viés austero da política fiscal. O BC tende a elevar a dose do aperto monetário iniciado no final de outubro e, a partir de 2017, quando o ajuste fiscal já for vitorioso, iniciar um ciclo de baixa da Selic. Foi por este motivo que os contratos curtos subiram e os longos caíram. A taxa para a virada do ano avançou de 11,39% para 11,43%, supondo que na reunião da semana que vem o Copom irá acelerar o ritmo de alta do juro para 0,50 ponto, puxando a Selic de 11,25% para 11,75%. O contrato para janeiro de 2017 passou de 12,30% para 12,35%, sob a hipótese de que Comitê irá aumentar a taxa até 12,50% no ano que vem. Feito isso, os juros de mais longo prazo podem cair. A taxa para janeiro de 2017 recuou de 12,17% para 12,12%. E o contrato para 2021 cedeu de 11,79% para 11,69%. Note-se que a curva futura de juros está invertida desde os vértices mais curtos até os mais longos. Tal inclinação negativa é sinal de grande credibilidade da política monetária.
A porção mais hidrófoba do mercado, aquela que acha que as políticas fiscais sensatas são monopólio dos liberais-conservadores, já prevê um relacionamento áspero e fadado ao fracasso entre a presidente Dilma Rousseff e o seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Para essa ala extremista, Levy gozará de autonomia de fachada, já que a presidente está apenas fingindo. A conversão presidencial ao rigor fiscal é uma solução de travessia enquanto o Planalto enfrenta a tempestade da Operação Lava-Jato e as ameaças de impeachment das oposições políticas e jurídicas. Por considerar a utilização de instrumentos fiscais clássicos por parte de notórios desenvolvimentistas uma usurpação descabida, essa corrente antecipa um trágico desenlace para os primeiros meses de 2015. E já planejam operações condizentes com ele.
Numa variante da mesma índole, os mais sádicos acreditam que Levy será indemissível. Ao assumir o risco de colocá-lo no comando da economia, Dilma terá de aturá-lo até o fim, sob pena de enfrentar um tsumani. Os raciocínios são pequenos e rancorosos, e são externados com certa perplexidade por esta única e boa razão: o plano de Dilma pode dar certo. Todos os gestores de megafundos que vêm há meses amargando prejuízos por apostarem no caos estão enfurecidos. E agora? Realizar as perdas e “comprar” Dilma? Eles vão saber da extensão real do seu tombo quando Levy e Barbosa falarem hoje à imprensa. Mais até do que perdas momentâneas de caixa, a ira dos ultramercadistas resulta da constatação de que, se o plano der certo, só poderão vislumbrar a chance de voltar a ter pleno controle da economia em 2023, após o terceiro governo de Lula.
Os analistas mais racionais já estão mudando os ângulos pelos quais viam a questão da autonomia de Levy. Para que Levy concordasse em assumir a Fazenda, Dilma não fechou olhos e ouvidos, prontificando-se a assinar sem ler as novas medidas econômicas. Levy aceitou porque a sua receita para consertar a economia já estava sendo testada informalmente na cozinha do Palácio do Planalto. Em sua gênese, Dilma é economista da mesma linha pós-keynesiana de Nelson Barbosa, cujas ideias vêm sendo buriladas no Instituto Lula e na FGV-SP, para onde foi conduzido pelas mãos do fiscalista-mor deste país, Yoshiaki Nakano, figura odiada pelos fundamentalistas do monetarismo tipo II, também conhecido como novo-clássico ou, mais pejorativamente, por neoliberalismo.
A presidente tem clara consciência da dimensão dos problemas atuais, da real influência (que não foi pouca) da crise externa sobre o agravamento dos déficits externo e fiscal e dos exageros cometidos com a finalidade de reelegê-la. A política fiscal que Levy e Barbosa irão implantar será a de Dilma. Não haverá dissonâncias nem ameaças de rompimento de alianças. Levy não é um xiita neoliberal inconsequente, não arma estratégias de ataques especulativos contra moedas, nem deseja o desaparecimento por inanição dos bancos públicos. A sua vocação original são as finanças públicas e não a direção de uma asset. Na Fazenda, estará voltando para casa.
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Para Levy e Barbosa não será uma tarefa hercúlea colocar a economia no trilho certo. Basta fazer o arroz-com-feijão com algum tempero mais ousado. Como recebem uma economia artificialmente inflada por medidas anticíclicas anabolizadas para o enfrentamento das eleições, a primeira providência será a retirada dos esteroides, não muito rapidamente para que o paciente não sinta uma síndrome de abstinência aguda demais. São as desonerações tributárias, a obesidade mórbida do gasto público e as prodigalidades no seguro-desemprego, abono salarial e pensão por morte. Restaurada a confiança do setor privado, o investimento público perde a proeminência já que será substituído com vantagens pelo privado, sobretudo na área da infraestrutura. Ajustadas as grandes linhas da política econômica, começa então o trabalho que ambos mais gostam por serem especialistas, o da sintonia fina.
Com o leme apontado na direção correta, não será difícil recuperar a credibilidade. Os empresários só esperam um bom pretexto para voltar a investir. Prova disso foi a surpresa dada ontem pela FGV. O seu índice de confiança da indústria subiu 3,6% em novembro, alcançando o maior patamar desde junho. Interrompendo uma série de seis quedas, o componente da avaliação corrente saltou 8,3%. A fatia das empresas que consideração a situação atual como boa cresceu de 7,8% em outubro para 12,8% este mês.
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A reação dos investidores estrangeiros ao anúncio formal da nova equipe econômica só será conhecida para valer na segunda-feira. Hoje todos os mercados americanos estarão fechados por causa do feriado de Ação de Graças e, amanhã, a carga não será plena devido a Black Friday. Mas a tendência é de retomarem as operações na segunda com apetite redobrado pelo Brasil. Não só pela visão de que a economia entra na rota adequada, mas porque está ficando cada vez mais distante o crítico momento em que o Federal Reserve (Fed) decidirá a elevação da taxa básica de juros. Saiu ontem uma coleção desanimadora de indicadores sobre a economia dos EUA, derrubando a taxa do título de 10 anos dos já baixos 2,30% para 2,25%.