Por diana.dantas
Uma nevasca caiu ontem sobre o dólar e o mercado secundário de títulos do Tesouro americano. Não foi aquela tempestade de neve mais branda do que profetizavam os meteorologistas que se precipitou sobre Nova York. A que atingiu os mercados veio bem mais devastadora: as encomendas americanas de bens duráveis, depois de terem caído 2,1% em novembro, despencaram 3,4% em dezembro, quando os analistas esperavam leve recuperação de 0,3%. O solitário bastião da economia global, os EUA, parece já não resistir com a mesma bravura aos ataques da estagnação e da deflação desferidos pelo resto do mundo. Se os EUA já não são mais um modelo de fortaleza, sua moeda se debilita nos quatro cantos. Frente ao real, a queda foi de 0,77%, cotada a R$ R$ 2,5706. Pela mesma razão, não é uma economia apta a pagar juros elevados. As taxas precisam recuar, ou ao menos permanecer baixas para estimular a atividade. E o rendimento da T-Note de 10 anos chegou a descer de 1,83% para até 1,75%.
O indicador ruim do setor de duráveis cristalizou a expectativa de que, em sua reunião de hoje, a primeira do ano, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) do Federal Reserve (Fed) deverá assumir mais abertamente um posicionamento liberal (no sentido americano). As condições monetárias não precisam nem devem ser “normalizadas” — a taxa básica de juros considerada “normal” nos EUA é de 4% — com nenhuma urgência. O início do degelo da FFR (a “fed funds rate”, a Selic deles), tabelada entre zero e 0,25% desde o colapso de 2008, será postergado para o fim do ano. No quarto trimestre de 2014, os analistas, irmanados apenas na excitação, dividiam-se acerca do melhor momento para o Fed fazer a primeira alta pós-crise, destinada a oficializar o seu enterro: se na reunião do Fomc de março ou se na de junho de 2015, dois encontros que enfeixam as condições ideais, pois encerrados com coletivas de imprensa da “chair” Janet Yellen.

Agora, constrangidos, os analistas se cindem entre a ala dos que veem chance de elevação em setembro e a dos que não acreditam haver justificadas para um aperto antes da reunião de dezembro. A reunião de hoje do Fed é quase um não-evento: ninguém aposta em mudança, o Comitê deve reiterar a sua resignação. Munido de uma paciência infinita, deverá esperar por números melhores antes de dar início a uma longa preparação dos mercados para o descongelamento da FFR.
O número relativo às encomendas de bens duráveis veio tão ruim que a sua sombra esfriou eventuais comemorações resultantes dos outros indicadores do dia. O PMI (índice de gerentes de compras) do setor de serviços subiu de 53,3 em dezembro para 54 em janeiro, embora ainda distante do pico de 61 atingido em junho. O Conference Board detectou certa animação por parte do consumidor. Seu índice de confiança avançou de 93,1 no mês passado para 102,9 este mês. E, por fim, o setor imobiliário persiste em recuperação. Em dezembro, as vendas de casas novas alcançaram a marca anual de 481 mil, acima da expectativa dos analistas, de 450 mil.

Se a conjuntura dos EUA, na melhor das hipóteses é de retomada vacilante e ainda inconclusiva do crescimento, a Europa persiste na UTI. A prolongada prostração às vezes dá ensejo a lampejos fugazes de lucidez. Como os idos de março, o mês da grande inundação de euros jorrados dos cofres do BCE, ainda parecem distantes, os mercados se enfraqueceram ontem, após a divulgação de balanços ruins de conglomerados do continente, como Siemens e Philips, e após a nomeação do ministro das Finanças do novo gabinete grego, Yavis Varoufakis, autodefinido como um “marxista libertário” — o que é uma contradição em termos, já que os libertários são adeptos de uma liberdade absoluta associada a ideologias de direta como o menor Estado possível. A indicação de Varoufakis sinaliza que o Syriza quer briga, o processo de renegociação da dívida grega e das suas condicionalidades não será nem rápido nem indolor. O principal índice do mercado de ações da região, o FTSEurofirst 300, desvalorizou-se ontem 0,81%. Dentre os grandes pregões, o que mais sentiu foi o de Frankfurt, com queda de 1,57%, enquanto Paris cedia 1,09% e Londres, 0,60%.

Os juros domésticos caíram menos do que seria recomendável para emparelhar-se às “treasuries”. O contrato de maior liquidez, com liquidação em janeiro de 2017, cedeu de 12,37% para 12,32%. A taxa longa de referência, para janeiro de 2021, recuou menos ainda, de 11,69% para 11,67%. O pregão da BM&F estava ressabiado com o tipo de apoio que a presidente Dilma Rousseff iria dar à política de austeridade de Joaquim Levy. Queria que Dilma reconhecesse os erros do passado e acolhesse entusiasticamente como definitiva a ortodoxia. Nem uma coisa, nem outra. A política econômica dos dois últimos anos do primeiro mandato não foi um equívoco do qual a presidente se penitencia — um arrependimento sincero que inviabilizaria uma recaída. Foi, pelo diagnóstico presidencial lido ontem, necessária para que o governo absorvesse dois choques externos (queda das commodities e alta do dólar) e um interno (alimentos) e evitasse danos à economia real e aos empregos. A deterioração das finanças públicas foi voluntária e planejada para rechaçar um mal maior. Mas ela chegou a um limite. Não dava mais. Era preciso equilibrar de novo as contas. E depois que o equilíbrio for alcançado, o que vai acontecer? A presidente nada disse a respeito.
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Na sua visão, o equilíbrio fiscal é imprescindível à preservação das políticas sociais. As medidas até agora adotadas visam “garantir a solidez dos nossos indicadores econômicos”. Não há nenhuma confissão de culpa. Os ajustes, graduais, têm “caráter corretivo”, não são uma guinada pró-mercado, por isso não merecem a acusação de estelionato eleitoral. No geral, um discurso frustrante para os investidores. No particular, um dado positivo: como, em nenhum momento, a presidente citou o nome de Joaquim Levy, as medidas são dela, Dilma. Mas o mercado gostaria que fossem de Levy.