Há uma notável discrepância entre a percepção de risco que os investidores estrangeiros têm da economia brasileira e o fluxo de entrada de novos capitais financeiros. Enquanto o risco-Brasil, medido pelo Embi+ (a diferença em pontos dos títulos nacionais comparativamente à rentabilidade dos bônus do Tesouro americano) disparou 29,6%, de 250 para 324 pontos-base, de novembro para cá, persiste caudaloso o ingresso de recursos para aplicação nesses mesmos títulos agora bem mais arriscados. Como entender essa contradição? A desarmonia é explicada pela péssima qualidade desse capital externo, ávido por embolsar o generoso juro brasileiro.
É preciso, primeiramente, ter claro que, no patamar ao redor de 320 pontos, o risco-país sinaliza que, para a comunidade financeira internacional, o Brasil já não pode mais ser considerado um país “grau de investimento”. O grande capital global faz operações aqui já embutindo o risco de um rebaixamento da nota soberana de crédito para “grau especulativo”. Na visão do economista Paulo Rabello de Castro, diretor da RC Consultores, não se trata de mero contágio da situação crítica vivida pela Petrobrás. Ou seja, se a nova direção da estatal conseguir recuperar a credibilidade e publicar balanços auditados capazes de afastar a ameaça de liquidação antecipada da dívida, com a petroleira mantendo o seu status de “investment grade”, mesmo assim talvez não seja possível evitar o “downgrade” da nota soberana.
A restauração da governabilidade da Petrobrás pode ser insuficiente para afastar o risco de rebaixamento do país porque os outros problemas são mais graves ainda. Na gênese da análise das classificadoras de rating está a questão do crescimento econômico e das medidas que são baixadas agora para que o país possa se expandir sustentavelmente no futuro. E há muitas incertezas sobre as condições para a retomada do crescimento do PIB. Os déficits gêmeos explodiram no ano passado. O déficit nominal do setor público pulou de 3,3% para 6,7% do PIB. O déficit em transações correntes subiu de 3,66% em 2013 para 4,17% do PIB no ano passado. Em conjunto, avançaram de 6,96% para 10,87% do PIB.
As medidas corretivas necessárias requerem, para o primeiro caso, um tremendo ajuste fiscal (não limitado a aumentos de impostos) e, para o segundo, a depreciação real da taxa de câmbio efetiva. As primeiras produzem recessão e a segunda, inflação. A recessão pode atenuar o empuxo inflacionário trazido pelo câmbio desde que outras fontes geradoras de inflação, e não passíveis de serem atacadas pela política monetária, permaneçam sedadas. Não é o caso atual. A acelerada recomposição das tarifas de energia elétrica tem de ser repassada em alguma medida aos preços. E as chuvas parcas, conjugadas com ameaças de racionamento, podem provocar mais um novo choque de oferta no setor agrícola.
Diante da envergadura assustadora dos problemas, os desafios aos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa são titânicos. Em parte, a disparada do Embi+ brasileira já embute a expectativa de que nem o superávit primário de 1,2% do PIB eles conseguirão cumprir. Não se trata mais de fazer uma economia de US$ 66 bilhões este ano. Como, no ano passado, houve um déficit primário de R$ 32,5 bilhões, correspondente a 0,63% do PIB, o superávit necessário sobe a quase R$ 99 bilhões, ou 1,8% do PIB. O mercado duvida que eles consigam sem cortar gastos correntes e benefícios sociais. Teriam de avançar em medidas previamente descartadas pela presidente Dilma Rousseff em sua mensagem de abertura dos trabalhos do legislativo. São medidas que fariam a presidente perder apoio junto à sociedade civil, aos movimentos sociais, à militância do PT e aos sindicatos num momento em que se aperta o cerco das forças que não desistem em propor o impeachment.
Tudo junto e misturado, o mercado está achando que será difícil evitar o “downgrade”. Mesmo assim, o fluxo de investimento estrangeiro financeiro foi impressionante em janeiro. O BC divulgou ontem o resultado do mês passado. Mas o superávit, de US$ 3,903 bilhões, com o saldo positivo da conta financeira (US$ 4,118 bilhões) neutralizando o déficit comercial, de US$ 215 milhões, foi considerado pelos analistas extemporâneo. O motivo se reporta à natureza desse capital que está entrando. Com o Embi+ em forte alta e a nevasca ininterrupta de problemas, esse dinheiro só pode ser fruto de armações especulativas de curtíssimo prazo, visando fazer lucros instantâneos com a Selic elevada. Mas logo irá embora, amplificando a arrancada do dólar.
Não é à toa, portanto, que após a pausa concedida na terça-feira, quando caiu 0,78% depois de ter subido 5,63% nas quatro sessões anteriores, ontem o dólar retomou com vigor seu viés primário de alta. A moeda fechou com valorização de 1,78%, cotada a R$ 2,7420, maior preço desde março de 2005. A ascensão foi magnificada por uma nova guinada nos humores globais. O dia foi de aversão a risco e especulação. A aversão teve como mote indicador ruim sobre a economia chinesa (o PMI de serviços caiu de 53,4 pontos em dezembro para 51,8 em janeiro) e pelo sentimento de que a negociação da troica europeia com as autoridades gregas em torno da dívida será longa, trabalhosa e sujeita a impasses. A especulação foi ensaiada no maior palco global, o mercado secundário de títulos do Tesouro americano. A empresa privada de folhas de pagamentos, a ADP, soltou um relatório nada alvissareiro sobre o mercado de trabalho dos EUA — foram criadas 213 mil novas vagas em janeiro, bem abaixo da previsão de 240 mil dos especialistas —, mesmo assim os fundos resolveram vender “treasuries” com base na suposição de que o relatório oficial de emprego, o “payroll”, a ser divulgado amanhã, virá com resultado positivo a ponto de remover as paciências monetárias do Federal Reserve (Fed). Em consequência das vendas, a taxa da T-Note de 10 anos subiu de 1,79% para 1,83%.
A apreciação do dólar e a alta das “treasuries” têm como efeito básico a correção para cima dos contratos futuros de juros transacionados na BM&F. Esse impacto altista atenua-se nos contratos mais curtos pela impossibilidade de o BC subir a Selic na proporção que o novo patamar de 7% do IPCA mereceria. A recessão não deixa. Mesmo assim, a taxa para a virada do ano subiu mais um pouco, de 12,76% para 12,79%. Se o BC não pode, nem quer, detonar a Selic, a consequência é a manutenção por tempo mais prolongado do aperto monetário. Foi por isso que o contrato para janeiro de 2021 avançou muito mais, de 12,02% para 12,11%.