Por diana.dantas

Até onde vai a guerra política entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente do Congresso, Renan Calheiros? Instituições e investidores não têm ainda elementos para avaliar a extensão e os estragos da contenda, mas mexeram ontem em suas carteiras, dentro dos limites operacionais de um único pregão, tentando se proteger do pior cenário: a impossibilidade de o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fazer um ajuste fiscal digno do nome capaz de evitar a retirada pelas classificadoras internacionais de risco do carimbo de bom pagador do Brasil. Para o bem ou para o mal, o mercado marca imediatamente o preço que vê como concreta possibilidade para o futuro. Na máxima do dia, o dólar chegou a ser cotado a R$ 3,0010, disparada de 2,49% em relação à véspera. Fechou menos inflado, a R$ 2,9807, valorização de 1,8%.

Pelo mecanismo clássico de precificação dos ativos, se a visão é de crise lá na frente, a crise já acontece aqui e agora. Busca-se proteção contra incertezas ao mesmo tempo em que se livra das apostas que se revelaram subitamente equivocadas, como posicionamento “vendido” em dólar e “comprado” em taxa prefixada de juros. Primeiro, zera-se o posicionamento danoso, assumindo posições opostas do mesmo calibre. Para tanto, o custo é elevado, já que se torna difícil encontrar investidores otimistas no mercado. Só pagando muito caro.

E atualmente não dá nem para dizer que o mercado sabe como a guerra começa, mas não como termina. Na verdade, ele ainda não conhece todos os detalhes dos motivos que a deflagraram. A ira vingativa do presidente do Congresso, aflorada repentinamente, só pode ser derivada de uma injúria muito grave. Refluirá com a mesma rapidez com que assomou? Depende do que for negociado. Por enquanto, a tentativa do governo é de negar uma crise entre Executivo e Legislativo, sinal de que não pretende retaliar. Mesmo que tudo volte ao normal, mesmo que as veias abertas sejam habilmente cauterizadas, quem comprou dólar ontem com preço perto de R$ 3,00 não deverá mostrar arrependimento.

O importante é o alívio com a interrupção das perdas, apesar dos custos exorbitantes. Como prevalecem no mercado duas máximas negativistas — o que está ruim sempre pode piorar mais e o que está bom tende a não durar muito — ninguém assumiu a posição relaxada do “isso não vai longe, político não se irrita por muito tempo”. Só vendeu dólar ontem por preço sobrevalorizado quem tinha moeda sobrando. Não era o momento de fazer uma operação “vendida a descoberta” – uma aposta de que o Banco Central iria agir pesadamente assim que a moeda ameaçasse encostar em R$ 3,00. O BC permaneceu quieto o dia todo, só espiando a escalada. Cumpriu apenas o script de suas intervenções de praxe: venda da ração diária de dois mil swaps cambiais novos e leilão de títulos para a rolagem parcial dos que irão vencer no dia 1°.

O cenário com o qual as instituições trabalharam ontem foi o seguinte: o presidente do Congresso, por razões ainda incompreensíveis, assumiu a condição de defensor de última instância dos pobres e oprimidos contra a fúria arrecadadora do governo. Nada que, no ajuste fiscal, implique em sacrifícios aos eleitores passará. Dilma reuniu-se com os aliados para convencê-los da necessidade do ajuste, numa tentativa de isolamento das lideranças do PMDB. Se a manobra não der resultado, o conserto das finanças públicas terá de ser feito via medidas que independam da aprovação do legislativo. A saída é a elevação de alíquotas do IPI, do IOF, da Cide e do Imposto de Importação. E corte de investimentos. Mas como governar sem um Orçamento?

As agências de rating não observam apenas um ajustamento fiscal que mantenha em níveis aceitáveis o endividamento bruto como proporção do PIB. Veem as condições de solvência no longo prazo. Se o dólar dispara, a promessa que traz implícita de reorganização do balanço de pagamentos pode ser contrabalançada pelos efeitos negativos que acarreta sobre a inflação e o ingresso de capitais estrangeiros. Se a alta nominal da moeda ameaça o ganho nominal vinculado à Selic, os investimentos de portfólio não entram. Esse movimento já pode estar acontecendo. Superavitária nas três primeiras semanas de fevereiro, num prolongamento do saldo positivo de janeiro, a balança cambial sofreu um pesado revés na semana passada. O fluxo foi negativo em US$ 3,34 bilhões, graças sobretudo à saída líquida financeira de US$ 2,793 bilhões. Com a reviravolta, a balança do mês fechou com perda de US$ 1,142 bilhão, reduzindo o superávit do ano para US$ 2,76 bilhões.

Dólar alto implica em doses suplementares de aperto monetário, derrubando a atividade e a arrecadação. No longo prazo, as contas públicas voltam a se deteriorar. Tudo junto, isso significa aprofundamento da recessão. E o primeiro quesito avaliado pelas classificadoras é a capacidade de sustentação do crescimento de uma economia, pois quem cresce tem condições de honrar suas dívidas.

O dólar e os juros futuros recuaram das máximas depois que, já revertidas as posições ruinosas, Levi reassegurou em palestra a investidores reunidos em São Paulo pelo BofA que o superávit primário será cumprido com “severidade”. O DI para janeiro de 2017, após bater em 13,14%, fechou a 13,02%, ainda assim em forte alta frente aos 12,87% da véspera. O juro para a virada do ano subiu de 13,11% para 13,21%. Nesse avanço está embutida a aposta de que, diante de um periclitante ajuste fiscal, o Copom terá de prolongar o aperto monetário previsto para se encerrar no mês que vem. O Comitê, ao final de sua reunião de ontem, não deu nenhuma pista. Subiu a Selic para 12,75%, conforme já combinado com o mercado, e manteve o seu lacônico comunicado. O futuro monetário está em aberto.

O Brasil recuperou o primeiro lugar entre os maiores pagadores de juros reais do mundo, segundo o tradicional ranking da consultoria UpTrend. Promete agora taxa real ex-ante (projetada para 12 meses) de 5,28%, vindo na vice-liderança, bem distante, a China, com 3,18%. Vale dizer que, para o Brasil perder esse desonroso posto, o Copom teria de ter cortado a Selic ontem em dois pontos percentuais, para 10,25%. Mas ele ainda não parou de subir. A antiga detentora do pódio, a Rússia, com juro nominal de 15%, foi destronada não por esforços brasileiros mas por deméritos próprios. Sua inflação projetada disparou para 15%, zerando a taxa real. No ranking de 40 países, caiu da primeira para a 19° posição.



Você pode gostar