Por diana.dantas

O Banco Central Europeu (BCE) vai a partir de segunda-feira imprimir 60 bilhões de euros por mês até setembro de 2016 para recomprar títulos soberanos por taxas de retorno que podem até ser negativas, desde que não inferiores ao -0,2% “pago” por ele aos bancos que insistem em deixar dinheiro nos seus cofres. É uma inundação de liquidez que, respingando no Brasil, será capaz de salvá-lo? Não será. Tanto não é que o mercado de câmbio brasileiro nem esboçou ontem reação ao pacote do BCE.

A aprovação na Câmara da chamada PEC da Bengala mostrou que a briga política entre o Planalto e o Legislativo pode estar só no início. Os investidores estrangeiros veem crescer o risco de ingovernabilidade e tratam de pular do barco. Nos quatro primeiros dias de março, o dólar evoluiu aos saltos de um dígito: 1,37% na segunda-feira, 1,14% na terça, 1,80% na quarta e ontem 1,03%. Na sexta, fechou a R$ 2,8560 e ontem encerrou o dia a R$ 3,0115. A irresponsabilidade é espantosa: uma crise política adubada por vinganças e retaliações recíprocas pode jogar o país numa crise cambial severa.

Sempre há alguém que poderá dizer que isso não se aplica ao Brasil — há poucos anos os cabotinos batiam no peito: “Aqui não é a Argentina”; e agora jactam-se: “Aqui não é a Rússia” —, pois pagamos o maior juro real do mundo. Será? Descontada a inflação, o ganho alcança 5,3%. Seria irrecusável no meio de um oceano mundial de rentabilidades irrisórias quando não acintosamente negativas. Seria se a valorização do dólar fosse idêntica à inflação. Mas é muito maior. Não há ganho real em dólar algum. Pior que isso: há um monstruoso prejuízo. Do início do ano até quarta-feira, aplicações de renda fixa indexadas a Selic pagaram 1,9%. No mesmo período, o dólar oficial (a Ptax do Banco Central) subiu 12,21%. O investidor estrangeiro que veio atrás do maior juro real do mundo perdeu 10,12% em um pouco mais de dois meses. Para escapar de tamanha rentabilidade negativa os fundos de fora precisam, de qualquer maneira, fazer o “hedge” cambial da operação. Mas quanto mais o dólar sobe, mais o custo da proteção avança porque os doadores de hedge, que assumem a posição “vendida”, só aceitam fazê-lo mediante remuneração vantajosa.

O maior “vendido” do mercado é o BC. Por meio dos seus swaps, banca a proteção a custos razoáveis, já que não está interessado em ganhar dinheiro com isso, mas evitar que a acelerada depreciação cambial faça explodir a inflação. Mas o BC já não está mais podendo ser tão generoso assim. Compare: em agosto de 2013, para impedir que o dólar fosse além de R$ 2,45, montou o maior programa de intervenções cambiais do mundo. Despejava por semana US$ 2 bilhões para quem precisava de proteção ou de linhas de crédito em dólar. O tempo foi passando, a “brincadeira” — para usar uma palavra muito cara ao ministro Joaquim Levy — foi ficando pesada demais (o estoque de swaps alcança US$ 113 bilhões) e agora, com o dólar a R$ 3,00, finge que não é como ele. Os sinais do BC são de que pretende a partir de abril reduzir ainda mais sua ração diária de instrumentos de hedge, hoje no valor de US$ 100 milhões. E irá diminuir a rolagem daquele impressionante estoque de US$ 113 bilhões. Se o investidor externo sente que não terá hedge suficiente para anular os efeitos negativos sobre a rentabilidade da volatilidade cambial, ele não vem. Ou entra de forma muito tímida, pronto para dar meia-volta ao menor sinal de perigo. Ou, pior, como parece o caso atual: vai embora.

Até 2010, os estrangeiros ganharam muito dinheiro no Brasil por causa da âncora cambial. Ao elevado rendimento bruto da Selic, somava-se a apreciação cambial. Quando mais o mercado era inundado pelos dólares das operações “carry trade”, mais o real se valorizava e maior era o rendimento da aplicação. Esse mundo onírico virou hoje um pesadelo do qual não se desperta para a turma do lucro financeiro sem esforço: deterioração dos fundamentos, crise política que impede o ajustamento, recessão em aprofundamento, inflação em alta (já há consultorias prevendo IPCA perto de 8% este ano) e uma política monetária de mãos atadas. Não há juro alto, na ausência de disciplinamento fiscal, que conserte a situação. Esta já chegou a um ponto de degradação que desencadeia o inverso: juro alto não é mais remédio, é veneno. O que é peçonha para a atividade produtiva, para os investidores pós-fixados em DI futuro é nutrição de alta qualidade. No mercado futuro da BM&F, as taxas deram pulos. Para a virada do ano, passou de 13,21% para 13,33%. O contrato mais negociado, para janeiro de 2017, avançou de 13,02% para 13,17%.

Quanto mais o Copom insistir em subir a Selic pior para o mundo real e os cofres públicos. Não dá para a compressão dos preços livres induzida pelo aperto monetário compensar a paulada das tarifas públicas. O BC não pode elevar o custo da dívida pública porque exigiria doses suplementares e cavalares de arrocho fiscal para mantê-la estabilizada em relação ao PIB. Sem a colaboração (exigir empenho pró-ativo seria pedir demais) do Congresso na área fiscal, a Fazenda terá de agudizar o processo recessivo. As medidas submetidas aos parlamentares geram menor impacto recessivo do que as que poderiam substituí-las por independerem da aprovação das duas casas do Legislativo.

O mercado trata como axioma uma bravata destinada a infundir temor aos governantes. Diz que tudo o que os poderes da República se recusam a fazer voluntariamente, será feito pelo próprio mercado com custos mais dolorosos. Não é nada disso. O mercado não faz política econômica. Se a casa está bagunçada, o que faz é pôr fogo nela. A essência do capital é a autopreservação a qualquer custo, depois vêm a acumulação e a circulação. O medo rege as decisões financeiras. Se o Executivo e o Legislativo não se entenderem mutuamente, a degradação da economia — com o pânico dos mercados dominados pelo medo se projetando para os agentes produtivos — vai conduzir rapidamente o país ao grau especulativo.

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