Por monica.lima

O governo Dilma Rousseff parece estar repetindo nesse início do segundo mandato o padrão compulsivo de comportamento que caracterizou o primeiro — o de tentar consertar tudo ao mesmo tempo. Há um radicalismo estouvado em corrigir rapidamente tudo o que se pensa estar errado. A propensão saneadora destina-se a colocar de pé numa mesma empreitada os três antigos pilares da política econômica, rachados pelo voluntarismo anterior. Dilma 2.0 comprou a ideia de que o país voltará a crescer a partir de 2016 se, em 2015, houver superávit primário de 1,2% do PIB, se a credibilidade do sistema de metas de inflação for restaurada e se a taxa de câmbio flutuar mais livremente ao sabor das forças do mercado e dos fundamentos. Fará isso nem que seja preciso colocar nos ombros da economia uma sufocante canga recessiva.

O que está acontecendo hoje com o câmbio lembra o que foi feito em 2011. Naquela época, não se sabe sob inspiração de quem, a presidente convenceu-se de que precisava mudar o tripé. Em meados daquele ano o dólar rodava pacatamente a R$ 1,55. O ministro da Fazenda Guido Mantega discursava contra a “guerra cambial” e o “tsunami monetário” que inundava o Brasil de dólares e provocava a desindustrialização. E começou a baixar uma série de medidas destinadas a depreciar o real. Foram tomadas várias restrições ao capital estrangeiro e o dólar rapidamente passou de R$ 2,00. Quase simultaneamente, em agosto de 2011, o Copom iniciou a derrubada da taxa Selic. Partindo de 12,50% chegou ao piso histórico de 7,25% um ano e dois meses depois.

Como a mania é fazer tudo ao mesmo tempo, a valorização do dólar e o declínio da Selic cutucaram o dragão inflacionário. A vara era curtíssima e em abril de 2013 o juro básico começou a subir e não parou mais até hoje, com uma levíssima pausa eleitoral entre maio e setembro do ano passado. E todas as providências restritivas ao ingresso de capitais externos foram revertidas, sobretudo a partir de maio de 2013, quando o então presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, fez seu célebre aviso do “tapering”. Remendados e inconfiáveis, os tripés cambial e monetário foram reconstruídos. O das contas públicas, não. O governo insistiu nas políticas de fomento da demanda e o superávit primário caiu de 3,1% em 2011 para 2,4% em 2012, 1,9% em 2013 e -0,6% em 2014.

Dilma testou, em 2011, uma variante da política desenvolvimentista que conjugava câmbio fortemente depreciado, juro real de 2% e pesados subsídios públicos ao crescimento via demanda. Não deu certo. Na verdade, deu muito errado. E hoje se começa a pagar o preço. Poderia ter dado certo se seguisse o modelo do novo-desenvolvimentismo: câmbio desvalorizado em termos reais, juro básico bem perto da inflação e superávit primário elevado, acima de 3%. Trata-se da corrente que defende que inflação se combate via contas públicas equilibradas e crescimento se faz com câmbio competitivo e juro baixo. É isso que Dilma 2.0 está tentando implantar agora? Não é.

A política atual não chega a ser completamente liberal-conservadora. Se fosse, a meta de superávit primário seria ainda mais ambiciosa, os cortes de despesas e elevações de impostos seriam mais drásticos e a Selic, para atrair capitais estrangeiros e derrubar o dólar, já estaria em 15%. Para um neoliberal puro, o superávit primário tem de ser de no mínimo 3%, a inflação de no máximo 3% e o câmbio deve manter-se apreciado para franquear o acesso aos investidores internacionais de todos os tipos. Dilma 2.0 está tentando uma mescla de políticas: um superávit primário de 1,2% que evite o “downgrade” soberano, uma política monetária destinada a alcançar a meta de inflação de 4,5% no longo prazo (em 2017 ou 2018) e, viu-se na semana passada, um câmbio depreciado em termos reais. Vai dar certo desta vez? A impressão é de que está tudo desconexo e desamarrado.

Sim, o dólar disparou 7,02% na semana passada, fechando na sexta-feira a R$ 3,0565, porque, como gatilhos, uma crise política pode inviabilizar o ajuste fiscal e porque saiu um dado forte de emprego nos EUA, ressuscitando o temor de alta do juro americano no meio do ano. Mas, no fundo mesmo, o dólar decolou porque o BC permitiu. Não moveu uma palha para obstar a arrancada. Se não houvesse a deliberação assumida de permitir uma mudança de patamar na taxa de câmbio, já na terça-feira passada, quando o dólar encostou em R$ 2,93, rompendo o suposto teto de R$ 2,90, já que na segunda-feira tinha fechado a R$ 2,8951, o BC teria despejado swaps cambiais e linhas em dólar no mercado. Tinha aumentado a ração diária — recorde-se que os US$ 100 milhões colocados por dia são o compromisso “mínimo”, não o “máximo” —, fornecido crédito em dólar aos bancos e até vendido reservas. Não fez nada. O recado foi: a gente quer o dólar alto. Então, é só deixar por conta do mercado que ele é perito em fazer isso.

Num momento em que a antiga e funesta política de sufocação do IPCA via compressão artificial de tarifas públicas está sendo reparada radicalmente — como mostra o índice de fevereiro, alta de 1,22% no mês e de 7,7% em doze meses — a imposição de um câmbio depreciado é um convite para a instalação de uma drástica inflação corretiva. Por causa do desemprego crescente, os trabalhadores terão muita dificuldade em repor o poder aquisitivo. Ataca-se com isso o flanco do custo unitário do trabalho, tanto em real quanto em dólar. Isso, mais o câmbio realista, faz um carinho nos empresários magoados com a redução das desonerações tributárias. Se a inflação é corretiva, o Copom não vai correr atrás dela, elevando a Selic até algo entre 14% e 15%. É isso o que está em discussão no mercado de juros. Na quinta e na sexta-feira, o lobby pela continuidade do atual ritmo de alta de 0,50 ponto da Selic operou laboriosamente no pregão de DIs futuros da BM&F. Em uma semana, de 27 de fevereiro a 6 de março, a taxa para o contrato com vencimento em janeiro de 2017, o mais líquido do pregão, saltou de 12,78% para 13,43%.

Alguns analistas desconfiam que o anseio purificador não poupa a área política. Como os políticos não deixam a presidente fazer a reforma política desejada, o expurgo será feito na marra. O argumento em circulação nas mesas dos executivos: o atual embate entre o governo e os seus “aliados” é a ponta visível de uma rebelião subterrânea cuja raiz encontra-se na negociação da permanência dos líderes peemedebistas na presidência das duas casas do Legislativo. Segundo essa versão, a revolta de Renan Calheiros e Eduardo Cunha não deriva tanto da falta de empenho da presidência, em gestões junto ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na defesa do arquivamento dos inquéritos contra ambos. Está em outro lugar: enquanto o Planalto não der garantias sólidas de que os dois serão blindados pelas bancadas do PT e do PMDB contra processos de cassação, nenhum projeto que for do interesse do Executivo irá prosperar. Indiretamente, o presidente do Senado até já sinalizou a possibilidade de buscar apoio à sua permanência junto às bancadas oposicionistas alinhadas com o PSDB. Tal aliança abrirá as portas do inferno para Dilma.

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