Por diana.dantas

O dólar subiu ontem 2,4%, cotado a R$ 3,1297, maior preço desde 22 de junho de 2004. A onda de alta já dura ininterruptamente seis sessões, durante as quais acumulou valorização de 9,58%. O movimento de ontem foi desligado da tendência internacional de queda da moeda americana. Subiu aqui e por motivos domésticos. Por trás da escalada, não há nenhum pânico, não há atropelo desesperado de investidores externos, não há medo de crise institucional, de desgoverno. Prova disso foi o giro de negócios pífio registrado pela BM&F, US$ 877 milhões. O dólar subiu no grito especulativo. O que há é um plano frio e ardiloso destinado a influenciar a política monetária do Banco Central. O mercado quer juro alto, cada vez mais elevado, nas nuvens. O instrumento de persuasão é a taxa de câmbio. Trata-se de uma escolha óbvia porque o BC desistiu de defender o real. O câmbio é hoje um faroeste sem xerife.

Enquanto alguns operadores, no calor da hora, usam linguagem de botecos e varandas — o “Brasil acabou”, o “pânico é irracional”, “salve-se quem puder” — economistas de pura linhagem liberal explicitam, aqui e ali, o lobby ora em curso. Ele começa com análises sofisticadas segundo as quais será impossível, dada a atmosfera política saturada de rancor, ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, cumprir a meta de superávit primário equivalente a 1,2% do PIB. A conclusão, quase unânime, é de que deveria rebaixar logo o objetivo para um número mais crível e confiável. Será muito melhor entregar o superávit possível e sinalizador do prolongamento do aperto fiscal do que repetir o vexame do seu antecessor. Trata-se apenas de um introito formal para conduzir o raciocínio ao cerne da questão, ao verdadeiro objetivo das avaliações. Na inviabilidade de se fazer um saneamento das contas públicas capaz de reconquistar a confiança na política econômica, quem deve assumir esta missão é o Banco Central, cujas decisões independem da intensidade do fogo que lavra no Congresso.

A defesa da extensão indefinida de um ciclo de alta no ritmo atual de 0,50 ponto por reunião do Copom — sem se explicitar o tamanho final da Selic, se os 15% russos, os 19,17% venezuelanos ou os 22,93% argentinos — é intelectualmente intrincada. Como Levy só conseguirá fazer o ajuste possível — incapaz sozinho de evitar o rebaixamento da nota de risco de crédito do Brasil — será da competência do BC atacar dois outros graves problemas que, corrigidos, poderão sensibilizar favoravelmente as agências de rating. Os dois são clássicos: o balanço de pagamentos e a inflação. Como se resolve o primeiro? Com taxa de câmbio depreciada em termos reais e efetivos. Como impedir que isso provoque a explosão do IPCA? Por meio de uma política monetária ultraortodoxa. Mas não é uma austeridade qualquer. Não se está falando de elevação da Selic dos atuais 12,75% para 13,50%.

Para conseguir a taxa real de câmbio desvalorizada que equilibre o balanço de pagamentos, será necessário desacelerar vigorosamente a inflação dos preços “non-tradables”, os produtos não comercializados externamente. A alta deles terá de ser bem menor que a dos “tradables”. As duas formas mais utilizadas para o cálculo do câmbio real são a diferença entre os dois grupos e o desconto dos salários da variação nominal da taxa. Em ambos os casos, obtém-se o efeito desejado por meio de uma recessão brutal induzida pela taxa de juros, já que o ajuste fiscal não conseguirá desacelerar a economia no nível pretendido. Embora defendam publicamente e a plenos pulmões o uso prioritário do ajuste fiscal no ataque à inflação, intramuros preferem a via da política monetária. Os financistas não ganham nada quando, potente em si mesma, a política fiscal até dispensa a ajuda do juro alto. Não ganham nada com isso. Mas se a inflação for sufocada na base do rolo compressor monetário, o ganho proporcionado pelo juro real extravagante é certo. O desemprego e a recessão são meros detalhes, efeitos colaterais inevitáveis da “correção” dos problemas.

O lobby pelo juro alto se instrumentaliza pela gritaria dos operadores, pela “análise” dos liberais e também por algumas previsões catastrofistas ao extremo de consultorias. Já há gente no mercado “prevendo” inflação na casa de 9% a 10% e queda do PIB perto de 2,5% este ano. Tais vaticínios são corretamente expurgados da pesquisa Focus do BC. As expectativas, pela mediana de cem instituições, persistem em deterioração, mas sem o exagero das cassandras rentistas. Na edição do Focus divulgada ontem, pioraram pela décima semana em sequência os prognósticos para IPCA (de 7,47% para 7,77%) e de PIB (de -0,58% para -0,66%) para este ano. O lobby desvairado em favor da Selic russa aumentou a responsabilidade da ata do Copom que será divulgada na quinta-feira, referente à reunião realizada na semana passada.

O dólar está sendo usado como arma de coação ao BC por causa do seu forte apelo popular. Seu potencial de intensificação do ódio ao governo Dilma e de sua desestabilização é enorme. Não dá Ibope a informação de que os DIs negociados no mercado futuro da BM&F dispararam ontem, mas que a taxa para janeiro de 2021, ao pular 0,34 ponto, 12,83% para 13,17%, saltou menos o 0,42 ponto do contrato para janeiro de 2017 (de 13,43% para 13,85%), um sinal de que a política econômica de Levy, endossada pessoalmente domingo à noite pela presidente, sustenta elevada credibilidade.

Na ânsia de puxar a moeda americana contra o real, o mercado local nem precisou se valer das especulações altistas externas. Na sexta-feira, um dado do Bureau of Labor Statistics (BLS) dos EUA patrocinou interpretações que suscitaram forte alta das taxas dos títulos do Tesouro americano e do dólar. Foi referente ao mercado de trabalho. Em fevereiro foram criadas 295 mil vagas, ante expectativa de 240 mil. Os altistas viram aí a senha para a alta do juro básico americano, o mais tardar em junho. Pouca relevância se deu à informação de que, no relatório do mês passado, o BLS errou feio. Ele tinha noticiado a geração de 257 mil postos, agora revisados para 235 mil. Uma diferença desconcertante. E mesmo que tenha acertado agora, o informe de fevereiro é um típico ponto fora da curva. Ele aponta para uma direção completamente ignorada pela ampla maioria dos indicadores de atividade e inflação. Ninguém se deu ao trabalho de lembrar que o CPI acusou deflação de 0,7% em janeiro e de 0,1% em doze meses. E que os estoques de petróleo dos EUA, equivalentes a 70% da capacidade, são os maiores em mais de 80 anos, mais expressivos do que durante a recessão imposta pela crise de 2008. Não tem como pensar em subir a “fed funds rate” nem em 0,15 ponto no Fomc de setembro. Por causa disso, a taxa da T-Note de 10 anos começou a traçar o caminho de volta, recuando ontem de 2,24% para 2,21%.

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