O desabamento imposto ontem ao dólar pode ter preparado a disparada de hoje, dependendo das revelações cambiais que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, fizer em depoimento na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, ou, o mais tardar, amanhã, quando a Câmara promete votar duas Medidas Provisórias (MPs) polêmicas, a 664, que muda as regras para o auxílio-doença e a pensão por morte, e a 665, que altera as normas para o seguro-desemprego e o abono salarial. A queda de ontem do dólar foi exagerada. Fechou, quase na mínima do dia, com desvalorização de 2,63%, vendido a R$ 3,1453. Como estava em R$ 3,2965 na quinta-feira, em dois pregões tombou 4,59%.
O mercado de câmbio vem se movimentando de forma extravagante desde que a crise política foi intensificada pela inclusão dos presidentes da Câmara e do Senado na “lista de Janot”. O dólar costuma respeitar o sinal de alta ou de baixa enviado do exterior, mas o magnifica de forma desmedida. Desde que, na quarta-feira, o Federal Reserve (Fed) protelou para o fim do ano o apocalipse monetário previsto para junho o índice Dollar Index já caiu 2,3%. Cedeu ontem um pouco mais de 0,85%. Enfraquecer um dólar artificialmente bombado pareceu mesmo ser um dos objetivos do Fed. O dólar musculoso desorganiza o setor produtivo, sabota crescimento econômico e mascara inflação. Contra o real, prevalece ainda o jogo especulativo de puxar e derrubar. Os espertos tentam acertar os pontos exatos: comprar na mínima de um dia e vender na máxima de outro. Os ganhos são brutais, mesmo se a pontaria não for precisa.
O declínio de ontem contou com dois ingredientes adicionais: 1) o Orçamento de 2015, aprovado na semana passada pelo Congresso, será sancionado com mais cortes de custeio, e o Ministério do Planejamento prepara um decreto de execução orçamentária com pesado contingenciamento de gastos. Os investidores temiam que, diante das dificuldades para aprovação do ajuste fiscal, das insatisfações sindicais e das manifestações nas ruas a presidente Dilma Rousseff pudesse dar uma nova guinada em sua política econômica, reassumindo o viés desenvolvimentista. Mas parece estar ocorrendo o inverso: Dilma está dobrando a aposta na ortodoxia, com um empenho pessoal inimaginável no começo do ano. 2) A S&P reafirmou o rating “BBB-“ (o último antes do rebaixamento à grau especulativo) atribuído ao Brasil, com perspectiva estável. A notícia foi veiculada oficialmente após o fechamento do câmbio, mas decisões deste tipo, provenientes de instituição do próprio mercado, costumam vazar. Havia muito investidor montado em dólar esperando o rebaixe do país para a categoria “junk”. Se a Moody’s e a Fitch reduzirem em um degrau a nota brasileira, irão se alinhar a S&P, amortecendo o impacto da decisão.
Mas as quedas de ontem e de sexta-feira recapearam a pista para uma decolagem vertiginosa hoje caso Tombini sinalize aos senadores a intenção do BC de acabar com a oferta da ração diária de swaps cambiais novos a partir da semana que vem, ou mesmo de reduzi-la à metade, dos atuais US$ 100 milhões para US$ 50 milhões. O tamanho da arremetida dependerá também de indicações a respeito do volume de swaps antigos que a autoridade estará disposta a rolar nos próximos meses. Neste mês, o BC vai renovar um pouco menos de 80% do lote de US$ 9,96 bilhões que vencerá na quarta-feira da semana que vem. Se Tombini se recusar a fornecer combustível para a alta, o mercado poderá recorrer às expectativas em torno das votações das MPs 664 e 665. A “expectativa”, é claro, será de imposição por parte do PMDB de mais uma derrota ao governo. A presidente Dilma Rousseff tem o dia de hoje para implementar a nova sugestão de Lula para apaziguar as relações com o seu “aliado”, a de conferir um “lugar especial” ao vice Michel Temer, depois da anterior (nomeação de Jaques Wagner para a Casa Civil e de Ricardo Berzoini para as Relações Institucionais) ter sido ignorada.
A aposta do câmbio é de alto risco. Se Tombini indicar a manutenção do programa de intervenções cambiais por mais três meses, preservando os termos atuais, e sinalizar a propensão à rolagem integral dos títulos a vencer – implicando na ampliação do atual estoque de US$ 114 bilhões em swaps – e se os deputados aprovarem as MPs sem mudança, o dólar vai persistir em baixa. Aí a especulação muda de lado: o mercado vai começar a apostar que o BC vai utilizar o câmbio para debilitar o vigor do IPCA. Pode ser uma opção, pelo menos para interromper a onda pessimista das instituições.
O mercado, formalmente consultado para a elaboração da pesquisa semanal Focus, não para de piorar seus prognósticos para expansão do PIB e variação do IPCA para este ano. Na edição publicada ontem do boletim do BC, constatou-se deterioração das expectativas pela décima segunda semana em sequência. A estimativa de IPCA acumulado este ano avançou de 7,93% para 8,12%. E a de PIB passou de -0,78% para -0,83%. O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, relativizou a piora. Para ele, o mercado projeta o futuro tendo como base uma fotografia do presente que está sempre mudando de foco. O ministro deve ter se esquecido que o principal pilar de sustentação do regime de metas de inflação é justamente a administração eficiente das “expectativas”. Se elas não estancam a degradação, mesmo em presença da continuidade do ciclo de alta da taxa Selic, é porque o sistema está falhando.
Num ambiente externo mais receptivo a aplicações em ativos de risco emitidos por emergentes, torna-se mais fácil ao BC obstar o caminho primário de alta do dólar. Uma taxa de câmbio estabilizada em torno dos R$ 3,00 poderia atender aos reclamos dos exportadores e, ao mesmo tempo, produzir efeito marginal sobre uma inflação já sufocada pelo aperto fiscal e pela recessão. Se é assim, o BC não precisaria prolongar o ciclo de aumento do juro básico. Esse raciocínio estimulou a queda dos juros futuros. O contrato com vencimento na virada do ano recuou de 13,68% para 13,60%. Os dois vértices mais longos cederam praticamente na mesma proporção, sem, portanto, alterar a inclinação da curva futura de juros. Enquanto a taxa para janeiro de 2017 caiu 0,11 ponto, de 13,56% para 13,45%, a referente ao contrato com liquidação em janeiro de 2021 baixou 0,10 ponto, de 13,10% para 13%.