Por monica.lima

O Brasil da crise política, dos fundamentos econômicos deteriorados e do ajuste fiscal é o mesmo, mas ele ficou um pouco diferente desde a apresentação das contas nacionais revisadas pelo IBGE na sexta-feira. Munidos da nova série histórica, para o período de 1996 a 2014, os analistas estão refazendo seus cálculos para duas variáveis macro vitais, a dívida pública e o déficit externo. Como, por causa da introdução da nova metodologia (SCN Referência 2010), o PIB ficou maior tanto nominalmente quanto em termos reais, muito provavelmente o Ministério da Fazenda não terá de fazer um superávit primário tão expressivo quanto o 1,2% do PIB para conseguir estabilizar a dívida como proporção do produto. Tal possibilidade tem um profundo impacto na percepção de risco do país, na precificação do dólar e dos juros futuros e também torna menos penoso o cativeiro do Planalto junto aos sequestradores encastelados na antiga “base aliada”.

Pelas contas preliminares do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, o novo cálculo do PIB tornou menores as proporções do déficit fiscal e em conta corrente, além de outros indicadores correlacionados ao tamanho da economia. O economista fornece dois exemplos eloquentes: “A relação dívida bruta do setor público sobre o PIB deve cair de 63% para 58% e o déficit em conta corrente sobre o PIB cai abaixo de 4%”. Pelo método antigo, o rombo externo rondava os 4,2%, ameaçando a deflagração da recorrente crise externa, cujos primórdios estão sendo combatidos pelo Banco Central com a arma mais eficiente que existe – a permissão para que o dólar suba e encontre, pelas vias de mercado, o preço adequado ao financiamento não especulativo do balanço de pagamentos.

O PIB tornou-se mais parrudo pela nova metodologia, cujos critérios técnicos são usados e aceitos internacionalmente, não suscitando portanto controvérsias e acusações político-ideológicas, porque passou a incorporar informações antes desconsideradas. Para o cálculo, por exemplo, do consumo das famílias foram agregados dados relativos ao Imposto de Renda Pessoa Física. Para o IBGE chegar ao número exato relativo ao item crucial dos Investimentos (a famosa Formação Bruta de Capital Fixo) leva em conta agora também os gastos feitos em pesquisa e desenvolvimento, exploração e avaliação de recursos minerais e software. Em relação à FBCF, o mercado levou um susto na sexta-feira. Esperava retração no ano passado perto de 9%, quando o dado oficial mostrou queda de 4,4%. De uma forma em geral, do jeito que está sendo aferido agora, o PIB ficou mais confiável, um espelho mais fiel da economia real.

Se a dívida bruta como proporção do PIB está caindo de 63% para 58%, o ajuste fiscal de Levy muda de intensidade e dramaticidade. Como o PIB cresceu, mas a dívida se manteve nominalmente do mesmo tamanho, ela de fato encolheu. Tal diminuição relativa altera a posição brasileira no quadro comparativo entre países visualizado constantemente pelas agências de rating. Para estabilizá-la em 58%, talvez não seja preciso um superávit de 1,2%, hoje difícil de se obter por causa das intransigências partidárias do PMDB. O Executivo em sua atual relação com o Congresso lembrava a daquele devedor que não tem dinheiro nem ficha cadastral para renegociar o seu débito com o banco. Nessa circunstância, a instituição se mostra implacável. Mas se de repente o suplicante já não precisa tanto assim do crédito, o dinheiro aparece milagrosamente e a juros menores. Se o governo não precisa tanto assim de superávit primário, a arma da chantagem vira de festim. E os políticos perdem a arrogância.

Depois do PIB, talvez Joaquim Levy consiga entrar amanhã mais altivo no recinto da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, à qual foi convocado para defender o seu ajuste fiscal. A correlação de forças pode ter mudado. Na semana passada, o ministro foi pedir ao PMDB que adiasse a votação final do indexador das dívidas dos Estados e Municípios. Conseguiu, mas em troca submeteu-se ao constrangimento de ter de apresentar amanhã à CAE um plano satisfatório para a convalidação dos incentivos no âmbito da guerra fiscal entre os entes federados. Na prática, recebeu um ultimato.

O mercado de câmbio já começou a preparar-se para conturbações políticas nesta semana encurtada pelo feriado da Sexta-feira Santa. O dólar encerrou na sexta-feira cotado a R$ 3,2405, em alta de 1,55%, na verdade um salto incompatível com o comportamento mais sossegado das demais moedas emergentes. Os puxadores de preço promoveram um elevado giro de negócios na BM&F, superior a US$ 2,4 bilhões, para se posicionarem num patamar mais alto visando novas decolagens a partir de quarta-feira, quando o mercado começa a trabalhar sem a ração diária de swaps cambiais do Banco Central. Não havia esta liberdade há um ano e sete meses. Quem precisar de contratos de hedge vai ter de buscar na BM&F e na Cetip.

Na agenda doméstica, o que pode mexer com os mercados de câmbio e juros são os resultados primário do governo central, que o Tesouro divulga hoje, e consolidado do setor público, a ser publicado amanhã pelo BC, ambos relativos a fevereiro. O primeiro deve mostrar um déficit, estimado pelos analistas entre R$ 3,9 bilhões e R$ 5,2 bilhões. E o segundo, um pequeno superávit. Tais números, se ampliam a necessidade do ajuste fiscal, fragilizam a posição do governo na mesa de negociações com o Congresso. Na agenda americana haverá farto material para agitações. Na sexta-feira, sai o “payroll” — relatório oficial do mercado de trabalho — de março. O mercado de “treasuries”, sempre interessado em juros maiores, costuma agigantar seu otimismo nos dias que precedem a edição do relatório. Nada menos do que sete dirigentes do Federal Reserve (Fed) discursarão esta semana, dentre os quais quatro falcões.

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