Por diana.dantas

Precocemente envelhecida, a ata do Federal Reserve (Fed), divulgada às 15 horas de ontem, não alterou as rotas dos mercados de câmbio e juros futuros. O documento se refere ao encontro do dia 18 do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc). De lá para cá, apenas 14 dias úteis, os EUA mudaram e para pior, o dólar fortaleceu-se mais um pouco e o mercado de trabalho debilitou-se. Se a ata fosse redigida hoje, não seria tão numerosa a ala dos integrantes do comitê que via a possibilidade de elevação do juro básico em junho. Cresceria a corrente que só consegue enxergar esse momento de binóculo. O mercado secundário de “treasuries” não deu importância ao texto e a taxa do título de 10 anos, que de manhã havia subido de 1,89% para 1,92%, voltou ao patamar de partida. O pregão americano deu sinal verde ao prosseguimento das vendas de dólares no mercado nacional.

Com aval externo, o câmbio pode exibir seu alívio com o que parece ser um grande passo dado pelo governo para apaziguar o seu aliado, o PMDB. O dólar afundou ontem principalmente por causa das novas atribuições do vice-presidente Michel Temer. Erigido coordenador-mor dos interesses políticos do governo, Temer já conseguiu durante reunião com líderes de partidos da base de sustentação colher assinaturas em documento de apoio às medidas de ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy. No seu primeiro dia de trabalho nas novas funções, ainda sem equipe montada, já logrou firmar um acordo por escrito. Os presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, têm agora um oponente astuto da mesma estatura política. Melhor ainda, do ponto de vista dos mercados, se os novos poderes de Temer enfraquecerem ainda mais os da presidente Dilma Rousseff. Aquilo que para os críticos da presidente pareceu um tiro no pé — ao extinguir o Ministério das Relações Internacionais e ao trazer a articulação política para o nível da vice-presidência, Temer tornou-se indemissível, ou seja, Dilma estaria refém agora de Calheiros, Cunha, Levy e Temer —, para o mercado foi um truque de mestre: Dilma se concentra nas áreas que rendem dividendos eleitorais, como a educação, o social e os direitos humanos, e repassa os abacaxis da economia e da política para os profissionais.

Tudo junto e misturado, os investidores decidiram realizar os lucros obtidos com a alta do dólar enquanto ainda há algum. Até porque não para de chegar investimento de fora. Em março, segundo dado divulgado ontem pelo Banco Central, o fluxo cambial foi positivo em US$ 2,003 bilhões graças à entrada líquida financeira de US$ 2,074 bilhões, já que a conta comercial foi deficitária em US$ 75 milhões. E, em abril, por causa da protelação indefinida do início do aperto monetário americano, o fluxo de entrada é maior ainda. O dólar tombou 2,48%, cotado a R$ 3,0563. Desde o ápice recente — os R$ 3,2965 do fechamento do dia 19 — a moeda já ruiu 7,29%. Já chegou ao fundo do poço? Depende dos próximos lances do embate político e do ingresso de novos capitais externos. Mas já há executivos defendendo que o BC deveria obstar a queda do dólar para aquém da linha de R$ 3,00. Basta, para tanto, diminuir a rolagem dos swaps cambiais que vencerão no dia 4 de maio. O raciocínio é de que não é hora de fazer política cambial com objetivos desinflacionários. A hora é de corrigir as distorções do passado.

O IPCA de março é um exemplo dessas distorções. O mais elevado em 20 anos considerando apenas os meses de março, desencadeou um carnaval tardio em certas mídias televisivas e virtuais. Os locutores esgoelaram a “disparada“ dos preços. Apesar da algaravia pró-crise, o que aconteceu com os juros futuros? Caíram. Na verdade, o IPCA do mês passado ecoa e aplaude o cenário que vem sendo descrito incansavelmente pelo Banco Central — o do declínio longo e persistente da inflação.

A rota descendente começa oficialmente neste mês de abril, mas já em março se pôde recolher indícios de que a inflação perde força. Para começar, aquela taxa mais alta em duas décadas foi menor que a prevista por quem, dentro das instituições, dedica-se em tempo integral a fazer prognósticos inflacionários. Na mediana, o mercado previa IPCA de 1,39%. Veio 1,32%.

Os especialistas apostavam num acumulado de 12 meses acima de 8,20%. Ficou em 8,13%. A aceleração de fevereiro para março foi mais branda do que a prevista. Por quê? A recessão já está atenuando o repasse aos preços da alta dos administrados. Em 12 meses, estes saltaram de 9,64% para 13,35%. Houve uma descompressão total e radical dos administrados. Nos três primeiros meses do segundo mandato, Dilma Rousseff aplicou a receita do “choque tarifário” defendida por Eduardo Gianetti da Fonseca, o guru econômico de Marina Silva, proposta que foi taxada durante a campanha eleitoral de irresponsável. Está havendo hoje justamente isso: um “choque de custos” que empobrece o consumidor e o faz rejeitar aumentos de preços em geral.

Desse IPCA de 1,32%, nada menos do que 0,71 ponto percentual veio da elevação da tarifa de energia elétrica. Se o governo ainda estivesse sentado em cima da conta de luz, subsidiando-a a ponto de quebrar o Tesouro Nacional, o IPCA teria sido de 0,61%. Não houve “disparada” alguma de preços. Ocorreu um choque tarifário. O que aconteceu com os preços livres em março, aqueles mais atingidos pelo aperto monetário do BC? Desaceleraram de 0,88% em fevereiro para 0,70%. E os temidos “serviços”, vilões históricos da inflação? Baixaram de 1,07% em fevereiro para 0,58% em março. No acumulado de 12 meses, os serviços recuaram de 8,74% em janeiro para 8,55% em fevereiro e agora para 8%. Não há “disparada” da inflação. A inflação desacelera, num típico movimento de desinflação.

Como as pessoas precisam comer, a alimentação segue seu curso infenso ao que se passa em torno. O item subiu de 0,81% para 1,17%, respondendo, sozinho, por 0,29 ponto percentual do IPCA. Juntos, energia elétrica e alimentos representaram um ponto percentual. Ou seja, expurgada como se faz nos EUA da volatilidade deformante de alimentação e energia, a alta do IPCA em março foi de 0,32%, ou 3,91% ao ano, abaixo do centro da meta de inflação. Os juros futuros só têm mesmo que cair. A taxa para janeiro de 2017 cedeu de 13,10% para 12,98%. E o DI onde se posicionam os estrangeiros, com vencimento em janeiro de 2021, tombou de 12,72% para 12,53%.

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