Por diana.dantas

Atribuir o declínio da economia dos EUA aos rigores do inverno equivale a tapar a neve com a peneira. Trata-se de um pouso forçado e abrupto: de um crescimento de 5% no terceiro trimestre de 2014, o PIB desceu para a altitude de 2,2% no quarto e agora, nos três primeiros meses de 2015, já resvala na pista. Plana a somente 0,2% dela. Está tudo em queda, consumo, investimentos, área externa e gastos públicos. E a inflação? Soterrada pela nevasca produzida pelo fortalecimento do dólar e pelo desabamento do petróleo. O deflator implícito do PIB ampliou sua deflação de 0,4% no quarto trimestre de 2014 para 2% no primeiro de 2015. O núcleo, expurgado de energia e alimentos, caiu de uma inflação de 1,1% para 0,9%.

Enquanto isso, o Federal Reserve (Fed) sopesa o tremendo abacaxi em suas mãos. Precisa reduzir o seu balanço — uma obesidade mórbida do tamanho de US$ 4,5 trilhões de ativos deglutidos em troca de três afrouxamentos quantitativos. A cirurgia bariátrica só é possível de ser realizada pelo bisturi da taxa básica de juros. Mas o paciente está fraco, locomove-se lentamente, e pode não resistir à operação, retornando à cama recessiva. O Fed finge que o quadro clínico não é tão grave assim, atribuindo a debilidade a “fatores transitórios”, e talvez haja condições de operá-lo em setembro. Em junho, seria muito perigoso.

Decepcionados e assustados com o resultado do PIB do primeiro trimestre, os financistas globais se livram do dólar e das “treasuries”. O primeiro caiu globalmente ontem quase 0,90%, medido pelo Dollar Index. E, como resultado da maior oferta de papéis, o rendimento da T-Note de 10 anos subiu de 2% para 2,05%. Resta procurar alternativas de investimento de curto prazo em outros lugares do mundo. Que tal no Brasil, um país sui generis que, embora atolado numa recessão, não para de subir o juro?

Entregue aos folguedos especulativos em torno dos contratos de cupom cambial e dólar futuro que vencem hoje na BM&F, o mercado de câmbio resistiu em aceitar o viés externo de pesada desvalorização do dólar resultante do apático desempenho EUA. Frente ao real, a moeda americana apresentou oscilações disparatadas — na mínima, caiu 0,93%, na máxima, subiu 0,80%, e fechou com valorização de 0,52%, cotada a R$ 2,9574. Além da voracidade dos jogos com derivativos, há outro motivo, bem doméstico, para o dólar desprezar aqui a tendência global, e ele não tem nada a ver com as dificuldades da Fazenda em promover o ajuste fiscal nem com a política monetária do BC.

O mercado cambial recusa-se a encostar o dólar mais perto do patamar de R$2,90 porque se dissemina a suposição de que o BC não quer uma cotação tão baixa. E que, para evitar a queda, irá anunciar em breve uma rolagem parcial dos swaps cambiais que irão vencer no início de junho.

Quando, no dia 24 de março, comunicou o fim do programa de intervenção cambial via colocação diária de novos contratos de swap, o BC informou adicionalmente que “os swaps cambiais vincendos a partir de 1º de maio de 2015 serão renovados integralmente, levando em consideração a demanda pelo instrumento e as condições de mercado”. Pelo menos este mês ele cumpriu o trato. Todo o lote de US$ 10,115 bilhões que expira na segunda-feira teve a sua liquidação final arremessada para o futuro. Mas ainda não se sabe o que fará com os US$ 9,656 bilhões que vencem dia 1º de junho. As “condições de mercado” salientadas por ele na nota podem ter mudado e os analistas já apostam que uma parte do lote não será renovada. Trata-se de uma forma muito eficiente para promover a sustentação de preço da moeda americana. Diante dessa desconfiança, quem tem dólar trata de preservá-lo em carteira.

O alegre desembaraço com o qual o BC vem subindo a Selic, apesar da recessão e do desemprego, indica que tentará evitar agora o clássico expediente de promover uma apreciação cambial para combater a inflação. Por si só, o aperto monetário, ao atrair levas febris de especuladores interessados em se aproveitar da generosidade monetária brasileira, provoca a valorização do real. Mas se o BC impedir por outros meios — menor oferta de swaps, controle de capitais via taxação e compra à vista de dólar — a apreciação cambial, retira dos especuladores uma importante fonte de ganhos extras, acima da Selic. A farra externa torna-se absoluta quando, associada ao juro elevadíssimo, ocorre simultaneamente uma desvalorização do dólar. O BC não pode agora, como já cansou de fazer no passado, usar o dólar para controlar a inflação por causa do desequilíbrio do balanço de pagamentos. E para compensar, via câmbio competitivo, a supressão dos incentivos alocados nas desonerações tributárias à produção.

Se não houvesse a suspeita de que o BC vai inibir a queda do dólar, a cotação já estaria agora testando a faixa de R$ 2,80. Isso porque o fluxo de entrada de capitais externos é torrencial. Na semana passada, a balança cambial fechou com superávit de US$ 1,086 bilhão, graças exclusivamente ao aporte líquido de US$ 1,459 bilhão pela conta financeira, já que a comercial foi negativa em US$ 374 milhões. O saldo da semana de 20 a 24 de abril elevou a US$ 5,496 bilhões o superávit acumulado no mês. Faltando contabilizar ainda quatro dias de abril, ele já é 174,4% superior ao total de ingressos ocorrido durante março inteiro, de US$ 2,003 bilhões. A maior parte do superávit do mês resulta da entrada líquida de US$ 4,881 bilhões registrada pela conta financeira. No acumulado do ano até o dia 24, a balança está positiva em US$ 10,26 bilhões, um saldo quase 182% maior do que o contabilizado em igual período do ano passado, de US$ 3,641 bilhões.

Em depoimento no Congresso, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, empregou ontem um tom que poderia, à primeira vista, ser considerado dramático. Se o legislativo não permitir que faça as correções necessárias na economia, o rebaixamento da nota soberana de crédito do país virá “a galope”. Exagero? Não se trata de mera pressão ou chantagem. Levy foi ao Congresso já ciente dos números que seriam divulgados pelo BC. O resultado primário do governo central em março foi de apenas R$ 1,46 bilhão, ante expectativa do mercado de R$ 3,2 bilhões. No acumulado do primeiro trimestre, o superávit alcançou R$ 4,485 bilhões, correspondendo a 0,32% do PIB. Em doze meses equivale a 0,49% do PIB. Levy se propõe a fazer no ano uma economia de R$ 55,2 bilhões, e nos três primeiros meses de sua gestão só guardou 8,13% disso. Ele sabe que está muito atrasado. Se não cumprir o prometido, o rating será cortado. E aqueles dólares que hoje sobram começarão a faltar mesmo se o Fed não enxergar condições para subir o juro. Diante disso, o BC vai ter de elevar o juro real dos atuais 7% para uns 10% para convencer os especuladores a continuar aqui. Tal alta agrava a desaceleração econômica e reduz a arrecadação federal, aumentando a agonia de Levy. Não, o ministro não foi dramático.

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