Por diana.dantas

Um expressivo movimento de venda de títulos do Tesouro americano norteou o comportamento dos mercados financeiros do exterior e do Brasil ontem. O excesso de oferta fez o rendimento da T-Note de 10 anos saltar de 2,19% para 2,24%. A taxa desse papel, considerado o “benchmark” referencial de todos os ativos de investimento, vem subindo continuamente desde a sexta-feira dia 24, quando fechou a 1,91%. A principal motivação teórica para uma escalada deste gênero ocorre quando os grandes detentores do bônus percebem a possibilidade de um aperto na política monetária americana. Nesses momentos, vendem títulos com rendimentos mais baixos, realizam o lucro, e esperam, posicionados em dólar “cash”, o melhor momento para retornar às “treasuries”. Mas este é um período inadequado ao início de uma precificação de uma alta da taxa básica de juros dos EUA.

Nas últimas semanas, a economia americana vem, com exceções pontuais que não alteram o quadro, aglomerando uma impressionante pilha de indicadores decepcionantes. Ontem surgiu mais um, e logo de uma área crucial para a política monetária do Federal Reserve (Fed), a do mercado de trabalho. A ADP, empresa especializada no processamento de folhas de pagamento do setor privado, fechou sua pesquisa concernente a abril. E ela, um “proxy” confiável do “payroll” – o relatório oficial de empregos elaborado pelo governo com a inclusão do setor público que sai amanhã – veio bem ruim. Foram criadas 169 mil vagas no mês passado, um saldo que foi menor que o de março (175 mil) e inferior às projeções dos analistas (205 mil). A visão de que o Fed não terá nenhuma pressa em aumentar a taxa básica foi reconfirmada por declarações feitas ontem pela “chair” Janet Yellen enaltecendo a “estabilização financeira” alcançada pela atual política acomodatícia do Fed.

Então por que a “treasury” de 10 anos está disparando? Os analistas não conseguem chegar a um acordo. Para uma ala, pode estar havendo alguma movimentação de bancos centrais cujas reservas estão concentradas em títulos do Tesouro americano. A ideia seria diversificar o investimento já que vai demorar até o Fed alterar seu tom “dovish”. Para outra, a queda tem a ver com a bolha especulativa do mercado de ações global. Em todo lugar, as bolsas recebem muito dinheiro. A Bovespa não é exceção. Em abril, entrou de fora liquidamente o equivalente a R$ 7,6 bilhões, o maior ingresso em dois anos. Os investidores saem dos bônus americanos e se arriscam no mercado acionário. Yellen reafirmou ontem a posição oficial do Fed de que, embora possam ser detectadas precificações exageradas, não se registra uma bolha clássica e preocupante. Mas só a insinuação de que há preços inflados artificialmente já foi suficiente para deprimir Wall Street ontem. O Dow Jones fechou em baixa de 0,48%.

O efeito sobre o Brasil dessa migração de capitais pesados dos EUA para os ativos de risco pode ser constatado pela balança cambial de abril. O Banco Central divulgou ontem os dados consolidados do mês passado, e o ingresso de capitais estrangeiros foi impressionante, mais do que justificando a sua decisão de não rolar 20% do volume de swaps cambiais que irão vencer no início de junho. Diante da exuberância do fluxo, o corte de 20% parece até conservador demais. Em abril, entraram liquidamente no país US$ 13,11 bilhões, o melhor saldo mensal desde julho de 2011, quando o ingresso totalizou US$ 15,83 bilhões. Pela conta financeira, o superávit foi de US$ 9,995 bilhões e, pela comercial, de US$ 3,112 bilhões. No acumulado do ano, a balança cambial registra superávit de US$ 17,87 bilhões — 3,7 vezes mais do que entrou em igual período do ano passado. Desses US$ 17,87 bilhões, 81% foram aportes de capital financeiro.

Sim, o Brasil pratica a maior taxa real de juros do mundo, mas enfrenta uma severa estagflação e resistência política para a implantação voluntária de uma política econômica ortodoxa. Mas acaba recebendo uma fatia dos capitais especulativos em diversificação. Trata-se de uma gota da oceânica liquidez global. O principal entrave à entrada foi removido: o dólar parou de disparar frente ao real. No patamar de R$ 3,00, o risco de avançar mais e engolir a rentabilidade paga pela Selic é bem menor. Tanto que, na semana passada, o Copom nem precisaria ter subido a taxa de 12,75% para 13,25% para continuar atraindo esse tipo de investidor.

A contraparte da disparada das “treasuries” é a queda global do dólar. A moeda chegou a desvalorizar-se ontem 1,28% frente a um seleto grupo de divisas mundiais, segundo o índice DXY. É muita coisa para um dia só, maior do que a inflação anual (o núcleo do PCE, índice utilizado como deflator do PIB americano, subiu 0,9% anual nas contas do primeiro trimestre). Contra o real, não foi diferente. A moeda perdeu 0,72%, vendida a R$ 3,0466. O mercado doméstico de câmbio persistiu vendedor de moeda americana apesar da nova rebelião do PMDB. O principal partido da base aliada ameaçou rejeitar o ajuste fiscal do ministro Joaquim Levy como represália às críticas petistas à aprovação pela Câmara do projeto da terceirização. O mercado relativizou a questão por entender que se trata de vendeta pessoal do presidente da Câmara Eduardo Cunha, acossado em seus domínios pelo procurador-geral Ricardo Janot. Se for isso, há possibilidade de rápida recomposição. O diagnóstico do câmbio estava correto. Uma hora depois do fechamento do mercado já havia entendimento para a aprovação da MP 665, a que flexibiliza direitos trabalhistas.

O dia de intensas negociações no Congresso em torno das MPs do ajuste fiscal sensibilizou o pregão de juros futuros da BM&F. O raciocínio das instituições não foi nada complexo: se Levy não conseguir fazer todas as correções pretendidas, a missão de restaurar a credibilidade terá de ser cumprida prioritariamente pelo BC. Sinônimo de mais aperto monetário. E o contrato longo que mais capta a percepção de risco, com vencimento em janeiro de 2021, subiu de 12,87% para 12,91%.

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