Para ficar apenas nos primeiros meses da gestão de Joaquim Levy na Fazenda, de janeiro a abril a taxa Selic subiu 1,5 ponto, de 11,75% para 13,25%. Como cada ponto de alta do juro básico corresponde, por baixo, a um acréscimo de R$ 20 bilhões no custo de carregamento da dívida mobiliária federal, a austeridade do Banco Central aumentou em R$ 30 bilhões os gastos do Tesouro Nacional.
O superávit primário é a economia que o governo faz para pagar juros da dívida. O BC, em quatro meses, engordou a conta de juros em quase a metade do valor que a Fazenda pretende, a duras penas, economizar durante todo o ano. O desgastante processo político para aprovação de apenas uma das MPs do ajuste fiscal, a 664, a que restringe seguro-desemprego e abono salarial, visou cortar gastos de R$ 18 bilhões. O que o governo economiza de um lado, o BC esbanja de outro. Parece uma sitcom nonsense: enquanto corta impregada, faxineira, jardineiro e motorista, o patrão expande o limite do cartão de crédito da madame.
As duas políticas, a fiscal e a monetária, caminham no mesmo sentido: derrubar a atividade econômica. Querem restabelecer a confiança da sociedade no governo por meio da recessão. Mas a prodigalidade da segunda solapa a sovinice da primeira. Enquanto a mão fiscal atua para diminuir despesas e investimentos e aumentar receitas, a monetária age para ampliar os gastos com o pagamento de juros. Quanto mais o BC gastar, mais a Fazenda terá de economizar. Esta tarefa se torna cada vez mais complicada porque, em sua cruzada desinflacionaria, o “vigilante monetário”, ao pisar impiedosamente em uma economia já no chão, reduz a capacidade de arrecadação da Fazenda. As políticas caminham juntas, mas não se falam nem se tocam.
Se o BC só parar de subir a Selic quando ela chegar em 14%, como desconfia o mercado, o custo da política monetária no ano se elevará para R$ 45 bilhões. Se o objetivo da Fazenda for o de estabilizar a dívida bruta como proporção do PIB, ao invés dos pretendidos R$ 66 bilhões terá de economizar R$ 111 bilhões. Simplesmente não dá. O quadro sobre o qual irão se debruçar as agências de rating: desemprego de 8%, recessão de 1,1%, IPCA em queda de 8,26% este ano para 5,6% no próximo (projeções Focus), pequeno superávit primário e dívida bruta em alta. Ou seja, o país estará mais endividado e com menor capacidade de saldar a dívida porque cresce menos. Mas o grau de investimento será mantido, uma vez que as políticas são ortodoxas, justamente as que as classificadoras recomendam.
O BC endureceu o tom “hawkish” da sua comunicação para operar as expectativas do mercado. A garantia de que o aperto monetário prosseguirá visa quebrar a relutância dos analistas em aceitar o sinal de que o IPCA estará perto de 4,5% no “final de 2016”, como atesta a última ata do Copom. A pesquisa Focus está há cinco semanas projetando inflação de 5,6% no ano que vem. Há grande interesse em se saber se a edição que será publicada hoje no site do BC trará um prognóstico mais baixo, alinhado com a firmeza conservadora da ata divulgada na quinta-feira. Em sua tentativa de trazer os economistas do mercado para o seu lado, pode estar gastando munição à toa. Pode estar exagerando no arrocho monetário para nada. O IPCA de abril, divulgado na sexta-feira, mostrou que a inflação segue o curso cadente já conhecido antes do Copom linha-dura.
O mercado sabia que o índice oficial de inflação iria sofrer um tombo na passagem de março para abril. Desacelerou de 1,32% para 0,71%, mais até do que o previsto (0,75%). Os vilões da corcova inflacionária do primeiro trimestre estão dando tchau. Combustíveis e energia recuaram de 16,37% para 1,24%. As pressões são agora aquelas velhas conhecidas vindas de alimentos e serviços. O IPCA vai continuar caindo. O Focus prevê 0,50% neste mês de maio. E vai ruir no início de 2016 quando for feito o descarte estatístico das pesadas taxas dos três primeiros meses de 2015.
O último bastião inflacionário — a taxa de câmbio – começa a vergar. Na sexta—feira, o mercado secundário de títulos do Tesouro americano praticamente deu adeus à esperança de alta da taxa básica de juros dos EUA ainda este ano. Depois de publicado o relatório oficial de emprego referente a abril, a taxa da T-Note de 10 anos caiu de 2,18% para 2,12%. O mercado futuro de juros americano desenha agora uma curva que traça possibilidade zero de a taxa básica subir na reunião de junho do Federal Reserve (Fed) e, para setembro, o risco é de apenas 20%. No mês passado, foram criadas 223 mil vagas, ante projeção dos analistas de 228 mil. E o número relativo a março foi revisto de baixos 126 mil para irrisórios 85 mil. A economia está conseguindo gerar empregos em quantidade razoável, não é o caso de se temer uma recessão, mas também não exige um aperto monetário. Ou seja, o Fed nem precisará aumentar seus estímulos monetários nem cortar os já existentes. Trata-se do paraíso para o investidor global que aprecia um mar de liquidez barata. O dólar caiu na sexta-feira 1,45%, fechando a R$ 2,9835. Se o BC não restringir ainda mais a oferta de swaps cambiais para a rolagem dos que irão vencer, a moeda tende a buscar os R$ 2,90. O vigilante monetário está com a viatura cambial nas mãos. Com o dólar abaixo de R$ 3,00, o script para o IPCA já está decorado. Dólar, “treasuries” e IPCA em queda forçaram o DI futuro a desembutir prêmios espaventosos. A taxa para janeiro de 2017 recuou de 13,63% para 13,52%. E o contrato para janeiro de 2021 caiu de 12,86% para 12,68%.
Subir a Selic dos atuais 13,25% para 14%, como sinalizou a última ata, será apenas uma demonstração de força desnecessária. Precisa doravante pensar mais nas consequências fiscais de suas ações monetárias. Para escândalo dos puristas, uma fatia menos barulhenta de analistas já diz que o BC está indo longe demais. O momento é de juntar as mãos com a política fiscal.