Por diana.dantas

Os dados divulgados ontem sobre o desempenho das contas públicas no ano mostraram que a Fazenda e o Banco Central estão no leme de uma canoa furadíssima. O BC já ensaia pular fora dela. O diretor de Assuntos Internacionais, Tony Volpon, com credenciais insuspeitas angariadas nas mesas de operações da banca privada, foi justamente por isso escalado para providenciar os coletes salva-vidas. Ao garantir que a perseguição da meta de 4,5% para 2016 não é “mecânica”, que o BC poderia dar o seu trabalho por terminado quando a meta estiver “satisfatoriamente assegurada”, Volpon edulcorou consideravelmente o sinal de que o Copom só iria parar de subir a Selic quando as projeções de IPCA para 2016 se ajustassem perfeitamente ao figurino exíguo dos 4,5%. A modelagem já não é mais tão justa assim. Qual o tamanho dessa meta “satisfatoriamente assegurada”? O diretor não disse. Pode ser os 4,8% projetados pelo último Relatório de Inflação (RI)? Embora ele tenha descartado uma “guinada de 180 graus” na política monetária, o discurso mudou. O BC não é mais obstinadamente inflexível no cumprimento do seu mandato. Pode estar havendo uma guinadinha de 90 graus.

Foi por esta razão que o contrato de juro futuro negociado na BM&F com vencimento em janeiro de 2017 — ou seja, aquele ao qual é confiada a missão de prever como poderá ser a política monetária no ano que vem — cedeu de 14,02% para 13,94%. A visão de uma política monetária mais branda se estende também ao longo prazo. Tanto é que o DI para janeiro de 2021 recuou de 12,73% para 12,68%. Já não era sem tempo. Os números sobre as contas públicas acenderam um farol vermelho piscante acompanhado de sirene estridente. Com o encerramento do semestre ontem, a nova gestão ortodoxa da economia comemorou seis meses. O que ela tem a mostrar?

Sob a administração desenvolvimentista de Guido Mantega, 2014 fechou com um déficit primário equivalente a 0,59%. Nos 12 meses terminados em maio, o déficit subiu para 0,68%. Nos cinco primeiros meses do ano só o pagamento de juros da dívida consumiu R$ 198,6 bilhões e o que foi economizado no período para tanto alcançou R$ 25,55 bilhões. O governo economizou apenas 12,87% do gasto com os juros. Em abril, a conta de juros representava 6,7% do PIB, em maio 7,22%. Nitroglicerina pura, a dívida pública corre aceleradamente rumo a um paiol de pólvora. As duas pontas da política econômica estão erradas: o ajuste fiscal é insuficiente para arcar com o aumento explosivo da dívida derivado da política monetária de aperto do BC. Se as trajetórias não forem revertidas será inevitável o rebaixamento da nota de crédito do país para a categoria de grau especulativo. Tal rebaixamento significa mais recessão, menos arrecadação e menor superávit fiscal. A prioridade máxima hoje conferida ao cumprimento no curto prazo da meta central de inflação é um equívoco histórico e desastroso.

O BC parece ter acordado para esta realidade. O novo sinal da autoridade é duplo: pode nem chegar ao topo até então desenhado para a Selic — 14,50%, ápice que seria alcançado por meio de nova alta de 0,50 ponto no Copom do dia 29 e outra de 0,25 na reunião de 2 de setembro — e também pode fazer cortes mais pronunciados quando a taxa básica começar o ciclo de queda no ano que vem. Trata-se da volta à racionalidade monetária. O resgate do juízo não significa que logo o país deixará de ocupar a liderança do ranking dos maiores pagadores de juro real do mundo. Os investidores estrangeiros contam com isso. E não se abalaram com o novo tom “dovish” do BC. A rentabilidade paga pelos títulos brasileiros persistirá incomparável por um bom período.

Essa atratividade estimula a manutenção das posições “vendidas” em derivativos cambiais na BM&F. O dólar cai frente ao real mesmo diante das incertezas suscitadas pela crise grega e pela ameaça de estouro da bolha acionária chinesa. O dólar fechou ontem em queda de 0,34%, cotado a R$ 3,1089. O câmbio não se abalou com a intenção do BC de rolar este mês 69,84% do lote de US$ 10,675 bilhões em swaps cambiais que vencerá no dia 3 de agosto. Os investidores temiam a ampliação dos resgates líquidos desses contratos por onerarem a dívida pública. No acumulado do ano até maio, a operação com swaps redundou em prejuízo de R$ 41,2 bilhões. Mas o BC sinaliza que manterá este mês a mesma fatia de renovação feita em junho. Trata-se de indicação de que a autoridade se sente muito confortável com o dólar em torno de R$ 3,10.

Será mais fácil assegurar satisfatoriamente a meta de inflação de 2016 se a moeda americana se estabilizar nesse patamar. O BC também não se anima em aumentar a quantidade de swaps que levará ao resgate porque, ao contrário do ocorrido em maio, em junho o estoque desses papéis lhe proporcionou um ganho contábil. O BC é o principal “vendido” do mercado, com uma posição de US$ 110,82 bilhões, e lucrou com a queda de 2,46% registrada pelo dólar no mês passado. Os bancos nacionais, os mais volumosos “vendidos” privados em derivativos cambiais, não contabilizaram ganho algum pois são os maiores compradores de swaps cambiais. Uma posição neutralizou a outra. No primeiro semestre do ano, o lucro auferido pelas posições “compradas” foi fabuloso, de 16,93%. Essa depreciação cambial tem impacto direto ao longo de um ano, se a contração econômica deixar, de 0,85 ponto no IPCA.

O império cambial dos “vendidos” será posto à prova nos próximos dias. Com a rejeição pela Comissão Europeia do plano de resgate proposto ontem pelos dirigentes gregos, a situação se encaminha para o confronto final desejado pela Troika. Ele será travado no domingo. Se o “sim” vencer, a opção política será a saída do Syriza do poder, abrindo espaço para a volta de partidos centristas pró-euro. Com sua intransigência, a Troika parece estar usando a Grécia como exemplo do que pode acontecer a outros países da eurolândia se resolverem se rebelar contra a austeridade.

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