Por diana.dantas

Foco central das tensões globais nas últimas semanas, as crises da Grécia e da China entram na fase da resolução satisfatória. Como o medo da ruptura venceu a esperança de uma redução da dívida, o governo grego rendeu-se incondicionalmente às exigências dos credores. O mercado considera uma mera formalidade a aprovação dos termos do terceiro programa de salvamento do país, que vai liberar socorro de 86 bilhões de euros, tanto pelo parlamento grego quanto pelo dos demais países da eurolândia. A frustrada rebelião grega contra a austeridade é uma página virada. E o governo chinês conseguiu limitar os efeitos do estouro do mercado de ações. Shangai deu prosseguimento à onda de alta que se seguiu à avalanche de medidas destinadas a sustentar o mercado, avançando 2,41% na segunda-feira e puxando consigo Hong Kong (+1,3%), Tóquio (+1,57%) e Seul (+1,49%).

Após uma abertura vacilante, o dólar firmou tendência de queda e fechou cotado a R$ 3,1308, em desvalorização de 0,96%. Só não caiu mais porque a atenuação das crises grega e chinesa põe para escanteio um dos fatores que poderiam levar o Federal Reserve (Fed) a protelar o momento de alta da taxa básica americana. A cautela demonstrada pela presidente Janet Yellen em pronunciamento feito na sexta-feira denunciava a preocupação com os possíveis e desconhecidos efeitos que ambas poderiam ter sobre a recuperação econômica dos EUA. Afastado esse perigo, o Fed pode voltar a concentrar-se no próprio umbigo. Ou seja, a decisão sobre quando subir o juro dependerá exclusivamente dos indicadores americanos. Com as crises gregas e chinesas deslocadas para as penumbras do palco, por contraste fica realçado de novo aquele ponto que sempre enfeixou a maior angústia dos investidores: a chamada eufemisticamente “normalização” das condições monetárias americanas. Saem de cena as dificuldades no segundo maior bloco econômico do mundo (a Zona do Euro) e no terceiro (a China), e ganham magnitude as mudanças no primeiro, os EUA.

Não é o caso, portanto, para se comemorar muito nem a capitulação da Grécia nem a truculência chinesa. Com o Fed livre de constrangimentos externos, as defesas devem ser até aumentadas. Foi o que fez ontem o mercado futuro de juros da BM&F. Os contratos de DI de prazo mais curto subiram, esnobando o declínio do dólar, por causa de um suposto contrassinal surgido no fim de semana. A taxa para a virada do ano avançou de 14,02% para 14,04%. Até sexta-feira prevaleceu a indicação de que o Banco Central estaria propenso a encerrar o ciclo de alta da taxa Selic na próxima reunião do Copom, dia 29, com uma elevação derradeira de 0,50 ponto. A taxa alcançaria 14,25% e seria congelada nesse patamar.

Dos jornalistas que acompanharam a viagem da presidente Dilma Rousseff veio, porém, a informação de que o objetivo do governo é ancorar a expectativa de IPCA para 2016 exatamente no centro da meta de 4,5% antes de o Fed iniciar a alta da “fed fund rate”. Tal elevação deve acontecer, no mais tardar, no primeiro trimestre do ano que vem. E o mercado, pesquisado pelo Focus, só vê a inflação no centro da meta a partir de 2017. Para o ano que vem, o máximo que os economistas concedem é reduzir a projeção de 5,45% para 5,44%, como fizeram na semana passada e consignaram na edição divulgada ontem do Focus.

Mas, de qualquer forma, estava de volta o “guidance” anterior de que o Copom só vai parar de subir a Selic quando a ancoragem estiver perfeita. As instituições retornaram às suas planilhas e concluíram que, para isso, o juro básico terá de ir além de 15%. Tais exercícios de ancoragem são fúteis e ilusórios. A continha que conduz à conclusão de que uma Selic de 15,5% será capaz de baixar a inflação para 4,5% às custas de abortar o crescimento do PIB de 0,5% previsto para 2016 pressupõe um câmbio acomodado. Mas nada garante que o dólar não irá disparar quando o Fed partir para a ação efetiva.

Dependendo do grau de depreciação do câmbio, os modelos caem por terra. Um dado é claro e independe do comportamento do câmbio: se o BC puxar a Selic dos atuais 13,75% para 15,5%, vai aumentar a despesa com os juros da dívida em R$ 35 bilhões. Irá expandir o déficit nominal das contas públicas e exigir um aumento da meta de superávit primário apenas para evitar um agravamento da relação entre dívida bruta e PIB.

Por essa razão, não traz alívio a afirmação do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, de que a manutenção da meta de superávit primário de 1,1% do PIB ainda é uma “hipótese factível”. O ministro ainda confia nas “receitas extraordinárias”, que, este ano, se tudo der certo, podem superar a R$ 50 bilhões. Mas o 1,1% pode ser “factível” nominalmente — estruturalmente, o superávit será de péssima qualidade — com Selic a 13,75% ou 14%. E se a taxa for a 15,5%? O ministro talvez tenha somente tentado aplacar a ansiedade do mercado em relação a um suposto eminente rebaixamento da meta. Se isto acontecer, não será esta semana. Talvez na próxima, quando o governo fizer a divulgação do relatório bimestral de receitas e despesas.

Para que o alvo se torne “factível”, não basta passar um “pente fino” nas despesas, nem subir um imposto aqui ou ali. O país teria de voltar a crescer rapidamente. Não dá para fazer isso quando a ameaça é de elevar a Selic até 15,5% para colocar uma âncora no IPCA — uma âncora que será varrida sem cerimônia pelo dólar se o “lift-off” americano for malconduzido.

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