Desvinculados da calmaria externa, os mercados de câmbio e juros futuros se estressaram mais um pouco ontem. O dólar ampliou o movimento de alta no início da tarde após o anúncio de abertura de inquérito no Ministério Público Federal de Brasília para investigar suposto tráfico internacional de influência do ex-presidente Lula em favor da Odebrecht. A moeda fechou em alta de 0,71%, cotada a R$ 3,1582. As taxas dos contratos futuros subiram na BM&F sem que houvesse de mudança nas expectativas para a reunião do Copom do Banco Central do dia 29. O mercado mantém a projeção de que o Comitê irá fazer daqui a duas semanas a última alta da Selic do longo ciclo de aperto iniciado há mais de dois anos. E a curva futura inclina-se mais para a hipótese de o avanço derradeiro ser de 0,25 ponto, com a taxa básica indo a 14%. Os DIs futuros subiram porque investidores exigiram prêmios maiores para carregar posições prefixadas em face do acirramento da oposição legislativa às medidas do governo destinadas a equilibrar a economia.
O café da manhã do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, com jornalistas desencadeou a busca por prêmios. Os tesoureiros se assustaram com a desenvoltura com a qual foram tratados assuntos graves, como a análise de pedido para abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o fim da aliança do PMDB com o PT e a certeza de que o Congresso voltará do recesso mais endurecido e disposto a brigas. A taxa do contrato com vencimento em janeiro de 2017 chegou a subir de 13,54% para 13,63%, e só fechou a 13,56% depois que surgiram trechos da delação premiada de Júlio Camargo nos quais informa pedido de propina de US$ 5 milhões a Cunha.
O Congresso finaliza hoje os trabalhos da primeira metade do ano radicalizando a propensão a rechaçar toda e qualquer matéria que seja do interesse do Executivo. A atmosfera de confronto se satura no momento em que uma missão técnica da Moody’s visita o país para avaliar progressos, fracassos e rumos da política econômica. Para desânimo dos investidores, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy — o homem forte da economia, que assumiu com amplos poderes e total respaldo das instituições do mercado, entre as quais se perfilam as agências internacionais de classificação de risco —, não consegue mais ganhar nenhuma batalha com os congressistas. A sua posição, estranha a um ministro da Fazenda, de negociador de medidas econômicas junto ao legislativo se enfraquece sem que o seu lugar seja ocupado por líderes de outras instâncias. Mesmo medidas consideradas tecnicamente positivas — como a reforma do ICMs e a repatriação de recursos — são menosprezadas e lançadas na vala comum das propostas previamente rejeitáveis em nome da política de repúdio à presidente Dilma. Se com um Levy forte o ajuste fiscal já era tido como difícil e insuficiente, a sua recente debilidade aponta para um futuro sombrio.
Na esfera estritamente econômica, quem pode ocupar o vácuo aberto pela fraqueza da Fazenda? Resta apenas o BC. Mas o BC já fez tudo ao seu alcance para restaurar a credibilidade monetária. Os indicadores mais recentes sobre atividade — vendas varejistas, arrecadação federal e renda de serviços — mostram um aprofundamento da recessão. A atividade desacelera-se com intensidade mais acentuada do que a antevista pelos modelos econométricos dos departamentos econômicos dos bancos. Não há mais como ampliar o aperto monetário. Já esticada ao máximo, a corda corre o risco de arrebentar. Uma política monetária só é crível e merecedora de confiança quando racional. O exagero praticado em nome da credibilidade tem o efeito oposto, o de realçar o aspecto irracional e doentio. Se a Fazenda vai depender cada vez mais das receitas extraordinárias para obter algum superávit primário — algo entre 0,6% e 0,8% do PIB — o mínimo que o BC deve fazer é não exercer mais pressão sobre a dívida pública por meio do rigor monetário.
A expectativa é de que o BC usará as duas próximas semanas para consolidar a alteração já esboçada em seus “guidances” de política monetária. Expressões como “vigilância”, “determinação” e “perseverança” tenderão a ser relativizadas e o seu alcance alargado para horizontes temporais mais amplos. Se o BC basear-se estritamente nas projeções de IPCA do Focus para os próximos dois anos – 5,44% para 2016 e 4,5% para 2017 — poderá constatar o fato de que está havendo efetivamente a convergência das expectativas para o centro da meta. O esforço de desinflação foi concluído com êxito. Até porque uma Selic de 14% congelada por um ano — ao magnificar a “distensão” do mercado de trabalho, a diminuição da renda e a contração do crédito — já poderá ser capaz de produzir um IPCA abaixo de 5% no ano que vem.
Os mercados de câmbio e juros se agitaram ontem exclusivamente por conta dos acontecimentos domésticos, pois externamente o ambiente favoreceu o apetite por risco. As bolsas europeias comemoraram a aprovação pelo parlamento grego do terceiro programa de ajuda ao país. A vitória da austeridade foi completa e a União Europeia passou a temer menos o surgimento de novas dissidências à esquerda. O índice FTSEurofirst 300 fechou em alta de 1,4%. Em Frankfurt, o índice DAX avançou 1,53% e o CAC-40 parisiense subiu 1,47%. Mais cedo, a bolsa de Shangai já havia fechado em alta de 0,50% e a de Hong Kong com valorização de 0,45%. Nos EUA, os indicadores do dia foram mistos, ratificando a percepção dos analistas de que se houver alta dos juros básicos este ano será meramente simbólica. A taxa da T-Note de 10 anos fechou estável em 2,35%. Enquanto o índice de atividade industrial do Fed da Filadélfia caiu em julho mais do que o previsto — de 15,2 para 5,7, quando o mercado esperava queda para 12 —, os novos pedidos de auxílio-desemprego feitos na semana passada recuaram para 281 mil, número inferior ao prognóstico de 285 mil.