O Banco Central (BC) decidiu manter a taxa básica de juros da economia em 11%. Nove altas e 3,75 pontos percentuais depois, o Comitê de Política Monetária (Copom) interrompeu o ciclo de aperto iniciado em abril de 2013, encerrando assim a maior sequência de elevações na Selic desde 1996 — quando a taxa básica de juros passou a ser arbitrada pelo Copom —, igualada apenas por um período entre 2004 e 2005. A decisão, tomada de maneira unânime, já era esperada pelo mercado, após indicadores econômicos apresentarem um cenário mais amigável nas últimas semanas.
“Avaliando a evolução do cenário macroeconômico e as perspectivas para a inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, neste momento, manter a taxa Selic em 11,00% a.a., sem viés”, informou o BC no comunicado.
A notícia agradou o setor produtivo. Em nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) disse que "nos próximos meses ainda serão sentidos os efeitos defasados da política monetária sobre o crescimento econômico, após um ano de altas sucessivas da taxa Selic. Por isso, o Sistema FIRJAN entende que o fim do ciclo de aperto monetário foi uma decisão acertada."
Para Arnaldo Curvello, diretor de gestão de recursos da Ativa Corretora, a decisão do BC já era esperada. “O BC já havia deixado a porta bastante aberta para parar o ciclo desde a última reunião, indicando que os números da economia publicados nesse período determinariam a decisão sobre a Selic. Como os indicadores de inflação vieram até abaixo do esperado, encerrar o ciclo foi o caminho”, disse. “A estratégia usada pelo BC foi esperar para analisar o impacto represado das altas anteriores na economia”.
Nos últimos meses, alguns indicadores econômicos têm mostrado certo arrefecimento. Após surpreender negativamente no primeiro trimestre do ano, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vem se comportando melhor. Nos primeiros 15 dias de maio, o indicador subiu 0,58%, favorecido pelos preços de alimentos e das tarifas aéreas. Um mês antes, o IPCA da primeira quinzena havia avançado 0,78%, e fechou o período com alta de 0,67% — o maior para um mês de abril desde 2011.
Curvello acredita que os 3,75 pontos percentuais de alta não foram em vão. “O esforço de política monetária que poderia ser feito foi realizado de maneira razoável”, define. “Mas para a inflação convergir para o centro da meta de 4,5% o BC teria de patrocinar uma alta bem mais intensa. Algo que, na minha opinião, nem o governo tampouco o mercado gostariam que acontecesse”. O diretor da Ativa lembra que, enquanto o Copom elevava os juros, o Ministério da Fazenda expandia o crédito e os gastos públicos. “Não houve alinhamento de decisões. É lógico que elevar os juros continuaria a impactar os preços, mas seria melhor alinhar as políticas. No começo do ano, ao menos no discurso, essa tendência mudou e a Fazenda passou a remar para o mesmo lado”. Caso se confirme esse esforço, acredita Curvello, o aperto monetário feito pelo BC até agora talvez seja o suficiente para aproximar a inflação para o centro da meta num par de anos.
Apesar da desaceleração recente, a prévia da inflação oficial na primeira quinzena de maio, quando anualizada, atinge 6,31% até maio, contra 6,19% em abril, de acordo com os cálculos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que publica o indicador.
Marcio Garcia, professor do departamento de economia da PUC-Rio, não acha que o nível atual de inflação justifique a parada no ciclo. “Os indicadores que temos visto não me parecem suficientes para interromper o aperto. A inflação no setor de Serviços roda perto de 9%. Não vou acreditar que o cenário é bom só porque já esteve pior”.
O professor cita o mandato do BC para justificar sua posição. “Se a intenção dessa formação do BC é cumprir o que manda o regime de metas da inflação, teríamos 12 meses para aproximar o indicador do centro da meta. No atual cenário, conseguir esse resultado sem aumentar o juro é muito difícil”, disse Garcia. “Essa decisão de manter a Selic em 11% só pode nos indicar que o BC acredita ter feito o trabalho suficiente para trazer a inflação ao centro da meta”.
Garcia entende que o combate à inflação depende de outros fatores que não somente a ferramenta à mão do BC. “A autoridade monetária certamente pode alegar que o restante do governo estimula o aumento dos preços, deixando a questão fiscal pouco controlada”, pontua. A taxa de juros real de 4,25%, define o professor, é muito alta, como acontece historicamente. “É uma espécie de anomalia brasileira precisar de juros tão altos. E acho que o culpado disso é a política fiscal. Sem controlar esse aspecto, estamos condenados ao juro alto. O governo fornece mais de 60% do crédito na economia, contando aí os aportes do BNDES, e boa parte dele com taxas subsidiadas. Dessa forma, a eficácia do juro básico na economia não é tão contundente”, acredita Garcia, para quem a questão fiscal e parafiscal — empréstimos subsidiados — não muda até o fim do ano. “Oxalá 2015 traga novidades nesse aspecto”.
Um aspecto trazido pelos indicadores recentes, entretanto, tem sido tratado com atenção por Garcia. “Há um paradoxo atualmente. A atividade está fraca e o mercado de trabalho aquecido. Isso aparentemente é conflitante. Discutir se a atividade está fraca porque o juro está alto não deve ser a preocupação do BC, que tem como mandato a inflação, não o emprego.
Embora o desemprego tenha fechado abril em apenas 4,9%, um recorde para o mês, outros indicadores econômicos começam a ratear.
Os indícios de que o ciclo de altas acumulado desde abril de 2013 está fazendo efeito podem ser encontrados nos números da produção e do consumo. O Índice de Atividade Econômica medido pelo BC (IBC-Br) de março recuou 0,11% sobre fevereiro, quando o indicador já havia ficado praticamente estável.
As vendas no comércio varejista, também em março, caíram 0,5% no comparativo mensal, depois de ficarem estáveis em fevereiro e apresentarem alta de 0,4% em janeiro.
“Uma discussão que divide os economistas atualmente é se esse patamar de juros já é contracionista. Eu certamente estou no grupo dos que acreditam que sim”, disse Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, que recebeu bem a decisão de parada nos juros. “Não é supercontracionista, mas contrai a produção. Deixar os juros acima dos 11% poderia ser exagero na dose, colocando em risco o doente ao trazer consequências ainda mais contracionistas para uma economia que já está dando sinais de arrefecimento”.
Satisfeita com o atual nível dos juros, Zeina lembra que até mesmo o câmbio está colaborando para uma parada no ciclo, após nove altas. “O dólar ao redor de R$ 2,2, embora não seja o essencial, ajuda a conter a inflação. Em momentos que a pressão cambial foi muito grande, como no fim de 2013, o BC teve de levar em consideração para continuar o aperto monetário”.
A parada, de acordo com a economista-chefe da XP, ajudará a avaliar os efeitos acumulados pelo extenso ciclo terminado agora. Mas Zeina não desconsidera novas altas na Selic num futuro próximo caso a inflação não esteja convergindo.
Essa possibilidade, acredita Zeina, ficará mais distante se o restante da administração federal ajude no combate à inflação. “Na minha avaliação, o ideal é que o governo passe a tratar a questão fiscal para ajudar o BC no controle da inflação. Atuar nesse aspecto usando somente a ferramenta dos juros é muito doloroso. O parafiscal, do crédito dos bancos públicos, não deixa a política monetária atuar em sua plenitude.