Após 20 anos, o Talibã voltou ao poder no Afeganistão no último dia 15 de agostoAFP
O grupo, que comandou o Afeganistão de maneira brutal entre 1996 e 2001, retornou ao poder depois de uma ofensiva que, em questão de meses, colocou praticamente todos os distritos do país sob seu controle. Muitas vezes sem resistência das forças de segurança, treinadas e armadas pelos EUA ao longo de duas décadas, o grupo fundamentalista entrou na capital sem dificuldades, enquanto o presidente Ashraf Ghani fugia do país.
Nos dias seguintes, a prática contrariou as promessas, a começar pelas mulheres. Em meados de agosto, a milícia ordenou que as profissionais, com exceção do setor da saúde, não fossem trabalhar, citando “razões de segurança”. Diferentemente do que acontecia nos anos 1990, as mulheres por enquanto podem frequentar escolas e universidades, mas, nas salas de aula do ensino superior, os estudantes devem ser separados por gênero, incluindo com cortinas dividindo as salas de aula — o currículo também está sendo revisto. Além disso, integrantes do governo deposto e antigos rivais, a quem foi prometida anistia, estão sendo perseguidos.
O Gabinete de governo interino, anunciado há pouco mais de uma semana, não traz a prometida inclusão. Os ministros são em sua maioria membros da etnia majoritária pachto vindos da própria milícia ou de grupos aliados — é o caso de Sirajuddin Haqqani, que está à frente do Ministério do Interior e é procurado pelas autoridades dos EUA por terrorismo, com uma recompensa de US$ 10 milhões oferecida pelo Departamento de Estado.
O Ministério não traz representantes de minorias étnicas ou religiosas, e muito menos coloca mulheres em postos de comando, algo que o Talibã já anunciou que não fará mesmo no futuro. Essa ausência recebeu críticas até de países como o Irã que, embora rival histórico do Talibã, já havia acenado com relações com o novo governo.
"Certamente não é o governo inclusivo que a comunidade internacional e a República Islâmica do Irã esperavam ver", declarou o porta-voz da Chancelaria iraniana, Said Khatibzadeh, na segunda-feira. "Teremos que esperar para ver se o Talibã responde às demandas internacionais".
O Qatar, que sedia o escritório político do Talibã desde 2013 e foi um intermediário importante no processo da retirada dos estrangeiros, rejeitou um reconhecimento oficial, citando as questões sobre os direitos humanos, mas mantém diálogo direto com a milícia, incluindo sobre as operações do aeroporto de Cabul. O Paquistão, antigo aliado do Talibã, também tenta resolver velhas divergências antes de estabelecer laços formais com o país vizinho, muito embora já tenha enviado alimentos e doações para Cabul.
Nem a China, que já mantinha contatos com o Talibã pelo menos desde 2018, diz quando vai reconhecer o novo governo — mesmo assim, manteve sua embaixada em Cabul aberta e prometeu ajuda de US$ 31 milhões, dinheiro mais que necessário agora.
A já combalida economia afegã praticamente entrou em colapso depois que o grupo tomou o poder, quando vários setores paralisaram suas operações, e as novas autoridades se viram diante do congelamento das linhas de financiamento internacionais e do bloqueio de cerca de US$ 10 bilhões do Banco Central afegão em instituições financeiras nos EUA. Para tentar atender a necessidades urgentes, um grupo de países se comprometeu, em conferência na ONU na segunda-feira, a doar US$ 1 bilhão em assistência humanitária.
"O povo do Afeganistão precisa de uma linha de ajuda. Depois de décadas de guerra, sofrimento e insegurança, eles estão diante talvez de sua hora mais sombria. É hora de a comunidade internacional ficar ao seu lado", declarou o secretário-geral da ONU, António Guterres.
"Ajudamos os EUA até a retirada da última pessoa, mas infelizmente os EUA, em vez de agradecer, congelaram nossos ativos financeiros", declarou Muttaqi. "Os EUA são um grande país, deveriam ter uma grande paciência, nós precisamos ajudar uns aos outros."
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