Presidente da Rússia, Vladimir PutinAFP

Genebra - O presidente russo, Vladimir Putin, exerce uma "chantagem" nuclear para impedir o mundo de ajudar a Ucrânia, algo que é "muito perigoso" - denunciou Béatrice Fihn, diretora da Campanha Internacional pela Abolição de Armas Nucleares (ICAN, na sigla em inglês), ONG ganhadora do Prêmio Nobel.

"Penso que é um dos momentos mais assustadores em relação às armas nucleares", afirmou a diretora-executiva da ICAN, Béatrice Fihn, em entrevista à AFP.

Para esta sueca de 40 anos, o nível de ameaça nuclear nunca foi tão elevado e "é incrivelmente preocupante".

"É muito perigoso", considera Fihn, pois "não somente tem o objetivo de gerar medo no mundo inteiro, mas também impedir de ajudar a Ucrânia".

Alguns dias depois de ter lançado suas tropas contra a Ucrânia em 24 de fevereiro, o presidente russo pôs sua força de dissuasão nuclear em alerta.

Uma decisão "muito pouco habitual", sublinhou a diretora de Inteligência Nacional dos Estados Unidos, Avril Haynes, diante do Congresso americano, na terça (8), frisando que isso não ocorria "desde os anos 1960".

Terror
Para Fihn, Vladimir Putin mudou o paradigma da dissuasão. Onde o arsenal nuclear deveria impedir o conflito, a Rússia agora utiliza-o para propiciá-lo.

"A Rússia utiliza seu arsenal nuclear como chantagem para invadir a Ucrânia e para que ninguém possa intervir", declara Fihn.

Ela acrescenta que "a ameaça nuclear é, agora, utilizada de maneira muito maliciosa para invadir ilegalmente outro país que não está equipado com armas nucleares".

A diretora-executiva da ICAN acredita que é pouco provável, pelo menos no momento, que o presidente russo recorra às armas nucleares, ainda que "isso não deva ser descartado" e que "começamos a temer que ocorra", confessa.

"Mal-entendidos podem se amplificar muito rápido" e poderíamos terminar "no uso de arsenal nuclear por acidente", completou.

'Grito de alerta'
Esta crise pode servir de "grito de alerta" e estimular as potências nucleares a se desarmarem, sugeriu, reforçando que "não podemos deixar que países façam isso a outros pela única razão de que possuem armas nucleares".

A ICAN ganhou o Nobel da Paz por ter trabalhado a favor do Tratado de Proibição das Armas Nucleares, ratificado por 59 países, porém sem a participação das potências nucleares.

Fihn afirma que, desde a crise, o interesse pelo tratado cresceu. Ela destaca que mesmo países detentores de armas atômicas criticaram a postura de Putin.

"Penso que há uma brecha e que podemos começar a trabalhar no desarmamento", disse.

Além disso, propõe, quando terminar o conflito, a Rússia não deve ser autorizada a estocar seu arsenal.

"Deveriam fazer algo para que possa regressar à comunidade internacional e isso deveria ser o desarmamento nuclear", considerou.

Enquanto isso, Béatrice Fihn afirma que recebe muitas mensagens de pessoas preocupadas, com perguntas sobre como se deve abordar esse tema com seus filhos.

"Todo mundo está aterrorizado", diz Fihn, reconhecendo que a situação é dura para ela.

"Passei os últimos dez anos falando o que acontece quando uma arma nuclear é usada. O que acontece com os corpos e com as cidades" e "creio que é muito duro falar sobre isso agora", desabafou.