Autoridades iranianas afirmam que a jovem morreu por causas naturais, mas ativistas e o Alto Comissariado de Direitos Humanos contrariam a versãoReprodução/Internet

Irã - Uma mulher, de 22 anos, morreu na sexta-feira, 16, no Irã, após ser detida pela "polícia da moralidade" em Teerã, capital do país, acusada de "usar roupa inapropriada". A jovem, que usava o hijab — vestimenta típica local — foi encaminhada para a prisão na terça-feira, 13, porque teria deixado alguns fios de cabelo visíveis sob o lenço na cabeça. Ela ficou em coma e morreu três dias após ter sido hospitalizada.
Segundo autoridades iranianas, a jovem morreu por causas naturais, mas ativistas e o Alto Comissariado de Direitos Humanos afirmam que ela foi atingida violentamente na cabeça e jogada contra um veículo da polícia. As autoridades anunciaram que uma investigação foi aberta para apurar o caso, que gerou uma onda de protestos, iniciados logo depois do anúncio da morte.
Foram registradas manifestações em 15 cidades do país, mas o caso tem indignado o mundo. Segundo a televisão estatal, 17 pessoas, "incluindo manifestantes e policiais, morreram nos eventos dos últimos dias". O anúncio não revelou mais detalhes. As autoridades iranianas negaram qualquer envolvimento na morte das pessoas que participavam dos protestos.
A morte da jovem foi duramente criticada pelas Nações Unidas e por vários países — entre eles, Estados Unidos e França — além de diversas ONGs internacionais, que denunciaram a repressão "brutal" contra os manifestantes. Nesta quarta-feira, 21, o presidente americano Joe Biden, se manifestou, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York: "Estamos com os bravos cidadãos e bravas mulheres do Irã, que estão se manifestando agora para defender seus direitos mais básicos", declarou, após um discurso desafiador do presidente iraniano Ebrahim Raisi.
A Anistia Internacional denunciou o "uso ilegal de balas de borracha, balas letais, gás lacrimogêneo, jatos d'água e cassetetes para dispersar os manifestantes" na "repressão brutal". O balanço anterior divulgado pelas agências de notícias iranianas mencionava 11 mortos — sete manifestantes e quatro integrantes das forças de segurança.
A polícia moral é responsável por impor um código de vestimenta rígido para as mulheres iranianas que, segundo às regras locais, devem cobrir os cabelos e não têm o direito de usar peças curtas acima dos joelhos, calças apertadas ou jeans rasgados. 
Desde o início das manifestações, as conexões com a internet ficaram mais lentas e as informações circulavam com dificuldade no país. As autoridades iranianas bloquearam nesta quinta-feira, 22, o acesso ao Instagram e ao WhatsApp, após seis dias de protestos pela morte da jovem. "Por decisão das autoridades, não é mais possível acessar no Irã o Instagram desde esta quarta-feira à noite. O acesso ao WhatsApp também foi interrompido", anunciou a agência Fars.
A medida foi adotada por causa "das ações realizadas pelos contrarrevolucionários contra a segurança nacional por meio destas redes sociais", acrescentou a agência. Os aplicativos são os mais utilizados no Irã, após o bloqueio nos últimos anos de plataformas como YouTube, Facebook, Telegram, Twitter e Tiktok. Além disso, o acesso à internet é amplamente filtrado ou restrito pelas autoridades.
Mais protestos 
No sul do Irã, vídeos que aparentam ser de quarta-feira, 21, mostram os manifestantes queimando um grande retrato do general Qassem Soleimani, morto em um ataque americano no Iraque em janeiro de 2020. Em outros pontos do país, os manifestantes incendiaram viaturas policiais e gritaram frases contra o governo, segundo a agência Irna. A polícia respondeu novamente com gás lacrimogêneo e várias detenções.
Vídeos que mostram mulheres ateando fogo em seus véus viralizaram no país. "Não ao véu, não ao turbante, sim à liberdade e à igualdade", gritaram os manifestantes em Teerã, uma frase repetida em atos de solidariedade em Nova York ou Istambul. Mahtab, uma maquiadora de 22 anos com um véu laranja que revelava seus cabelos, declarou em Teerã que "o véu dever ser uma opção, não deve ser imposto"
Outras imagens mostram os manifestantes resistindo à forças de segurança, arrancando bombas de gás lacrimogêneo e tentando evitar as prisões. Segundo a agência de noticias oficial Irna — que reportou concentrações em cidades como Mashhad, Tabriz, Isfahan e Shiraz — pessoas que participavam do protesto lançaram pedras contra as autoridades policiais e incendiaram veículos da corporação. 
Os protestos chegaram a Qom, cidade natal do líder supremo do Irã, Ali Khamenei. Ele fez declarações nesta quarta-feira em Teerã, mas não falou sobre as manifestações.
Os movimentos representam um "abalo muito importante no Irã e uma crise social", declarou à AFP David Rigoulet-Roze, pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (IRIS), que tem sede na França. "É difícil saber qual será o resultado, mas existe uma desconexão entre as autoridades, com seu DNA da Revolução Islâmica de 1979, e uma sociedade cada vez mais secularizada", explicou David.
Ele acrescentou que "o que se coloca nas entrelinhas é todo um projeto social. E as autoridades demonstram dúvidas sobre como atuar frente a este movimento". Já o novo chanceler britânico, James Cleverly, disse nesta quarta-feira em entrevista à AFP que "outro caminho" é possível para os líderes iranianos.
O que diz o presidente
O presidente iraniano Ebrahim Raisi, sob pressão devido ao programa nuclear de seu país e à denúncia contra ele apresentada na Justiça de Nova York, denunciou a hipocrisia do Ocidente, na mesma tribuna da Assembleia Geral em que Biden se manifestou. A denúncia é referente ao papel de Raisi quando era juiz na repressão aos opositores do regime na década de 1980.
Ele acusou o Ocidente de usar padrões duplos em matéria de direitos humanos, devido a seu silêncio diante da morte de mulheres dos povos indígenas no Canadá e da repressão de Israel nos territórios palestinos ocupados.
 * Com informações da AFP