Primeira ministra da Itália, Giorgia Meloni AHMAD GHARABLI / AFP

Eles são náufragos, estão frágeis e desesperados. A odisseia de mil migrantes não terminou nesta segunda-feira (7) devido à decisão do governo de extrema-direita de Giorgia Meloni de autorizar o desembarque em Catânia, na Sicília, apenas de mulheres grávidas, crianças e pessoas "vulneráveis".
Três deles se jogaram no mar ao pular do navio humanitário Geo Barents atracado no porto siciliano, em um gesto de desespero após uma noite sem água, sem acesso a banheiros e na expectativa de sair do limbo jurídico em que se encontram.
Salvos pelas forças de ordem, foram colocados à disposição das autoridades, que evitam qualquer contato com a imprensa.
"Mas eles são todos vulneráveis. O náufrago é vulnerável em princípio. Eles viveram o horror. Eles estão traumatizados", resume Riccardo Gatti, chefe da organização de Socorro e Busca da Médicos Sem Fronteiras (MSF), responsável pelo Geo Barents.
Depois que o barco passou dias no mar, as autoridades permitiram no domingo que atracasse e deixaram desembarcar 357 pessoas consideradas "vulneráveis", mas outras 214 pessoas continuam a bordo.
"O estresse psicológico é grave, alto", conta Gatti, lamentando a nova decisão italiana que permite o desembarque "seletivo" de migrantes que fogem da pobreza e da guerra da África e da Ásia e os obriga a devolver o restante dos resgatados ao alto-mar.
Uma "seleção" desumana e implacável, como denunciou em declarações à imprensa o senador de esquerda Antonio Nicita, do partido Democrático.
Após uma inspeção controversa, várias centenas de mulheres grávidas, crianças e pessoas consideradas frágeis foram autorizadas a deixar o navio no domingo.
"Acho que o conceito de fragilidade deve ter o sentimento que merece (...) Essa interpretação dos padrões internacionais está fora da norma", protesta Gatti.
A situação é tensa. Dentro das embarcações reina o nervosismo, os ativistas tentam acalmar os ânimos porque "há muito sofrimento", lamentou Nicita após descer do navio.
"Muitas pessoas ficaram nuas na nossa frente para nos mostrar a infecção por sarna nas partes íntimas", contou o legislador, ao explicar que provavelmente evitam falar do contágio porque temem que nunca os deixem entrar na Europa.
A situação pode piorar ainda mais, já que três outros navios com mais de 800 imigrantes resgatados semanas atrás no mar continuam aguardando o sinal verde para entrar em um porto seguro na Grécia, Espanha, Malta ou Itália.
Entre eles o Ocean Viking, de bandeira norueguesa, da SOS Méditerranée, com outros 234 imigrantes a bordo, sendo 55 menores de idade, 43 deles desacompanhados, que permanece em águas internacionais, a poucos quilômetros do porto de Catânia.
"Eles foram resgatados há 20 dias no mar e estavam à deriva há vários dias. Estão desesperados. Contam horrores do que viveram", disse à AFP Francesco Creazzo, assessor de imprensa da SOS Mediterranée.
A ideia de submeter os migrantes a uma "inspeção" para verificar se podem desembarcar foi rechaçada pelo dirigente da MSF, que se nega a partir com 34 migrantes considerados idôneos.
"Uma equipe legal estuda os passos a seguir", explicou.
A nova política anti-imigração do governo de extrema-direita no poder desde o final de outubro tem como alvo as ONGs que resgatam migrantes no Mediterrâneo, por considerar suas embarcações como "navios piratas".
Dos barcos de ONGs que pediram para atracar em um porto seguro, dois puderam desembarcar: o "Humanity1", com 179 pessoas, das quais 155 desceram, e o "Geo Barents", da Médicos Sem Fronteiras, com 572 resgatados, dos quais 357 foram evacuados.
O alemão "Rise Above", com 93 passageiros, e o "Ocean Viking", com 234, esperam uma resposta.
Enquanto isso, o governo Meloni mantém seu duelo com as organizações humanitárias, seguindo a mesma política de fechamento de portos que foi promovida entre 2018 e 2019 pelo então ministro do Interior de extrema-direita Matteo Salvini, atual vice-presidente e ministro da Infraestrutura.
Nesta segunda, cerca de 20 ONGs fizeram um apelo urgente a facilitar o desembarque.
O texto, assinado por organizações como Oxfam France, Emmaus International, Médicos Sem Fronteiras e Human Rights Watch, entre outras, "exorta a Itália, Malta, os Estados europeus e a Comissão Europeia a facilitar um desembarque imediato, em um local seguro, a todas as pessoas resgatadas que atualmente estão bloqueadas".