Protestos foram esencadeados pela morte da jovem Mahsa Amini, detida por supostamente violar o rígido código de vestimenta do paísReprodução

O Irã anunciou neste domingo, 4, a dissolução da polícia da moralidade após quase três meses de protestos desencadeados pela morte da jovem curda Mahsa Amini, de 22 anos, detida por supostamente violar o rígido código de vestimenta do país.
"A polícia da moralidade não tem nada a ver com o Poder Judiciário e foi suprimida”, anunciou o procurador-geral do Irã, Mohammad Jafar Montazeri, segundo a agência de notícias ISNA.
"A melhor maneira de enfrentar os distúrbios é prestar atenção às verdadeiras demandas do povo, em sua maioria relacionadas com questões de subsistência e econômicas", afirmou o porta-voz da presidência do Parlamento, Seyyed Nezamoldin Moussavi.
Visto como um gesto em direção aos manifestantes, o anúncio da abolição desta unidade ocorreu depois que as autoridades anunciaram que estavam analisando se a lei de 1983 sobre o véu obrigatório precisava de mudanças.

O anúncio foi recebido com ceticismo, por parte dos iranianos, nas redes sociais. Em uma delas, um usuário manifestou seu temor de que as funções dessa estrutura sejam, a partir de agora, assumidas por outro órgão parecido. Lembrou, ainda, da forte pressão que as próprias famílias exercem sobre as iranianas.
O uso do véu se tornou obrigatório no Irã em 1983, quatro anos depois da Revolução Islâmica de 1979, que derrubou a monarquia do xá. A lei estabelece que tanto as mulheres iranianas quanto as estrangeiras, independente de sua religião, devem usar véu cobrindo o cabelo e usar roupas largas em público.

A República Islâmica está mergulhada em uma onda de protestos desde a morte da jovem Mahsa, no dia 16 de setembro, sob custódia da polícia da moralidade. As autoridades alegam que a morte de Amini foi provocada por problemas de saúde, mas sua família afirma que ela morreu após ser espancada.

Desde então, as mulheres lideram os protestos, nos quais gritam palavras de ordem, como "mulher, vida, liberdade", tiram e queimam seus véus.
Depois de 1979, "Comitês da Revolução Islâmica", vinculados à Guarda Revolucionária, patrulhavam as ruas para observar o cumprimento dos códigos de vestimenta e a "moral" no Irã.
A polícia da moralidade, conhecida como Gasht-e Ershad (patrulhas de orientação), foi criada bem depois, sob o regime do presidente ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad (2005-2013) para "espalhar a cultura da decência e do hijab", o véu muçulmano feminino.

Suas unidades são formadas por homens em uniforme verde e mulheres em xador preto, uma vestimenta que cobre todo corpo, exceto o rosto.

As primeiras patrulhas começaram seu trabalho em 2006. A Gasht-e Ershad foi criada pelo Conselho Supremo da Revolução Cultural. O papel desta polícia mudou com o passar dos anos, mas sempre gerou divisões na classe política.
Durante os mandatos do presidente moderado Hassan Rohani (2013-2021), era comum observar mulheres de calças jeans justas e véus coloridos. Em julho, porém, seu sucessor, o ultraconservador Ebrahim Raisi pediu a "todas as instituições estatais" o reforço na aplicação da lei do véu.

"Os inimigos do Irã e do Islã querem minar os valores culturais e religiosos da sociedade, divulgando a corrupção", afirmou na ocasião. As mulheres que violavam o rígido código de vestimenta corriam o risco de serem presas.

No sábado, 3, o procurador Montazeri anunciou que o "Parlamento e o Poder Judiciário" estavam analisando a questão da obrigatoriedade do véu, mas não antecipou se a lei será modificada.

O véu é um tema muito delicado na República Islâmica. De um lado, estão os conservadores, que defendem a lei de 1983. Do outro, os progressistas, que desejam que as mulheres tenham a liberdade de decidir se usam a peça, ou não.

Desde o início do movimento de protestos, cada vez mais mulheres saem às ruas sem o véu, em particular na zona norte rica de Teerã. Em 24 de setembro, o principal partido reformista do Irã pediu o fim da obrigatoriedade do uso do véu.

O Irã acusa o governo dos Estados Unidos e seus aliados, assim como seu grande inimigo Israel, de envolvimento nos protestos, os quais classifica como "distúrbios".
De acordo com o balanço mais recente divulgado pelo general iraniano Amirali Hajizadeh, da Guarda Revolucionária, mais de 300 pessoas morreram nas manifestações desde 16 de setembro. Várias ONGs afirmam, no entanto, que o número real seria mais do que o dobro.