Cúpula do Mercosul começa em meio a tensão com Uruguai sobre flexibilizaçãoFoto: Divulgação

Brasil, Argentina e Paraguai reiteraram nesta segunda-feira (5) as críticas ao Uruguai por seu desejo de negociar acordos com países fora do Mercosul, alertando que isto poderia "levar a uma ruptura", enquanto Montevidéu considera que, sem uma abertura comercial, o bloco caminha para a "extinção".
"Precisamos de um bloco capaz de estreitar os laços com outros países e blocos. Não podemos nos permitir o imobilismo", disse o chanceler anfitrião, o uruguaio Francisco Bustillo, em seu discurso de abertura da reunião do Conselho do Mercado Comum.
O ministro uruguaio esclareceu que seu país "não pretende, nem quer romper com o bloco", fundado em 1991, mas considerou que a conjuntura atual o aproxima da "extinção".
Estas declarações foram uma resposta ao discurso do ministro argentino das Relações Exteriores, Santiago Cafiero, para quem "segue-se por um caminho que muito provavelmente poderia levar à ruptura" do bloco, em alusão às tentativas do Uruguai de negociar tratados bilaterais com países terceiros, sem a aprovação de seus parceiros.
Bustillo afirmou que agora o Mercosul tem 11 acordos vigentes e apenas quatro deles são extrarregionais.
"Um dado não desprezível é que desde o ano 2010 até hoje, a Organização Mundial do Comércio registra 172 acordos de livre comércio. Nenhum do Mercosul", ilustrou.
"Não temos acordo com nenhuma das 10 principais potências econômicas e comerciais no mundo", acrescentou.
A reunião dos representantes dos Estados Parte e Estados Associados é o preâmbulo da cúpula dos chefes de Estado na terça-feira, à qual estarão presentes o argentino Alberto Fernández e o paraguaio Mari Abdo, além do uruguaio Luis Lacalle Pou.
Assim como ocorreu em julho passado na reunião de Assunção, Jair Bolsonaro faltará a este encontro.
"Cúpula Entretida"
O presidente uruguaio previu uma cúpula "entretida" na quarta-feira passada, depois da divulgação de uma nota na qual Brasília, Buenos Aires e Assunção propõem a possibilidade de "medidas eventuais" contra Montevidéu por seu pedido de adesão ao Tratado Integral e Progressista de Associação Transpacífico (CPTPP).
Horas depois da divulgação do comunicado conjunto, o governo uruguaio concretizou seu pedido de ingresso ao acordo comercial integrado por Austrália, Japão, Canadá, Nova Zelândia, Brunei, Chile, Malásia, México, Peru, Singapura e Vietnã.
Trata-se de um novo capítulo na disputa que o menor país do bloco, com 3,5 milhões de habitantes, tem com seus parceiros há décadas.
De fato, o governo de Lacalle Pou também tenta negociar um TLC com a China sem a aprovação dos demais integrantes do Mercosul, o que irritou a Argentina e o Paraguai em particular.
"Rumo a ruptura"
Uma resolução conjunta do ano 2000 e o tratado fundacional de 1991 determinam que os acordos do Mercosul devem ser alcançados em grupo pelos sócios, uma interpretação da normativa da qual o Uruguai não compartilha.
"Certas atitudes unilaterais nos preocupam, orientadas a negociações bilaterais com países terceiros à margem do consenso do bloco", avaliou Cafiero. "Consideramos que isso é contrário à normativa do Mercosul", destacou.
"As abordagens bilaterais não nos assustam", mas "sempre foram fruto do consenso", reforçou.
"Vemos com preocupação que se avance por um caminho que muito provavelmente poderia levar a uma ruptura" do bloco, destacou o ministro argentino.
O ministro brasileiro das Relações Exteriores, Carlos França, afirmou que o Brasil está "aberto a discutir modalidades flexíveis", desde que ocorram "de forma franca e transparente nas instâncias pertinentes do bloco e respeitando os princípios básicos" do Mercosul.
"O consenso é a regra do Mercosul e devemos respeitá-la (...) O objetivo do Tratado de Assunção é claro, não há lugar para interpretações", disse, por sua vez, o chanceler paraguaio, Julio César Arriola.
Para o especialista em Relações Internacionais Ignacio Bartesaghi, o Uruguai "iniciou até agora (...) anúncios e ações que não têm nenhum tipo de possibilidade de reclamação legal".
Além disso, destacou que a ausência do Brasil, "a potência" regional, pela segunda vez em uma cúpula, é um claro indicador do frágil estado atual do bloco.