Prisioneiro condenado, Kenneth Smith, de 58 anosAFP

O Estado do Alabama, nos EUA, realizou a primeira execução norte-americana com gás nitrogênio na noite desta quinta-feira, 25, contra um assassino condenado cujo júri havia votado para poupar sua vida. A medida abriu uma nova fronteira na forma como os Estados executam prisioneiros no corredor da morte. O método foi considerado "tortura" pela Organização das Nações Unidas.

O prisioneiro condenado, Kenneth Smith, de 58 anos, foi declarado morto às 20h25, horário central, de acordo com a governadora do Alabama, Kay Ivey. Os advogados de Smith disseram que acreditam ser a primeira execução com nitrogênio no mundo.

Foi a segunda vez que o Alabama tentou matar Kenneth, depois de uma injeção letal fracassada em novembro de 2022, na qual os médicos não conseguiram encontrar uma veia adequada antes que sua sentença de morte expirasse.
A Suprema Corte permitiu que a execução fosse levada adiante, apesar das objeções de seus três juízes liberais e das preocupações dos oponentes da pena de morte, que disseram que o método não testado poderia causar sofrimento a Kenneth.

Smith foi um dos três homens condenados pelo assassinato, em 1988, de uma mulher cujo marido, um pastor, os havia recrutado para matá-la.

O protocolo divulgado pelas autoridades penitenciárias previa amarrar Smith a uma maca na câmara de execução do estado em Atmore, no Alabama, e bombear nitrogênio para uma máscara em sua cabeça, privando-o de oxigênio.

A ordem da Suprema Corte que permitiu que a execução fosse realizada não forneceu uma explicação, como geralmente acontece quando os juízes decidem sobre pedidos de emergência. Os três membros liberais do tribunal discordaram da decisão da maioria.
Em uma forte declaração de discordância, a juíza Sonia Sotomayor expressou preocupações sobre o novo método do Alabama. "Não tendo conseguido matar Smith em sua primeira tentativa, o Alabama o escolheu como 'cobaia' para testar um método de execução nunca experimentado”, escreveu ela. “O mundo está assistindo."
O que é hipóxia de nitrogênio e como funciona?
A hipóxia de nitrogênio, como o método é conhecido, tem sido usada em alguns suicídios assistidos na Europa e em outros lugares, embora o método preciso usado pelo Alabama seja diferente da prática comum.
Os advogados do Estado argumentaram que a morte por hipóxia de nitrogênio, como é conhecida, é indolor, com a inconsciência ocorrendo em questão de segundos, seguida pela parada do coração. Eles também observaram que o próprio Smith e seus advogados identificaram o método como preferível à prática problemática da injeção letal no estado.

Os advogados do condenado alegaram que o Alabama não estava adequadamente preparado para realizar a execução, que uma máscara — em vez de um saco ou outro invólucro — poderia teoricamente permitir a entrada de oxigênio suficiente para prolongar o processo e fazer com que o prisioneiro sofresse, e que Smith, que ultimamente tem experimentado náuseas frequentes, poderia sufocar sob a máscara se vomitasse.

A governadora Ivey disse em um comunicado que optou por não exercer seu poder de clemência para poupar Smith.
"A execução foi realizada legalmente por hipóxia de nitrogênio, o método solicitado anteriormente por Smith como alternativa à injeção letal", disse Ivey. "Finalmente, Smith recebeu o que pediu, e esse caso pode finalmente ser encerrado", acrescentou.
Em sua última petição para que a Suprema Corte interviesse, os advogados do condenado argumentaram que o plano do Alabama para sua execução, incluindo o que eles descrevem como uma "máscara de tamanho único", criaria um risco substancial de que ele "ficasse em estado vegetativo persistente, sofresse um derrame ou se asfixiasse em seu próprio vômito".

O nitrogênio compõe cerca de 78% do ar da Terra e normalmente é inofensivo; o oxigênio, que compõe cerca de 21%, é essencial para a vida humana. Mas quando o nitrogênio é bombeado para em um recinto ou de uma máscara, ele pode rapidamente expulsar o oxigênio e levar à inconsciência rápida e à morte.

O Dr. Philip Nitschke, um pioneiro em suicídio assistido que estima ter testemunhado cerca de 50 mortes por nitrogênio, disse que o uso de uma máscara pelo Alabama poderia causar problemas se houvesse um vazamento que permitisse a entrada de muito oxigênio. Ele disse que poderia imaginar uma série de cenários em potencial, desde uma morte rápida até uma que envolvesse sofrimento e dor substanciais.
A Suprema Corte já se recusou a intervir no recurso dos advogados em um caso separado na quarta-feira, no qual eles argumentaram que a tentativa de executar Smith pela segunda vez equivalia a uma punição cruel e incomum inconstitucional, em parte devido ao quão angustiante foi a tentativa fracassada de execução em 2022.
O que torna o caso diferente?
O caso de Smith é único, em parte porque o júri que o condenou por assassinato também votou por 11 votos a 1 para condená-lo à prisão perpétua, em vez da morte, mas o juiz anulou a decisão. Desde então, o Alabama tornou ilegal que juízes anulem júris que recomendaram uma sentença de prisão perpétua — uma proibição que agora existe em todos os Estados — mas a nova lei não se aplicava a casos anteriores.

A execução ocorreu em um trecho rural do sul do Alabama, a cerca de uma hora de carro a nordeste de Mobile, perto da fronteira com a Flórida. Os policiais bloquearam a estrada para a prisão William Holman, onde a execução ocorreu, e ela estava envolta em árvores, fora da vista da rodovia próxima.

Um punhado de manifestantes contrários à pena de morte se reuniu por um tempo em uma zona de protesto designada nas proximidades, mas a estrada de terra foi rapidamente marcada por poças de lama após uma forte chuva.
Antes da execução na quinta-feira, uma porta-voz da Casa Branca se recusou a comentar o fato. "Esse é um caso ao nível estadual e não vou falar sobre os detalhes desse caso em particular", disse a porta-voz, Olivia Dalton, acrescentando que o presidente Biden tem amplas preocupações sobre como a pena de morte "é implementada e se é ou não consistente com nossos valores de equidade e justiça".
O que levou Smith a pena de morte?
A Sra. Sennett foi esfaqueada 10 vezes no ataque por Smith e outro homem, segundo os documentos do tribunal. Seu marido, Charles Sennett, havia recrutado um homem para cuidar de seu assassinato, que por sua vez recrutou Smith e um terceiro homem.
Sennett organizou o assassinato em parte para cobrar uma apólice de seguro que ele havia contratado para sua esposa, de acordo com os registros do tribunal. Ele havia prometido aos homens US$ 1 mil cada um pelo assassinato.

Sennett se matou mais tarde; um dos outros homens envolvidos no assassinato foi executado por injeção letal em 2010, e o terceiro foi condenado à prisão perpétua e morreu em 2020.
Pena de morte retrocede lentamente nos EUA
Com cerca de 20 execuções por ano e o mesmo número de condenações à morte, a pena capital continua em lento declínio nos Estados Unidos, mas ainda conta com o apoio da maioria da população do país.

Em 2023, foram realizadas 24 execuções em solo americano e o mesmo número é esperado para este ano, enquanto foram proferidas 21 sentenças de morte. Estas estatísticas são comparáveis às dos anos anteriores.

Em seu relatório anual publicado em dezembro, o observatório especializado Centro de Informação sobre a Pena de Morte (DPIC, na sigla em inglês) afirmou que pelo nono ano consecutivo, menos de 30 pessoas foram executadas e menos de 50 condenadas à morte no país.

Estas execuções, todas por injeção letal, foram realizadas em cinco estados: três do sul (Texas, Flórida e Alabama) e dois do centro (Missouri e Oklahoma).

A primeira de 2024, a de Kenneth Eugene Smith, no Alabama, está prevista para esta quinta-feira (25) ou no dia seguinte, por inalação de nitrogênio. Esta é a primeira vez que este método, considerado "tortura" pela ONU, é aplicado a um prisioneiro.

As 21 penas de morte registradas em 2023 ocorreram na Flórida, Califórnia, Texas, Alabama, Arizona, Carolina do Norte e Louisiana.

Como nos anos anteriores, a maioria dos presos executados em 2023 "provavelmente não seria condenada à morte atualmente", uma vez que os problemas de saúde mental e traumas dos detentos estão sendo levados em consideração nos dias de hoje, explica o DPIC.

Segundo o relatório, 79% dos detentos que foram executados no ano passado sofriam de pelo menos uma doença mental grave, uma lesão cerebral ou deficiência intelectual e/ou trauma infantil grave. Além disso, 33% foram diagnosticados com as três.

Segundo o DPIC, a lenta diminuição do número de condenações à morte nos últimos 20 anos é "um claro indicativo de que a opinião dos juízes sobre a eficiência, a precisão e a moralidade da pena de morte mudaram".

De acordo com uma pesquisa recente da Gallup, a maioria dos norte-americanos (50% contra 47%) acredita que a pena capital não é aplicada de forma justa no país. Contudo, 53% apoiam esta sentença.

A pena de morte foi abolida em 23 estados do país e outros seis observam uma moratória sobre a sua aplicação por decisão do governador.
*Com informações do Estadão Conteudo e AFP