Bandeira da FrançaAFP

As autoridades francesas reconheceram, nesta sexta-feira (17), que não controlam algumas regiões de seu território da Nova Caledônia e esperam reverter a situação com a chegada de reforços a esse arquipélago do Pacífico, palco de enormes distúrbios.

Os protestos eclodiram na segunda-feira em resposta a uma reforma do censo eleitoral promovida pelo governo francês que, segundo os líderes do povo indígena kanak, diluirá sua influência nas instituições desse território.

Os distúrbios, com saques, incêndios e tiroteios, deixaram cinco mortos, 200 milhões de euros (1,1 bilhão de reais) de prejuízo, segundo os dados divulgados pelas autoridades locais, e levaram o governo francês a decretar estado de emergência e a mobilizar tropas.

Essas medidas permitiram "tornar a situação mais tranquila e pacífica" na capital Noumea e seus arredores, reconheceu o representante do Estado francês no arquipélago, Louis Le Franc.

A chegada de mil agentes de segurança durante a noite, somando-se aos mais de 1.700 já presentes, deve ajudar a “controlar as áreas que nos escaparam nos últimos dias, cujo controle não está garantido”, disse ele.

O representante estatal mencionou em particular "três áreas" em bairros desfavorecidos na periferia da capital, cidade habitada majoritariamente por indígenas kanak.

O Exército também se mobilizou para garantir a segurança nos portos e no aeroporto do território, que continuará fechado a voos comerciais até 21 de maio, segundo a companhia aérea local Aircalin.

Incêndios e escassez de comida
Durante os distúrbios, grupos de kanaks bloquearam estradas, queimaram pneus e exibiram a bandeira desse território. Alguns moradores assustados, muitos oriundos da França continental, organizaram barricadas e grupos de defesa armados.

Na manhã desta sexta, jornalistas da AFP viram chamas e fumaça emergindo de um centro comercial, prédios incendiados e dezenas de carro carbonizados que os moradores tentavam afastar das estradas.

Também havia filas de centenas de pessoas esperando em frente a lojas para tentar conseguir comida e suprimentos básicos, que acabam devido aos saques.

Entre 80% e 90% das lojas de alimentos - sejam grandes mercados ou pequenas lojas locais - foram “dizimadas”, disse o presidente da Câmara de Comércio e Indústria, David Guyenne.

Apesar da melhora da situação, as autoridades mantêm as medidas de proibição de reuniões, de porte de armas e venda de álcool, assim como o toque de recolher das 18h às 6h.

O governo francês bloqueou no arquipélago o TikTok, rede social que os manifestantes estariam utilizando. Duas associações, entre elas a Liga de Direitos Humanos, entrearam com recurso contra a decisão.

A crise deixou até agora cinco mortos, incluindo dois gendarmes - um deles por "disparo acidental" - e três civis kanaks.

Conversa impossível
Esta é a pior onda de violência na Nova Caledônia desde os motins promovidos pelos radicais independentistas na década de 1980.

A Promotoria de Noumea anunciou nesta sexta-feira uma investigação contra os “instigadores” dos tumultos, incluindo “certos membros” do grupo independentista CCAT, que está na mira das autoridades.

Situado entre a costa oriental da Austrália e as Ilhas Fiji, este arquipélago colonizado pela França no século XIX possui um status especial graças ao Acordo de Noumea de 1998, que permitiu a transferência de numerosos poderes de Paris.

Mas o pacto também congelou o censo para as eleições provinciais neste território, das quais só podem participar os eleitores recenseados em 1998 e os seus descendentes.

A reforma proposta por Paris pretende incluir pessoas que vivem na Nova Caledônia há dez anos, mas os independentistas consideram que a medida reduzirá a influência dos povos originários kanak.

O texto foi aprovado na quarta-feira pela Assembleia Nacional em Paris, mas precisa ser ratificado em uma sessão conjunta das duas câmaras parlamentares francesas para entrar em vigor.

O presidente francês, Emmanuel Macron, fracassou na quinta-feira em uma tentativa de se reunir por videoconferência com os líderes políticos neocaledônios de ambos os lados, com quem começou a conversar separadamente nesta sexta-feira.