Por marta.valim

Em seu último relatório “Panorama da Economia Mundial”, o Fundo Monetário Internacional (FMI) destacou que o peso dos países ricos no crescimento mundial voltará a crescer em 2014. Para a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, trata-se apenas de um “reequilíbrio do crescimento”, mas a perspectiva gera dúvidas sobre a participação dos países emergentes, que estiveram no foco das atenções nos últimos anos.

Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Puc-Rio, Paulo Worbel, o novo panorama era previsível. A recuperação da economia americana e de alguns países europeus, em um ritmo um pouco mais lento, deixará os emergentes com peso menor no cenário global. “De uma certa maneira, já era de se esperar. Uma recessão é algo que, por definição, é temporário.”

Desde 2008, quando os países mais ricos enfrentaram uma séria recessão, os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África o Sul) ganharam projeção,  pois a dinâmica de crescimento não foi tão abalada pela crise econômica. Liderados pela China, que tornou-se a segunda economia mundial durante o período, os Brics cresceram a taxas invejáveis, impulsionados pela alta das cotações das commodities. Contudo, desde 2010 o cenário sofreu transformações.

Para 2014, os países dos Brics devem registrar crescimento menor. A África do Sul, cujo PIB foi recentemente ultrapassado pelo da Nigéria, continua a enfrentar problemas estruturais, além de apresentar taxa de desemprego elevada. A Rússia deve sentir o impacto econômico da crise com a Ucrânia, pela anexação da Crimeia, segundo o professor do Ibmec Marcos Troyjo, também responsável pelo centro de estudos BricLab, da Universidade Columbia.

Já a Índia enfrenta a competição de países como Irlanda e Costa Rica no setor da tecnologia da informação e apresenta um ambiente de negócios travado pela burocracia. Sobre o Brasil, Troyjo lembrou que o país privilegiou um padrão de crescimento sustentado pelo consumo interno, investiu pouco, não conseguiu fazer grandes acordos de comércio nem reformas nas legislações tributária, previdenciária e trabalhista.

“Nos últimos anos, nos acostumamos com uma narrativa de que países mais ricos, por conta da maturação das economias e demografia declinante, teriam um papel cada vez menos importante no crescimento mundial, ao contrário dos países emergentes. Muita gente apostou as fichas nisso, como se fosse algo automático”, disse Troyjo, para quem Brasil e Índia precisam de reformas microeconômicas para aumentar a produtividade. A economista da FGV, Lia Valls, vê que o “cenário muito favorável dos anos 2000 fez com que problemas estruturais dos países do bloco ficassem mascarados”.

A posição da China, segundo analistas é um pouco diferente. O país adota desde o ano passado uma política de ajuste que privilegia o crescimento com base no consumo interno. “A contribuição chinesa vai ser um pouquinho menor para o crescimento mundial”, disse Paulo Worbel, para quem a desaceleração da China é relativa. “É complicado desprezar o peso do crescimento chinês. Até os países ricos voltarem a puxar o crescimento vai demorar um pouco”, ressaltou Lia Valls.

Segundo Troyjo, no cenário que se desenha para os próximos anos, o destaque no contexto global recairá sobre as economias que ele considera como “reemergentes”, como Estados Unidos, Alemanha e Japão. “Agricultura e mão de obra barata serão menos importantes do que fatores como produtividade e inovação”, disse.

Organizações internacionais

A construção institucional do bloco é um dos motivos que têm aproximado os países dos Brics. “Em toda a reunião de organizações internacionais, os Brics tentam fazer uma declaração conjunta”, observou Lia Valls.

No entanto, para Troyjo, isso não significa que a busca por mais poder nas organizações internacionais é um dos motivos que une o bloco. “Acho que esse é um papo do Brasil e da Índia. A Rússia e a China já são membros do Conselho de Segurança da ONU”.

Paulo Worbel tem opinião semelhante. “A China nunca se pronunciou apoiando o pleito brasileiro ou da Índia [sobre o Conselho], como outros países fora do bloco fizeram. É difícil perceber que esses países possam ter uma aliança. Há diálogos entre Brasil, China e Índia sobre as reformas de governança do FMI, mas esse é um processo que caminha lentamente.”

A reunião dos Brics, marcada para julho em Fortaleza, pode apontar um novo papel para o bloco. Deve haver avanços em relação ao Banco dos Brics, um banco de investimento da ordem de US$ 50 bilhões destinado ao financiamento de projetos em países africanos e latino-americanos.

“Se esse banco vier a ser formado, vai ser algo concreto feito pelo bloco”, destacou Worbel. Dessa forma, os Brics deixariam de ser um “amontoado de letras”, completou Troyjo.

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