A venezuelana Daniela Toledo sabia exatamente o que pedir de presente quando seu chefe foi de férias para o Caribe. Em vez de um pacote de cigarros do duty free ou uma garrafa de uísque, Toledo queria seu desodorante preferido, que ela já não conseguia encontrar em seu país. Um sistema complexo de taxas de câmbio oficiais e não oficiais, legado de 14 anos de governo do falecido ex-presidente Hugo Chávez, deixou a Venezuela com escassez de dólares e lojas sem produtos básicos como papel higiênico e remédios.
“Fui a cinco lojas em Caracas e não consegui encontrá-lo”, disse a operária de 27 anos em entrevista da capital de Venezuela. “O único desodorante que consigo achar aqui não funciona para mim. Então meu chefe viajou ao exterior e trouxe para mim o desodorante que sempre usei”.
Uma década e meia de crescente controle governamental sobre a economia e uma política oficial que sobrevaloriza o bolívar deixaram o setor privado venezuelano de joelhos e o país dependente das importações. A inflação anual chegou a 60,9% em maio, a taxa mais acelerada do mundo, ao passo que o PIB provavelmente tenha diminuído 2,1% no segundo trimestre, segundo a média de previsões de economistas compiladas pela Bloomberg.
Mercado negro
As empresas pagam por bens estrangeiros com dinheiro distribuído pelo governo a taxas que oscilam de 6,3 a 50 bolívares por dólar. Acima dessas taxas oficiais está a do mercado negro, de 84 bolívares por dólar, paga pela maioria dos venezuelanos para obter a moeda dos EUA.
O governo está ficando sem tempo para implementar reformas planejadas, que provavelmente incluam uma desvalorização, antes que eleições parlamentares de 2015 provoquem uma paralisia das políticas, segundo o Barclays Plc.
Conforme o sistema atual, desenvolvido a partir dos controles cambiais introduzidos por Chávez em 2003, importadores de alimentos e medicamentos podem comprar dólares a uma taxa de 6,3 bolívares. Às vezes, fabricantes obtêm uma taxa de 11 bolívares em leilões semanais do governo, ao passo que aos indivíduos e importadores de produtos não essenciais são oferecidos quantidades restritas a cerca de 50 bolívares por dólar em uma venda diária.
Desvalorização
O bolívar se desvalorizou cerca de 71% no mercado negro desde que o presidente Nicolás Maduro, ex-motorista de ônibus e líder sindical, chegou ao poder em abril de 2013 com a promessa de aprofundar o regime socialista de Chávez. A moeda não é operada nos mercados internacionais por causa dos controles do governo.
A crescente dificuldade para encontrar dólares está obrigando os venezuelanos a recorrerem a centros oficiais de distribuição, onde fazem fila para receber bens subsidiados com tíquetes numerados que lhes dão direito a comprar frango congelado, arroz ou óleo de cozinha subsidiados.
Fusionar as taxas de câmbio implicaria um sacrifício no curto prazo para obter um benefício no longo prazo, pois os bens que atualmente são importados a taxas subsidiadas se tornariam mais caros, segundo a Barclays.
Maduro adiou pelo menos dois prazos para resolver o problema cambial desde o mês passado, ao passo que o vice-presidente de Economia, Rafael Ramírez, líder de uma facção do governo relativamente favorável às empresas, disse, segundo informou o jornal El Mundo no dia 18 de agosto, que um sistema de duas taxas seria adotado “o quanto antes possível”.
O Bank of America espera que o governo estabeleça uma nova taxa de 20 bolívares por dólar para as importações essenciais e mantenha uma taxa secundária de cerca de 50 bolívares por dólar para os bens não essenciais. O Barclays disse que a Venezuela desvalorizará sua moeda para de 25 a 30 por dólar, e o Banctrust Co. prevê um patamar de aproximadamente 30 e diz que os preços aumentarão independentemente de o governo desvalorizar o bolívar.
“Mudar para uma taxa de câmbio equilibrada teria um impacto muito significativo sobre os preços, e é disso que o governo tem medo”, disse Hernán Yellati, diretor de pesquisa do Banctrust, em entrevista por telefone, de Nova York, no dia 19 de agosto. “O medo da inflação na Venezuela é um medo real”.