Por monica.lima

Nova York - Um jornalista ainda pouco conhecido recebe documentos mostrando que nos anos 80 a CIA foi responsável por boa parte da epidemia de crack em Los Angeles. Na cadeia, ele encontra o maior traficante da droga naquela época, confirma as informações e escreve uma série de reportagens em um dos maiores jornais da Califórnia. Com o trabalho, ele foi prestigiado, badalado e lançou um livro. Mas em seguida passou a ser criticado pela grande imprensa que fez de tudo para desmentir as informações. Em pouco tempo ele foi esquecido, rejeitado, perdeu o emprego e apareceu morto, com dois tiros na cabeça, ao lado de uma carta de despedida explicando o suicídio.

Uma trama perfeita para Hollywood. Ela chegou às telas americanas este mês com o título “Kill the Messenger”, algo como “Mate quem deu o recado”, dirigido por Michael Cuesta. A história não é fruto da imaginação dos roteiristas da Califórnia. Nem foi adaptada de um livro de aventura e perseguição policial. Ela é um resumo da trajetória de Gary Webb, jornalista do San Jose Mercury que publicou três matérias sobre o assunto, entre 1995 e 1996, mostrando qual era a conexão entre o consumo de crack, o tráfico de drogas, a CIA e os Contras da Nicarágua.

“Não importa quem apertou o gatilho. Ele foi morto”, disse o produtor e diretor Marc Levin. Para Marc, não foram as balas do revólver que mataram Gary Webb e sim o ataque coordenado e implacável de jornais como “Los Angeles Times”, “Washington Post” e “New York Times” que publicaram desmentidos com base em fontes não identificadas da CIA e de outros órgãos do governo. A imprensa americana, nos anos 90, já não era aquela prestigiada e tomada como exemplo no mundo todo por ter pesquisado a fundo o escândalo Watergate, que acabou derrubando o ex-presidente Richard Nixon.

Marc Levin conheceu Gary Webb e gravou a última entrevista concedida pelo jornalista dez dias antes dele morrer. O depoimento faz parte do último trabalho de Marc e tem lançamento previsto para o fim deste ano ou começo de 2015 com o título “Freeway, crack in the system”. O documentário trata do mesmo assunto mas tem como foco “Freeway” Rick Ross, o traficante que lançou o mercado de crack em Los Angeles e levou a droga a outras cidades do país. O mesmo traficante que deu informações valiosas a Gary Webb.

Em um período de apenas quatro meses, os americanos terão acesso a dois longas sobre o mesmo assunto. Um filme e um documentário. Segundo Marc, não é apenas uma coincidência. É o momento. “Estamos finalmente neste ponto em que não podemos mais aceitar essa guerra contra as drogas. Depois da crise de 2008, não podemos mais aguentar essa prisão em massa, essa guerra interna e os estragos que ela causou”.

Marc retratou essa guerra e seus estragos ao longo dos últimos 30 anos de trabalho. Ele fez documentários para os canais “HBO”, “Discovery”, “CNN”, “Al Jazeera”, produziu e dirigiu projetos independentes e sempre mirou em dois pontos: a atuação do serviço secreto e a vida nos bairros mais pobres das grandes cidades. Eventualmente, os dois temas se cruzaram. Marc estava no Congresso, a poucos passos de Oliver North, quando o Coronel foi sabatinado a respeito do escândalo Irã-Contras. North era membro do Conselho de Segurança Nacional nos anos 80 e foi quem sugeriu e gerenciou o uso do dinheiro levantado com a venda ilegal de armas ao Irã para financiar os Contras, grupo que os Estados Unidos armaram para derrubar o governo sandinista na Nicarágua.

O congresso proibiu o uso de dinheiro público para o financiamento dos contras. Listou as atrocidades que o grupo estava cometendo. Mas o governo Reagan estava decidido: não permitiria a existência de governos de esquerda nas Américas. Já bastava Cuba. Então, a saída foi arrumar fontes ilegais de renda para financiar os Contras. Além das armas vendidas ao Irã, o lucro com o tráfico de drogas também passou a fazer parte da equação. A empresa aérea que recebeu passe livre para entrar e sair do país, já que levava armas clandestinamente à Nicarágua, decidiu usar o voo de volta para trazer outro produto ilegal: a cocaína. E assim o negócio foi ganhando corpo.

No documentário, Marc Levin mostra como Rick Ross entrou no jogo. Afro-americano, analfabeto, ele ficou sabendo da existência de uma pedra chamada crack, uma cocaína em pedra, que podia ser fumada. Ele conseguiu mostrar o produto a alguns vizinhos, foi ganhando mercado e se tornou o grande vendedor da cidade. Quando o cerco policial apertou, ele foi para Cincinnati dar início a um novo mercado. Rick trabalhava com Oscar Danilo Blandón Reyes, um exportador nicaraguense que fugiu para os EUA quando os sandinistas derrubaram Anastasio Somoza. Na Califórnia, Blandón mudou de ramo, passou a exportar cocaína da América Central para os EUA. A droga era entregue a Rick Ross que, segundo o jornal “LA Times”, chegou a vender meio milhão de pedras de crack por dia, quando estava no auge, promovendo uma enxurrada da droga nas ruas dos bairros mais pobres do país. Foi um desastre para a população afro-americana.

Enquanto usava o dinheiro do tráfico para financiar os Contras, o governo americano declarou guerra às drogas. Ainda hoje separa mais de US$ 25 bilhões do orçamento federal para policiamento e intervenções nacionais e internacionais (como os planos de combate às drogas na Colômbia e no México). Daí em diante, o número de jovens afro-americanos presos disparou. E continua subindo. De 2000 para 2010, o número de presos por uso de drogas subiu de 74.276 para 97.472. Os negros, apesar de minoria, são metade da população carcerária e uma criança negra tem dez vezes mais chance de ser presa por uso de drogas do que uma criança branca.

Durante uma década, a epidemia de crack foi capa dos jornais e revistas. Vieram as reportagens sobre os filhos do crack, os bebês que já nasciam com várias doenças por causa do vício das mães. As gangues explodiram e se armaram. As músicas dos cantores de rap mais famosos do país, “como JayZ, 50 Cent e Eminem, sempre falaram que a CIA envenenou a América Negra”, diz Marc. Faltava contar a história completa. Ou juntar as provas que já existiam.

Por exemplo: em 1988 uma investigação do Senado apontou que alguns contras que tinham o apoio da CIA traficaram drogas para levantar dinheiro. Dez anos depois o inspetor geral da CIA Frederick Hitz depôs no Congresso a respeito do mesmo assunto e admitiu que depois de fazer uma vasta revisão ele chegou à conclusão que a CIA no mínimo viu o que estava acontecendo e não fez nada. Manteve a relação com os traficantes que, na época, eram úteis, sem se preocupar com as consequências. O depoimento de Hitz aconteceu em um momento difícil, quando o país estava muito preocupado com outro assunto: o escândalo Monica Lewinsky. Os americanos queriam saber se o ex-Presidente Bill Clinton, afinal, tinha namorada a estagiária ou não. O depoimento de Hitz passou em branco. Mas a história, agora, veio toda à tona com um filme e um documentário.

‘A GUERRA ÀS DROGAS ERA APENAS FERRAMENTA’

ENTREVISTA MICHAEL LEVINE
Ex-agente da DEA

Durante 25 anos, Michael Levine foi agente secreto da Agência de Combate às Drogas dos EUA. Ele afirma que a DEA teve chance de destruir grandes cartéis de droga mas não pode porque as operações foram sabotadas pela CIA.

Por que você decidiu denunciar a CIA?

Eu tinha que revidar contra a CIA e contra os burocratas dos EUA. Agentes e policiais com os quais trabalhei acreditaram no que esses burocratas e políticos nos disseram – e era uma mentira. A guerra contra as drogas era apenas uma ferramenta. Eu estava furioso.

Ela era uma ferramenta para o que?

Durante a guerra do Vietnã eu fui para o Sudeste Asiático com outra identidade. Consegui seduzir o maior traficante de heroína da região e fui convidado para ir ao Golden Triangle, área onde eles tinham uma fábrica de produção de heroína. Antes da visita, o serviço de inteligência veio me dizer que eu não ia. Anos depois descobri o motivo. A CIA tinha que protegê-los para que fossem nossos aliados no Vietnã. É uma escolha política. O contribuinte americano não queria mais pagar por aquela guerra.

E na América Latina, também se deparou com eles?

Quando estava em Buenos Aires, me infiltrei na organização do Roberto Suarez (na Bolívia) e cheguei a um ponto em que poderia acabar com a organização. A máfia de Santa Cruz, responsável pela maior parte da cocaína do mundo. Escrevi tudo isso no livro “Big White Lie”. (Na época, o governo da Bolívia ajudou na operação do DEA). A CIA veio e ajudou Klaus Barbie – o nazista que recrutou mercenários na Bolívia para colocar no poder o general Luis Garcia Mesa – e os direitistas a derrubarem o governo que ajudou o DEA. A CIA decidiu ajudar os traficantes de cocaína porque não eram de esquerda, não eram comunistas.

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