Por monica.lima
"Gandhi dizia que se o mundo inteiro viver como o Ocidente%2C nós precisaríamos de três planetas.Um não seria suficiente. Antes do auge do consumismo"%2C conta Rajni Bakshi Divulgação

Rajni Bakshi, uma das principais ativistas Gandhianas da Índia, diz que o líder pacifista Mahatma Gandhi já alertava para os males do consumismo exacerbado desde os anos 50. Integrante do Gateway House: Conselho Indiano de Relações Internacionais, centro de pesquisas com sede em Mumbai, Bakshi,autora de vários livros, o último deles “Bazaars, Conversations and Freedom: for a market culture beyond greed and fear“(2009), veio ao Brasil recentemente para proferir a palestra “ A Economia Gandhiana”, na Associação Palas Athena, de São Paulo.

A sra. costuma dizer que Mahatma Gandhi previa os problemas surgidos com a mudança climática. De uma perspectiva indiana, o que está errado com esse modelo de crescimento econômico? 
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Gandhi dizia que se o mundo inteiro viver como o Ocidente , nós precisaríamos de três planetas. Um não seria suficiente. Ele disse isso nos anos 1950, antes do auge do consumismo. E ele estava certo. Não é possível ter crescimento econômico infinito em um planeta finito. Muito do que se produz é lixo. Na Espanha há um estudo sobre como se poderia economizar energia se as pessoas desligassem completamente seus aparelhos eletrônicos. Esse tipo de lixo tem sido construído dentro do modelo ocidental.Gandhi dizia que o modelo em si era deficiente. Primeiro, há o problema dos recursos finitos. Segundo, há a questão do modelo que define o sucesso pelo consumo. Isso em médio a longo prazo se torna insatisfatório. Por isso é que existe o movimento de simplicidade voluntária no Ocidente. Mas isso pode ser aplicado a culturas onde o povo não tem nem mesmo três refeições por dia e onde ao mesmo tempo as pessoas querem comprar carros?
É justo culpar apenas o mundo desenvolvido pela situação atual? O tipo de modelo econômico que os países emergentes adotam ou o que aspiram ter é exatamente o mesmo: liderado pelo consumo e que necessita de muita energia. Temos de repetir os mesmo erros dos países ricos?

Este é um ponto importante: a responsabilidade histórica do Ocidente e a atual responsabilidade do mundo desenvolvido em termos de quantidade de lixo. Em meados dos anos 90, o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas calculou o que uma criança em Nova York e uma criança em Paris consumem. O consumo da criança de Nova York foi três vezes maior do que o da criança de Paris. Então, neste sentido, os americanos são incomparáveis. Até mesmo os europeus ocidentais não conseguem competir com os americanos neste quesito. Na Índia também estamos em baixa nesse aspecto. Os vegetais, que nós consumimos por séculos, de repente são vendidos envolvidos em embalagens plásticas. Por que isso? De alguma forma nós passamos a achar que isso é mais desenvolvido. Eu realmente não sei quem introduziu isso no mercado de produtos alimentares. Não se pode apenas culpar as cadeias de supermercados. Até no mercado de vegetais do meu bairro, os produtos são vendidos em embalagens plásticas sem nenhuma razão. Isso tudo é lixo que poderia ser evitado. Mas o desafio real para a Índia, por exemplo, não é somente ter um crescimento verde,e sim ter um modelo de crescimento futurístico. É preciso criar um sistema na Índia que ofereça até mesmo itens básicos como comida, abrigo, roupas, educação e saúde. A maioria dos nossos projetos públicos foram desenvolvidos como se não houvesse amanhã e como se não houvesse limite para os recursos.
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A sra. tem escrito extensivamente sobre a redescoberta de Gandhi e seus pensamentos para a nossa época. O pensamento dele pode servir como resistência contra este modelo que não parece estar funcionando?
A maioria das pessoas na Índia associa Gandhi com ascetismo ou simplicidade excessiva. Em um sentido óbvio, há uma rejeição explícita e muito visível a essas atitudes. Algumas pessoas argumentam que tentamos seguir Gandhi nessa simplicidade e por isso a Índia teria ficado para trás, o que eu acho um absurdo. Esta não foi a razão para o caminho que a Índia seguiu. É preciso observar não os detalhes das atitudes de Gandhi, mas trabalhar com os seus princípios e suas percepções. Isso sim é o fundamental. O planeta terá nove bilhões de pessoas em 20 anos. E há uma redução anual de empregos. Este tipo de percepção Gandhi tinha e ressaltava.
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As ideias de Gandhi têm repercussão no mundo de hoje?
Não há dúvida de que na questão da não-violência, por exemplo, ele permanece inquestionável como líder, um ícone, uma inspiração global. A crítica de Gandhi sobre a modernidade e o desenvolvimento ainda tem atenção marginal, mas está sendo cada vez mais absorvida, mais do que antes, com certeza.

Então, as ideias de Gandhi sobre a economia fazem sentido para as pessoas?
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Sim, com certeza. Já se passaram 65 anos desde que Gandhi morreu e nesse tempo o comunismo e o capitalismo tiveram o seu apogeu e entraram em crise. Um sistema já se foi, e o outro está em crise profunda. Por isso, há hoje um grande desejo de olhar para além de escolhas já conhecidos. Há muita gente que não conheceria Gandhi se Richard Attenborough (cineasta britânico que ganhou o Oscar de melhor diretor com o filme “Gandhi”, em 1983) não tivesse feito o filme. Isso é verdade. Mas a elite já o conhecia antes do filme, seja no setor privado, seja na academia. Nesses nichos há interesse de se estudar Gandhi mais de perto.

A sra. se refere a Gandhi como um ícone da não violência e da paz, mas o mundo hoje amarga uma violência crescente e cada vez mais brutal. Como podemos aplicar as ideias de Gandhi para encontrar soluções para estes problemas ou para reduzir a violência global?
Encontrar soluções é importante e temos que fazer isso. Em certo sentido o prognóstico está sendo reavaliado a cada dia. Então, se você tentar achar uma solução para o Iraque ou para o Afeganistão, é preciso levar em consideração que eles foram bombardeados até voltarem à Idade da Pedra. Estes lugares estão em situação muito pior do que antes. Mas o que o mundo queria que os Estados Unidos fizessem antes da Guerra do Iraque não era isso. Havia uma imensa mobilização e sentimento global anti-guerra, com as pessoas indo às ruas levando velas acesas. As pessoas se opuseram à guerra antes mesmo de ela começar. Não faltam pessoas para lembrarem aos Estados Unidos de que eles estão errados. Washington está tentando apagar um incêndio em um posto de gasolina jogando gasolina no lugar de água. Mas agora, para resolver isso, é muito complicado. Gandhi, durante a sua vida, foi muito mal compreendido sobre o que ele dizia, referindo-se à sua crença no ensinamento da Bíblia de que deve-se oferecer a outra face. Ele não queria dizer com isso que você deve permitir que o inimigo o atropele e o esmague. Mas há uma grande diferença entre armar um baluarte defensivo e adotar uma política agressiva que não tenha nenhum comprometimento com uma solução real. Isso acaba resultando em mais violência para segurar as reações negativas. O que é realmente assustador é que não há ninguém hoje em dia que possa lidar com o que está acontecendo no Oriente Médio.
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O fato de o mundo não ter mais um ícone de paz como Mahatma Gandhi ou Nelson Mandela pode estar alimentando a violência ? As pessoas estão perdendo a fé na não-violência?
Não, pelo contrário, eu acho que há uma resistência a essa violência toda. Mas ter fé em uma ideia não substitui uma grande dinâmica estrutural. Uma das questões que eu gostaria de ver respondida na onda de violência global de hoje é: quem financia o Estado Islâmico (EI)?. Quem paga pelos seus armamentos? De onde os militantes vêm? O que quero dizer é que precisamos achar as respostas para essas crises estruturais.
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Estamos testemunhando o que Samuel Huntington chamou de ‘choque de civilizações’?

Sempre há os que procuram evidências para tentar demonstrar esta tese. Mas eu acho que o que estamos testemunhando são grandes falhas dentro de cada uma dessas civilizações e culturas e esse é o grande campo de batalha dos próximos 20 anos. Se você olhar para o que acontece no Islamismo, há muita oposição ao fundamentalismo. Mas infelizmente, essas pessoas que fazem oposição ao fundamentalismo não atraem a atenção da mídia tão frequentemente quanto deveriam. O mesmo acontece com a China. Há muitas tensões dentro daquela sociedade. O mesmo você observará com relação à Índia e também com relação aos países ocidentais. Nós sabemos, por exemplo, que o ‘establishment’ americano não é monolítico. Há muitas fissuras dentro da sociedade norte-americana, que está dividida. Talvez o futuro dependa dessas várias cepas globais encontrarem energia umas nas outras. Isso de certa forma já começou a acontecer: movimentos pró-democracia se inspiram uns nos outros em vários lugares do mundo. Mas o mesmo acontece também com os terroristas.
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