Por monica.lima

A corrida pelos recursos naturais da África - intensificada pela presença em seus países de empresas de nações desenvolvidas e de potências emergentes - transformou o continente no novo “Eldorado da Espionagem” internacional, revelaram documentos de serviços de inteligência vazados nesta semana.

Os documentos foram obtidos pela rede de televisão árabe “al-Jazeera”, e repassados ao jornal britânico “The Guardian”, que tem publicado uma série de reportagens batizada de “Spy Cables” (“Telegramas de Espionagem”. em tradução livre). Esta é uma das maiores quebras de sigilo desde as revelações de Edward Snowden, ex-analista de dados do governo norte-americano, em 2013.

Pretória, na África do Sul, é o quartel-general desse teatro de operações da espionagem no qual atuam os principais serviços de inteligência do mundo, como a CIA, o MI6 britânico, o Mossad israelense, o FSB russo (que substituiu o antigo KGB), além de espiões chineses, indianos, iranianos e o próprio serviço secreto da África do Sul (SSA, na sigla em inglês).

Nos documentos sobre a África, datados de 2006 a 2014, vazados e divulgados na terça-feira pelo “The Guardian”, há nomes de 78 espiões estrangeiros que atuam em Pretória, com suas fotografias, endereços e números de celulares, além de 65 agentes de inteligência de outros países que trabalhavam disfarçados. Os alvos das operações de espionagem são os mais variados. As ações dos agentes secretos têm como foco desde o roubo de segredos tecnológicos, passando por atividades econômicas, até a investigação de potenciais grupos jihadistas.

Um dos fatores que potencializou a cobiça sobre a África foi o crescente papel econômico no continente da China, potência emergente sedenta por combustíveis e recursos naturais e que investe pesadamente em obras de infraestrutura na região. Esta foi a conclusão da análise do material recebido pelo jornal britânico.

A intensa atuação chinesa fez com que potências ocidentais, principalmente os Estados Unidos, expandissem a sua presença, inclusive militar, na região. O “The Guardian” faz uma comparação com o “The Great Game” (“O Grande Jogo”), expressão histórica para a rivalidade estratégica e o conflito entre o Império Britânico e o Russo pela supremacia na Ásia Central no século 19.

Países do primeiro mundo, como os Estados Unidos, usam os serviços de inteligência locais. A África do Sul, por exemplo, gastou boa parte do tempo espionando grupos supostamente jihadistas e as atividades do Irã, apesar de nenhum destes alvos serem considerados uma grande ameaça para o país africano.

Um arquivo secreto datado de dezembro de 2009, da SSA sul-africana, cita o serviço de inteligência chinês como sendo suspeito em ações no setor nuclear. Em outra informação secreta, agências estrangeiras “trabalhavam para influenciar” as atividades de expansão do programa nuclear da África do Sul: os principais suspeitos destas ações específicas eram os serviços de inteligência da França e dos Estados Unidos. Mas as operações secretas eram tão sofisticadas tecnologicamente, que não foi possível neutralizar as ações, segundo os documentos.

A África do Sul desenvolveu um programa de desenvolvimento de armas nucleares durante os anos 70, quando o país ainda vivia sob o regime do Apartheid. Seu principal centro de pesquisa nuclear era Pelindaba, dirigido pela Corporação de Energia Nuclear da África do Sul, que fica a cerca de 30 km de Pretória.

Na noite de novembro de 2007, quatro homens armados, “criminosos tecnicamente sofisticados”, segundo o governo sul-africano, entraram nas instalações nucleares e se dirigiram para a sala de controle da usina nuclear. Os intrusos conseguiram desativar vários dispositivos de segurança, o que só foi possível por terem conhecimento prévio do sistema de proteção do local.

Logo que os homens entraram em Pelindaba, um segurança ativou o alarme, alertando a polícia. Mas ele foi atingido a tiros pelos intrusos, que fugiram após ficarem 45 minutos dentro das instalações e nunca foram identificados, apesar de suas imagens terem sido capturadas pelo circuito interno de televisão. Na época, o governo afirmou que a invasão do local havia sido um simples ato criminoso, uma tentativa de roubo. Mais tarde, no entanto, a SSA admitiu que havia sido um ato de espionagem.

Várias agências de espionagem demonstraram interesse no progresso do Pebble Bed Modular Reactor (PBMR) desde 1994: o projeto objetivava a construção de uma usina de energia em Koeberg, perto da Cidade do Cabo, e da usina de Pelindaba. Os documentos vazados suspeitam de que invasões e roubos de informação no PBMR foram praticados para “avançar um projeto rival da China”. Pequim, segundo este mesmo documento secreto, estava “agora um ano à frente, apesar de (os chineses) terem começado (o seu projeto) anos depois do lançamento do PBMR”.

Em outro documento datado de outubro de 2009, a SSA se refere ao interesse de Israel nos diamantes africanos e destaca que membros de uma delegação do país, liderada pelo ministro do Exterior Avigdor Lieberman, teriam “facilitado contratos para que israelenses treinassem várias milícias” na África. Israel teria “trabalhado assiduamente para isolar o Sudão do exterior e alimentar uma insurreição dentro do país”. Segundo o documento da SSA, Israel “há muito tempo pretende capitalizar a riqueza mineral da África” e tem planos de “se apropriar de diamantes africanos e processá-los em Israel, que é o segundo maior processador de diamantes do mundo”.

A série de reportagens do “The Guardian” e da “al-Jazeera” baseada em uma gigantesca quantidade de documentos secretos vazados, fez revelações importantes na segunda-feira sobre Israel e Irã. O escândalo atingiu em cheio o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. Segundo os documentos secretos, o próprio Mossad, o serviço secreto israelense, havia desmentido a afirmação de Netanyahu, feita em 2012 durante um discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual o Irã estaria a um ano de fabricar sua bomba atômica. A revelação desta contradição causou grande repercussão internacional porque surgiu em um momento de aumento das tensões entre Israel e os EUA, seu principal aliado, e também porque veio à tona antes do planejado discurso de Netanyahu ao Congresso americano na próxima terça-feira. O temor da Casa Branca é de que o discurso radical do premiê de Israel venha prejudicar as negociações entre Teerã e seis grandes potências mundiais sobre o programa nuclear do Irã. Netanyahu prometeu se esforçar para bloquear um acordo que ele afirma que daria ao Irã a capacidade de construir armas nucleares.

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