Por monica.lima

As crescentes articulações de Pequim a fim de atrair parceiros para o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), sob seu comando, incomodam a diplomacia americana. De acordo com Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da FGV-São Paulo, especialista em países emergentes, a principal moeda de troca dos Estados Unidos será os acordos de proteção militar. Mas ele avisa: não será fácil impedir a “ascensão lenta e sutil” da influência global chinesa. Segundo Stuenkel, este é o início de uma nova era de multipolaridade em que a China se afirma como polo de poder pela primeira vez em duas décadas.

A decisão de potências europeias de aderir ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) denota uma nova ordem geopolítica independente dos EUA?

A capacidade da China de criar uma instituição e convencer as principais potências europeias a participarem aponta para uma mudança importante na ordem global. Mas, neste momento, essa mudança é simbólica. Este banco ainda não vai substituir o Banco Mundial no curto prazo. Também já existem outras instituições como o Banco Asiático de Desenvolvimento. Vamos ver nos próximos anos uma convivência entre essas instituições. Mas temos observado uma campanha diplomática dos EUA para evitar que seus aliados integrem a iniciativa. É o início de uma nova era de multipolaridade, em que a China se afirma como polo de poder pela primeira vez em duas décadas. Ser líder de uma instituição que reunirá tantos outros países importantes, dá legitimidade à China, algo que só os EUA tinham até então.

Quanto tempo vai demorar para o novo banco se tornar uma opção real para países que buscam financiamento?

Será uma decisão da China. Mas não será uma coisa tão complexa. O lançamento desse banco não deverá demorar mais de um ou dois anos. Os primeiros projetos surgirão já em 2017. Nas próximas semanas vários países vão se juntar ao grupo. A Inglaterra tomou uma decisão muito inteligente porque se tornou o primeiro país europeu a aceitar o convite. Ela fez isso numa tentativa de tornar-se a porta de entrada para investimentos chineses na Europa. Há uma luta entre Londres e Frankfurt para ver qual vai ser o polo principal de investimentos da China. Há entre os europeus uma disputa pelo capital chinês. Mas além dos países europeus, outros entrarão. A grande questão é saber se nações como Japão, Austrália e Coreia do Sul serão membros fundadores ou entrarão mais tarde.

Qual será o impacto do banco chinês no Banco dos Brics?

A criação do banco do Brics já está mais avançada. A China está construindo o prédio em Xangai, o governo indiano está próximo de escolher o primeiro presidente, e a gente provavelmente vai ver o banco em atuação a partir do ano que vem. O banco do Brics faz parte de um novo tipo de instituição liderada por países emergentes. Também faz parte de um grupo no qual a China tem uma liderança importante. Eu não acho que este novo banco vá prejudicar o trabalho do banco dos Brics. Temos uma demanda de infraestrutura tão grande que nenhum banco consegue suprir sozinho. Esses dois bancos representam, do ponto de vista de Washington, uma ameaça que a médio e longo prazo vai enfraquecer as instituições baseadas nos EUA, como o Banco Mundial e o FMI.

Como os EUA tentarão evitar as adesões? 

Washington tentará convencer países como Vietnã, Coreia do Sul e Austrália de que os EUA são a aposta mais segura para eles e de que a China é uma ameaça. Mas será difícil para os EUA manter essa posição se a China não cometer grandes erros, como entrar em conflitos com os outros países. Isso colocaria Washington de novo na região porque os EUA são a única proteção que os vizinhos têm contra a China.

Japão e Índia são os principais contrapontos à China na Ásia. Como o Sr. vê o papel destes dois nesse contexto?

A Índia e Japão são as principais cartas dos EUA na região, apesar de que a Índia é um ator mais ambíguo: tem uma forte relação com os EUA, mas é um aliado mais imprevisível para os americanos. Há muitos políticos indianos que apostam muito na parceira com a China.

A proteção militar americana é uma moeda de troca para evitar aproximação desses países com a China?

Exato, esse é o caso não só do Japão, mas da Coreia do Sul. Mas os EUA tem uma relação econômica muito forte tanto com a China quanto com o Japão. A influência de Washington nunca vai sumir da Ásia, mas a gente vê agora uma ameaça implícita ao projeto econômico que os EUA tem para a região.

A China é uma ameaça militar?

Do ponto de vista do gasto militar de todo o mundo, os EUA detém quase 45%. Mesmo todos os outros países juntos, dificilmente chegam no nível dos EUA. Mesmo assim a China tem sido o terceiro maior exportador de armamento do mundo e tem reforçado seu patrimônio militar. Mas Pequim não vai procurar conflitos por pelo menos uma década, está muito bem na ordem atual, não precisa confrontar os EUA militarmente. A China cresce rápido e precisa desenvolver o próprio país. Como a legitimidade do Partido Comunista depende diretamente do crescimento econômico, os chineses não vão fazer nada que leve os EUA a reagirem. O máximo que podemos esperar é a criação de novos sistemas bancários, obras de infraestrutura alternativas como o Canal da Nicarágua, coisas que no médio a longo prazo deem autonomia à China e evitem que os EUA se apresentem como potência incontornável. Pequim vai criar suas próprias estruturas que em algum momento podem tornar as antigas instituições dispensáveis. A China nunca sairia de instituições como o Banco Mundial e o FMI porque isso sim seria interpretado como ameaça explícita aos EUA. O projeto é de uma ascensão lenta e sutil, aos poucos, e tentando evitar qualquer confronto direto por muitos anos.

E os confrontos de fronteira da China com os seus vizinhos?

Pequim vai evitar. Todo político chinês sabe do risco de um comportamento agressivo nas fronteiras porque isso pode se tornar um conflito aberto e ser utilizado pelos americanos para justificar uma intervenção mais maciça na região. As declarações mais agressivas, quando acontecem, são formas de tentar satisfazer grupos mais radicais dentro da própria China. É claramente uma estratégia para tirar a atenção de outros temas e reduzir descontentamentos sobre problemas como a corrupção e o meio ambiente. A China usa isso para reduzir queixas internas e preservar a legitimidade do Partido Comunista. Pequim não quer esquentar demais conflitos dentro da sua vizinhança e fará de tudo para convencer os países da região de que não tem aspirações de hegemonia, de aumentar o território ou algo do tipo. A China vai se apresentar como líder benigno na região. Um líder disposto a reduzir a pobreza no continente.

Como o Sr. vê o projeto da nova Rota da Seda?

Isso faz parte do mesmo grande projeto regional e global chinês. Há pelo menos dois séculos a Ásia Central é uma região estratégica, de grande importância. Desde o século XIX, grandes potências lutam para influenciá-la. A criação de estradas e trens que passam pela Ásia Central vai amarrar essa região a longo prazo ao espaço econômico chinês. Isso é importante porque agora a Rússia, que tinha uma grande influência sobre essa região, fica enfraquecida. Há uma vácuo de poder também com a saída dos EUA do Afeganistão, que abre uma janela para China ocupar este espaço. Diferentemente dos outros, os chineses não vão colocar exércitos, mas vão criar uma rede de estradas e ferrovias que vão amarrar a região por décadas a Pequim. Essa é uma estratégia muito inteligente.Outro aspecto é que o oeste chinês é subdesenvolvido e , com uma instabilidade étnica que preocupa a China. Do ponto de vista de Pequim, a melhor maneira de resolver isso é desenvolver essa região. Para isso, o governo chinês vai conectar essa região com a Ásia Central, com o Oriente Médio e com a Europa. Não tem só um projeto nacional por trás disso. Há um projeto de pacificação que visa consolidar a imagem do Partido Comunista da China.

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