Por monica.lima

A informação imediata, que o mapa revela, com nitidez crua, explica muito mais do que os discursos humanistas, baseados na defesa do direito básico à vida. Quantas palavras mais se podem empregar, usar e martelar na tentativa de fazer valer os direitos do povo palestino? Como ser imparcial e ver os dois lados de um conflito que está, paulatinamente, acabando com qualquer possibilidade real de existência de um estado palestino? É como disse Gary English, norte-americano que trabalha no Teatro da Liberdade, no campo de refugiados de Jenin, na Cisjordânia: “a paz custa caro em terras, como a guerra custa em vidas”. Ou seja, enquanto existe conflito declarado, os palestinos pagam com a vida. Nos intervalos das agressões, pagam com terras e assim vão perdendo, permanentemente.

E o que a goleada histórica que o Brasil sofreu na Copa do Mundo, na mão da Alemanha, tem que ver com isso? Obviamente, nada. Mas até essa derrota fragorosa no gramado foi citada pelo porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, na tentativa de intimidar e humilhar o governo brasileiro que condenou a violência que está sendo cometida por Israel na Faixa de Gaza. Em comunicado divulgado na semana passada, o governo brasileiro repudiou a operação militar. “Condenamos fortemente o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza”, disse o comunicado. “Desproporcional é perder uma partida por 7 a 1”, ironizou Yigal Palmor. E disse que o Brasil, apesar de ser um gigante econômico e cultural, ainda é um anão diplomático.

Israel não admite discordância ou crítica. Mas o governo brasileiro faz parte da maioria, na Organização das Nações Unidas, que quer investigar o que está acontecendo e punir os culpados. O Conselho de Direitos Humanos da ONU é formado por 47 países. Na semana passada, 29 votaram a favor da resolução que condena a operação militar israelense e pede investigações a respeito de possíveis crimes de guerra. 19 países se abstiveram de votar. E o único que votou contra, como era de se esperar, foram os Estados Unidos. Todos os países da América Latina votaram a favor. Mas foi justamente o Brasil que mereceu a crítica e o escárnio de Israel. Se fosse tão anão assim, certamente seria ignorado. Prova de que é um país de peso no cenário internacional foi justamente a necessidade que Israel sentiu de responder e o destaque que a imprensa israelense deu à decisão do Brasil de votar pela investigação e de chamar o embaixador brasileiro em Israel para conversar em Brasília. Mas vamos à desproporção citada pelo porta-voz israelense...

Para colocar uma importante desproporção em perspectiva, Barry Lando, ex-produtor do programa 60 Minutes, da rede CBS, fez os cálculos. Levando em consideração a população palestina e a população dos Estados Unidos, se o mesmo massacre em curso na faixa de Gaza acontecesse por aqui, as 154 crianças palestinas mortas se transformariam em 27.000 menores norte-americanos assassinados. O total de mortos na Palestina, quando ainda estava em 571, significaria um total de 101.000 nos Estados Unidos. Isso tudo em apenas 5 dias. Esse número de mortos é quase o dobro dos que não voltaram dos dez anos de guerra no Vietnã (58.000 norte-americanos mortos ao todo). Desde que Barry Lando fez esses cálculos, o número de mortos subiu e já passava de 700 enquanto escrevo este texto. A carnificina continua. Quantos mais morrerão até que eu chegue ao ponto final?

E será que essa realidade matemática seria capaz de abalar a aparente certeza norte-americana de que é preciso garantir o direito de autodefesa de Israel? Ou abalaria os cidadãos a respeito da aliança firme com o governo israelense? Se a população continuar se informando apenas através dos chamados grandes veículos de comunicação, esquece. Uma conta dessas jamais apareceria nos grandes jornais do país. Por aqui eles têm o cuidado de descrever a situação de forma “imparcial” igualando o poderio bélico de Israel aos foguetes palestinos.

Aparentemente, não existe imagem, dado ou informação capaz de demover o governo americano da parceria fechada com Israel ou mobilizar a população contra essa parceria. Durante a última grande ofensiva militar de Israel sobre a faixa de Gaza, a Operação Chumbo Fundido, na virada do ano de 2008 para 2009, o exército israelense usou fósforo branco contra a população civil. Um produto que, em contato com a pele, queima a carne até o osso. E também provoca incêndios.

No princípio, Israel negou o uso do produto. Mas uma investigação da ONU provou que havia sido empregado contra os palestinos, em regiões densamente povoadas. Segundo grupos de direitos humanos, a arma química teria matado 300 crianças palestinas naquela ocasião, e ferido outras 1.000. Israel ainda argumentou que leis internacionais permitem o uso de fósforo branco. Como se uma convenção internacional tornasse mais palatável a desumanidade da arma muitas vezes letal. Mas a verdade é que um protocolo da Convenção sobre armas convencionais, de 1980,bane o fósforo branco como arma incendiária contra populações civis ou em ataques aéreos contra forças inimigas em áreas civis. Pois bem, Israel violou a convenção internacional, o relatório final da ONU concluiu que houve mesmo o uso do fósforo branco na Faixa de Gaza. E? E nada. Agora, Israel é acusado de voltar a usar o produto químico contra a população civil palestina. E vai ficar tudo por isso mesmo. Outra vez.

A certeza da impunidade alimenta e impulsiona o avanço de Israel sobre vidas e terras palestinas. A Faixa de Gaza é descrita, por quem conhece, como uma prisão. Encurralados, os presos volta e meia se rebelam. Exigem liberdade de ir e vir. Imagine! O mundo, representado na ONU, condena a agressão, o excesso de violência, o uso de armas químicas. Mas se sente impotente diante da tragédia que aparentemente só terá fim quando o que ainda resta de território nas mãos de palestinos for finalmente e completamente transferido para o controle israelense.

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