Por monica.lima

O carro do metrô não estava tão cheio como sempre vejo entre quatro e seis da tarde. Ainda não eram três, mas os dois homens discutiam porque um tinha dado uma trombada no outro com uma daquelas mochilas estilo militar abarrotada de coisas. O rapaz estava de pé com a mochila nas costas, o rosto perturbado, o corpo coberto de tatuagens e um cabelo longo atrás e curto na frente. Se não estivesse em Nova York, poderia jurar que ele passa o dia na praia por conta do dourado da pele. Mas a impressão, reforçada pelo odor, era de que ele carregava a vida ali naquela mochila. E não via um chuveiro há dias.

O rapaz sentado, cabelo cortado rente, camisa social, falava com calma, mas firme. Queria que o outro percebesse o quanto tinha sido indelicado. A coisa ia num crescendo e deixava no vagão aquele ar tenso de que a qualquer momento podia caminhar para a agressão. A mulher de pé, diante do mochileiro, pediu paciência. “Seja compreensivo... Ele está passando por um momento difícil, tentando arrumar emprego...”. E o outro retrucou:
- E você acha que eu não estou também? Tá difícil pra todo mundo! Eu levanto cedo, venho lá de Nova Jersey e nada.

Não é que os dois são do mesmo estado? E apesar da aparência completamente diferente, estão enfrentando a mesma situação. Foi o que desanuviou a situação e permitiu que a conversa terminasse com um sorriso e um leve toque de mão no ombro a caminho da porta do vagão. Essa é uma nova realidade por aqui. O índice de desemprego vai caindo. Aparentemente, um número maior de pessoas está conseguindo emprego. Mas a quantidade de americanos ainda sem perspectiva é bem maior do que revelam as estatísticas. E mais. A vida pós-crise de 2008 tem um novo patamar de consumo já que os salários não são mais os mesmos para a grande maioria.

Prova dessa nova realidade foi o anúncio de uma conhecida cadeia de supermercados sofisticados chamada Whole Foods. As lojas são apetitosas. Queijos maravilhosos, todo tipo de produto orgânico, carnes sem antibiótico, frango criado solto (ao menos é o que diz a etiqueta), macarrão sem farinha de trigo e por aí vai. Mas esse cuidado todo com a qualidade dos produtos tem seu preço. No bairro onde eu moro, os vizinhos costumam olhar com espanto para quem volta pra casa com sacolas do Whole Foods, apelidado pelos americanos de Whole Paycheck (Salário Todo) que é o que fica no caixa depois de uma compra grande.

A cadeia tem 417 lojas e anunciou a intenção de expandir para 1.200. Um investimento de vulto já que cada loja tem o tamanho de umas 13 quadras de tênis. São enormes, espaçosas e oferecem uma variedade grande de produtos. Muitos analistas do setor duvidam que exista espaço para tantas lojas caras no mercado. A empresa parece ter percebido isso também e agora se saiu com um anúncio surpreendente. Vai criar uma cadeia-irmã, ainda sem nome, com lojas menores, com menos variedade e preços mais saborosos.

No texto que anunciou a novidade a empresa cita a intenção de atrair os “milenials”, a geração que está entrando no mercado de trabalho agora e vai se tornando adulta dentro dessa nova realidade. A dos salários mais modestos e da perspectiva material de vida mais comedida. É uma geração que se preocupa com a destruição do meio ambiente, que quer produtos orgânicos, mas não tem dinheiro para pagar os preços cobrados pelo Whole Foods. É, como se diz por aqui, a geração granola ditando mudanças no mercado de consumo. Até a cadeia Walmart hoje oferece produtos orgânicos. E o Whole Foods, que durante 15 anos dominou o setor das comidas naturais, agora enfrenta todo tipo de competição.

Até o casal Jay Z-Beyoncé anunciou em fevereiro que vai inaugurar um serviço de entrega de comida vegetariana com o nome 22 Dias de Nutrição. A ideia é faturar com essa preocupação com a saúde. Os 22 dias ficam por conta da teoria de que um novo hábito alimentar se forma em 21 dias. No vigésimo segundo a pessoa já está acostumada e convertida. Se tiver dinheiro no bolso para seguir a dieta do casal, que vai cobrar US$ 600 pelas refeições. Definitivamente, não é pra qualquer um. Essa parte da equação os dois, que vivem em um outro mundo, não levaram em conta.

Mas a cadeia de supermercados que quiser sobreviver como uma das grandes do país tem que computar a mudança. Está em curso uma rearrumação. E ela fica evidente neste setor básico da economia dos Estados Unidos: a alimentação. Ela é orientada pela consciência dessa geração que não se conforma com a agricultura predatória, baseada no uso intensivo de agrotóxicos, nem com o tratamento cruel dos animais. Ela quer frutas, verduras e legumes mais saudáveis, carne sem hormônio, peixe que chegue à mesa sem ameaçar a sobrevivência da espécie. Eles ainda não são maioria, mas são a tendência mais forte no horizonte. Ao mesmo tempo, têm um orçamento mais apertado. Vivem na realidade pós-crise de 2008.

Vai ser interessante ver se a nova cadeia do Whole Foods — verde, orgânica e mais modesta — vai roubar clientela e comprometer o futuro da irmã mais velha, linda e inalcançável para a grande maioria.

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