Por monica.lima

Hillary Clinton parece uma fatalidade. E não por mérito próprio, exatamente. É verdade que ainda falta muito para a eleição presidencial norte-americana, marcada para novembro do ano que vem, e muita coisa pode acontecer até lá. Mas do jeito que andam as coisas no campo republicano e sem um adversário viável disposto a disputar com ela a indicação do partido democrata, Hillary Clinton tem o caminho livre. Quem parecia ter mais chances de enfrentar a ex-primeira dama para uma segunda estadia na Casa Branca, agora no papel principal era Chris Christie, governador do estado de Nova Jersey, ou Jeb Bush, ex-governador da Flórida, irmão do ex-presidente George W. e filho do também ex-presidente George H. Que dinastia...

Os republicanos vão precisar de um nome melhor. Christie está todo atrapalhado com o escândalo da ponte George Washington que teve uma faixa fechada por um assessor só para criar um trânsito ainda mais infernal do que o de costume e punir um desafeto político, prefeito da cidade onde a ponte desemboca, do lado de Nova Jersey. A trapalhada veio à tona, Christie conseguiu se safar, mas em todo lugar que vai o assunto o persegue. Não vai dar certo na campanha presidencial. E Jeb... Oficialmente, ele ainda não anunciou a candidatura, mas está em campanha descaradamente. E já cometeu todo tipo de erro possível. Na última semana, foi interpelado e arrasado por uma estudante de 19 anos. Uma dessas surpresas que fazem a gente levar mais fé na moçada.

Ivy Ziedrich não estava planejando fazer perguntas ao futuro candidato durante um debate com a comunidade de Reno, em Nevada. Mas Jeb Bush começou a falar de terrorismo, a culpar o presidente Barack Obama pelo avanço do grupo Estado Islâmico argumentando que o presidente abriu espaço para os militantes ao retirar as tropas americanas do Iraque e do Afeganistão. A estudante foi ficando incomodada. No fim do discurso, ela se aproximou e listou os desmandos da invasão:
- A ameaça que o Estado Islâmico representa foi criada pela Autoridade da Coalizão Iraquiana (o nome que os Estados Unidos davam para o governo de ocupação logo após a invasão do país) que desmontou todo o governo do Iraque. Foi então que 30.000 indivíduos das forças armadas foram demitidos. Eles não tinham emprego, não tinham salário mas tinham acesso às armas. Então o seu irmão criou o Estado Islâmico.

Jeb Bush não esperava por essa e ficou sem resposta justamente sobre um assunto que já persegue o candidato potencial dos republicanos. Em outra resposta desastrada, ele deu a entender que faria justamente o que o irmão fez. Mesmo depois do desastre irrefutável que o Iraque é hoje, ele teria invadido o país em nome da segurança. Como hoje todo mundo sabe que a invasão foi levada a cabo com base na mentira das armas de destruição em massa, ele teve que se explicar. Disse que não entendeu direito a pergunta e que na verdade, se soubesse naquela época o que sabe hoje, talvez não tivesse invadido o país. Antes de entrar para valer na disputa, já está bem embaralhado.

A estudante de Reno que deu uma rápida aula ao político precisou deixar recado no Facebook dizendo que não ia acrescentar ninguém que estava procurando por ela só por causa da pergunta que fez a Jeb Bush. Ela foi inundada de pedidos e agora o perfil da jovem circula nas redes sociais. Ivy Ziedrich liderou o time de debates da escola. É campeã na eloquência e na capacidade de se expressar verbalmente. Mas pelo visto também deixa a maioria dos adultos do país no chinelo em matéria de informação. Ela foi direto ao ponto que a sociedade norte-americana evita a todo custo. A origem da expansão dos grupos terroristas.

No caso do Iraque e do Estado Islâmico, a revista alemã Der Spiegel publicou uma reportagem no mês passado mostrando que a conexão entre a invasão americana e o surgimento do grupo é exatamente a que a jovem Ivy Zierich citou. Um dos militares dispensados pelos norte-americanos foi Samir Adb Muhammad al-Khlifawi que fazia parte do serviço de espionagem da força aérea de Saddam Hussein.

Hoje, entre os militantes do Estado Islâmico, ele tem o codinome Haji Bakr. Depois de ser dispensado pela ocupação, ele caiu na clandestinidade e se ligou a Abu Musab al-Zarqawi, o jordaniano que montou um campo de treinamento de terroristas no Afeganistão e se tornou conhecido como o grande arquiteto de ataques às tropas americanas. Zarqawi morreu em 2006 durante um ataque aéreo dos Estados Unidos. Haji Bakr morreu em 2014. Mas deixou um legado e tanto. Ele foi o principal assessor do líder do grupo Estado Islâmico, Abu Bark al-Baghdadi. Segundo a publicação alemã, antes de morrer Bakr transformou Baghdadi em um líder dentro do grupo terrorista e ajudou a tomada de cidades chaves na Síria para o Estado Islâmico. Ele também teria sido fundamental no descolamento entre Estado Islâmico e a Alcáida.

Uma reportagem do Washington Post publicada no mês passado vai bem além da figura de Haji Bakr e garante que ele é apenas um exemplo de tantos outros. "Mesmo com o influxo de milhares de combatentes estrangeiros, quase toda a liderança do Estado Islâmico é composta de ex-oficiais do governo iraquiano, inclusive de paramilitares e agentes de segurança", disse o jornal.

A política externa dificilmente pesa nas decisões dos eleitores americanos na hora de escolher o próximo presidente. Mas diante dos gastos das guerras no Iraque e no Afeganistão, do número de veteranos mutilados e psicologicamente arrasados que o país tem hoje, vai ser difícil Jeb Bush varrer essa questão para debaixo do tapete.

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