O encontro da capital cearense vai marcar o fim do caráter informal e consultivo do BRICS, cinco anos após o primeira reunião oficial em solo russo. A institucionalização do grupo estará a caminho, com a criação de instrumentos financeiros: um fundo de socorro e um banco de desenvolvimento.
Fim de jogo no Maracanã. Dia 13 de julho. Os holofotes se apagarão no estádio, mas os brasileiros continuarão com a bola nos pés. Dois dias depois do último jogo da Copa, o Brasil permanecerá no centro das atenções mundiais como anfitrião do encontro que hoje promete ser o mais importante da curta história do BRICS. A sexta cúpula do grupo, em Fortaleza, vai marcar uma nova fase desse clube de gigantes emergentes. Até então, a união dos cinco países representava mais um poder simbólico contra a hegemonia dos países ricos. A partir de julho, eles prometem colocar a mão na massa. O encontro da capital cearense poderá marcar o fim do caráter apenas informal e consultivo do BRICS, cinco anos após o primeira reunião oficial em solo russo.
A institucionalização do grupo está a caminho, com a criação de instrumentos financeiros que estavam até agora sendo discutidos em banho-maria: um fundo de socorro para ajudar quem estiver com dificuldades financeiras, e um banco de desenvolvimento dos emergentes, no estilo do BNDES. Cada um terá um montante de capital de US$ 100 bilhões. O interessante foi o momento que o grupo escolheu para anunciar que irá finalmente consolidar institucionalmente os seus mecanismos financeiros. Foi justamente em meio ao aumento da escalada da crise na Ucrânia, com a tentativa dos EUA e da Europa de isolar completamente a Rússia. Essa crise - que ressuscitou uma rivalidade geo-política no estilo Guerra fria - acabou, curiosamente, ajudando a aproximar mais os integrantes do BRICS.
O conflito entre Rússia e o Ocidente leva a uma mudança de paradigma na atual ordem mundial e a multipolaridade mostra a sua cara. Os países do BRICS recusaram-se a isolar Moscou. Os países dos BRICS também rechaçaram as sanções econômicas que o Ocidente aplicou contra a Rússia. Não que estejam felizes da vida com o expansionismo de Putin, longe disso. Mas eles mostraram que vão se proteger contra as tentativas de imposições hegemônicas dos EUA. As punições serviram como um alerta para os emergentes.
O banco de desenvolvimento do BRICS é uma grande oportunidade de promover o grupo: ele deixa de ser apenas um símbolo de união contra os países ricos. E se transforma em um grupo com poder de ação para implantar seus projetos sem precisar da bênção dos mais poderosos. Discute-se agora o local do seu quartel-general e a distribuição do capital inicial. Curiosamente, o próprio Banco Mundial anunciou para esse ano a criação de um fundo mundial para bancar obras de infra-estrutura.
O fundo de socorro cambial – que está em fase mais avançada de negociação do que o banco – terá um aporte maior do mais poderoso entre os BRICS. A China desembolsará US$ 41 bilhões. O Brasil, a Rússia e a Índia farão um aporte de US$ 18 bilhões cada. E a África do Sul, US$ 5 bilhões. Nos últimos 10 anos, países de renda média, como os que formam o BRICS, têm investido cada vez mais em países pobres da África, da Ásia e da América Latina. Com mais de 40 % da população mundial e com US$ 4,4 trilhões de reservas em moeda estrangeira, os BRICS querem ter maior influência na arquitetura financeira global. Já no primeiro encontro do grupo, em 2009, seus países-membros concordaram em reivindicar reformas das atuais instituições financeiras internacionais.
Os mecanismos financeiros dos emergentes vão nascer exatamente quando o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial completam 70 anos, sob uma chuva de críticas. Enquanto anunciavam que vão tirar do papel os seus instrumentos de financiamento, os países dos BRICS viram, na última semana de março, o Congresso americano protelar a ratificação das reformas do FMI, no forno há quarto anos. Essas mudanças dobrariam os recursos da instituição e dariam mais voz aos mercados emergentes.
Na seara política, é preciso observar o papel que o BRICS vai desempenhar a partir da complexa crise da Ucrânia. Trata-se de um grande desafio diplomático. O que o grupo fará se as relações da Rússia com o Ocidente ficarem pior do que já estão, com a Ucrânia mergulhando em uma guerra civil? Como contribuirá para diminuir as tensões e ao mesmo garantir a sua autonomia no palco da geo-política? Certamente o BRICS vai continuar preservando suas relações com o Ocidente, evitando apoiar abertamente o expansionismo de Putin. Mas vai também continuar se contrapondo à tentativa dos EUA de impor suas regras ao mundo de forma hegemônica.
A China - que tem se recusado a fazer coro com o Ocidente - terá papel fundamental nesse novo jogo. Putin direcionou sua mira para o Oriente para compensar as punições vindas do Ocidente. Já está arrumando as malas para sua visita à China no mês que vem. Lá, vai participar em Xangai de encontro com título sugestivo: Conferência de Construção de Medidas de Confiança e de Interação na Ásia. E deverá arrematar um gigantesco acordo energético com o presidente Xi Jinping que estava embaçado há 10 anos: o suprimento do faminto gasoduto chinês por 30 anos. A crise na Ucrânia, como se vê, serviu também para desengavetar esse negócio tão precioso para Moscou que ganhou o apelido de “ o cálice sagrado da Rússia”.